Fundado em 17 de novembro de 1895, o Flamengo trocou mais tarde sua comemoração oficial de aniversário para 15 de novembro, de maneira a fazê-la sempre coincidir com o feriado da Proclamação da República. De qualquer forma, os dois Sóis estão em conjunção, e não apenas isso: Urano do Flamengo também está em conjunção com o Sol do Brasil republicano, e todo o forte stellium em Escorpião da carta do rubro-negro (cinco planetas) ativa, de diversas formas, todos os mapas importantes para a definição da identidade brasileira, a começar pelo do próprio descobrimento, em 1500.
O Flamengo como fenômeno de massa
O Flamengo não é apenas um clube carioca: é uma paixão nacional, com torcedores em lugares tão remotos que jamais foram ou serão visitados pela equipe. As estatísticas mostram-no como o clube de maior torcida em todo o mundo, reunindo por volta de 37 milhões de torcedores – um pouco mais do que o Chivas Guadalajara e o América do México, que ocupam a segunda e a terceira posição, e bem mais do que os 23 milhões de torcedores do Corinthians e os 16 milhões de fanáticos seguidores do Boca Juniors, de Buenos Aires.
O que caracteriza o Flamengo como fenômeno de massa é, antes de tudo, a oposição da Lua à conjunção Netuno-Plutão em Gêmeos, a mesma que viu nascer o cinema, as histórias em quadrinhos, o rádio, a cultura de massa, enfim. O aspecto ainda está potencializado por trígonos e sextis de Júpiter e Vênus, como a representar a fluência com que o centenário clube adaptar-se-ia à linguagem dos novos meios de comunicação para projetar-se muito além dos horizontes de sua cidade natal (Lua em Sagitário, signo das grandes distâncias).
Uma torcida passional
O Flamengo tem uma mística maior do que o time. Mesmo com equipes despidas de qualquer brilho, como as que vestiram a camisa rubro-negra no início dos anos setenta, o encantamento sempre persistiu. Diz-se que a camisa do Flamengo pesa, e deve ser verdade: cinco planetas no denso e passional signo de Escorpião, além do extremista Plutão em oposição com a Lua, fazem do clube um vertedouro de sentimentos exacerbados, com componentes de ciúme e exigência. O craque que joga no Flamengo vive ao mesmo tempo o céu e o inferno. A torcida, tão fiel quanto possessiva, irá vigiá-lo, testá-lo, ler no fundo de sua alma se há merecimento que justifique vestir a camisa rubro-negra – chamada de manto sagrado. Cada torcedor do Flamengo é um detetive e um juiz em potencial.
Clube e torcida vigiam-se, seduzem-se, excitam-se e manipulam-se mutuamente. Culpam-se mutuamente pelos fracassos e reconciliam-se com a mesma veemência ao primeiro sinal de recuperação. Mantêm entre si uma relação exclusivista, como dois amantes que só tivessem olhos um para o outro.
Flamengo, o Brasil escorpiano
O Flamengo exprime o que o Brasil tem de mais escorpiano. Não é o Brasil cartorial e burocrático inventado pelos portugueses, ou o país aparentemente sereno e pacificado do apogeu da monarquia. É o Brasil de veias abertas e fraturas expostas, com todas as contradições da era republicana iniciada em 1889. O Flamengo, com seu complicado jogo interno de poder, é o microcosmo do país dos conchavos políticos e golpes de estado, da alternância entre os governos populistas e as intervenções militares. Através do Flamengo, sua torcida experimenta os mecanismos do exercício do poder através da pressão. Escala jogadores e depõe técnicos da mesma forma como decide, por vezes, ir para as ruas para pedir as Diretas Já ou acabar com a República das Alagoas. No estádio, representação simbólica do país, a nação rubro-negra exerce uma forma direta e primitiva de cidadania.
Uma das maiores incógnitas da astrologia brasileira é descobrir o Ascendente do mapa de seu clube mais popular. Lembremos que o Flamengo foi fundado em 17 de novembro, mas fez constar em ata a data de 15 de novembro, para que o aniversário sempre coincidisse com a comemoração da Proclamação da República. Esta substituição de data, que funciona como um disfarce da própria identidade, já chama a atenção para um toque netuniano ou plutoniano.
O mistério da fundação e os Ascendentes possíveis
Em 2002, o autor deste artigo esteve duas vezes na sede do clube, na Gávea, atrás do horário correto. Na segunda visita, Dona Melba, responsável pelo setor de Patrimônio Histórico do clube, esclareceu que a ata de fundação não faz qualquer menção a horário, o mesmo acontecendo com a ata que cria o departamento de futebol, em 1911. (NOTA: O autor esclarece que foi à sede do clube apenas por um ato de sacrifício, acompanhando amigos e pensando no bem da astrologia brasileira, pois definitivamente seu coração não é rubro-negro!)
O que se sabe, e faz parte dos resultados da pesquisa para um vídeo produzido em 1995 para os 100 anos do clube, é que a fundação deu-se no famoso “casarão” da Praia do Flamengo, residência de um dos fundadores, e que a reunião só foi iniciada após a chegada do Patrono, José Agostinho Pereira da Cunha, que foi para lá “após todos os compromissos profissionais do dia”. Isso consta na história do Flamengo, mas o curioso é que 17 de novembro foi um domingo e ninguém consegue informar quais poderiam ter sido os supostos “compromissos profissionais”! De qualquer forma, o horário que Dona Melba acredita ser o mais provável é o das 19h ou logo após, o que é confirmado por outras fontes da história do clube, que se referem a uma assembleia na noite de 17 de novembro.
Temos aí o ponto de partida para uma investigação. Considerando que o Sol se pôs, naquele dia, por volta das 18h30 (hora local), há uma vaga possibilidade de um Ascendente no final de Touro. Das 18h33 em diante o Ascendente já seria Gêmeos; a partir das 20h48, Câncer; e, a partir das 22h49, Leão. Na prática, as opções são apenas duas, Gêmeos e Câncer. Ocorre que o Rio de Janeiro já tem outros dois clubes com uma forte marca canceriana, que são o Fluminense e o Botafogo. Como a cidade do Rio de Janeiro não tem um vínculo simbólico notável com este signo, é improvável que mais um grande clube também apresente uma dominante canceriana. Por outro lado, Gêmeos é o signo do Ascendente do Rio de Janeiro, assim como da conjunção Lua-Júpiter do mapa da Independência do Brasil.
A identificação com a cidade e com o país
A forte identificação do Flamengo com a cidade onde nasceu e com o próprio país é um poderoso indicador de uma possível superposição entre os Ascendentes do clube e da cidade, assim como da conjunção entre o Ascendente do Flamengo e Júpiter-Lua no mapa do Brasil. Calculando uma carta especulativa para as 19h22, temos todas essas condições preenchidas. O mapa resultante apresenta uma oposição Plutão-Lua no eixo Ascendente-Descendente, destacando não apenas a importância da Lua, indicadora de multidões e de popularidade, mas também o próprio mascote do clube, o urubu, como veremos a seguir.
Os dez planetas da carta encontram-se contidos num arco de aproximadamente 180 graus, indicando uma concentração de recursos que lembra o perfil de distribuição de renda do país. O grande desafio é ocupar a metade vazia, é atingir um equilíbrio altamente improvável neste mapa extremista onde os cinco planetas em Escorpião lembram a imagem do jogador que aposta todas as fichas no mesmo palpite. O planeta que “puxa” todo o grupo – o primeiro a cruzar os ângulos no sentido horário – é Plutão, cujo simbolismo é frequentemente associado às forças arcaicas do inconsciente coletivo. Plutão é invisível, concentrado, insidioso, inexorável, manipulador, sagaz, rigoroso, telúrico, poderoso e secreto. Escorpião é a fênix a renascer permanentemente das próprias cinzas.
No Flamengo, as imagens de morte e ressurreição são recorrentes, a começar pelo próprio animal que a imaginação popular escolheu como símbolo do clube:
O mascote do Flamengo é o urubu, símbolo da ginga e da malandragem rubro-negra. A história começou em uma partida entre Flamengo e Botafogo, em junho de 1969. Havia dois anos que o rubro-negro não ganhava de seu tradicional adversário e, de repente, um urubu foi atirado em campo por dois torcedores. O jogo foi paralisado para a retirada do animal e o Flamengo acabou vencendo por 2 x 1, quebrando o tabu. A partir daí, o urubu virou a marca do Mengão. (Citação extraída do site oficial do clube, em 1999.)
O significado simbólico dos urubus
O feio e repugnante urubu é a ave carniceira que, ao comer os restos orgânicos em putrefação, permite à natureza renovar-se em seus ciclos. Nos cultos de magia afro-brasileira, o vermelho e o negro são frequentemente identificados como as cores de Exu, o mensageiro dos orixás e aquele que toma conta das encruzilhadas para permitir – ou não – o acesso a outros planos. Na condição de mensageiro, Exu lembra Mercúrio e Gêmeos; na condição de agente universal da transmutação de energias, sugere Escorpião. Plutão, por outro lado, expressa processos de eliminação que, no panteão africano, correspondem ao modelo operacional de Omulu-Obaluaiê, a divindade daomeana da varíola que tanto traz a doença quanto permite sua cura. Na verdade, a varíola, quando manifesta-se na pele, não está surgindo naquele momento, mas apenas exteriorizando um conteúdo mórbido que já estava presente em profundidade, de forma invisível.
Escorpião, Plutão, Exu, Obaluaiê, urubus… imagens diversas para consubstanciar o mesmo princípio de eliminação do que é velho, inútil, tóxico, repugnante. Após a destruição, o terreno estará limpo para a nova semeadura. Assim é também a função do Flamengo. Sua relação com a torcida é de catalisador de processos mórbidos que precisam ser regenerados através da catarse coletiva. Através do vínculo de paixão, que comporta sofrimento e alegria em nível de massa, o torcedor promove a purgação que o tornará mais leve, mais limpo, mais purificado. É isso que o fenômeno rubro-negro expressa: um gigantesco mecanismo terapêutico, um ritual de exorcismo compartilhado. Neste sentido, há pouca diferença entre a final do campeonato – ou o jogo desesperado em que o clube joga suas últimas chances de classificação – e as concentrações-monstro promovidas por seitas evangélicas no mesmo templo aberto do Maracanã.
A carta especulativa também destaca a importância da casa 5 – ligada a esportes e ao prazer do jogo, da aposta, do “tudo ou nada”. Essa casa 5 é regida por Vênus em Libra, em trígono com o Ascendente: Flamengo, “o mais querido”. Já a Lua no otimista e extrovertido signo de Sagitário na cúspide da casa 7 mostra a torcida alegre, barulhenta, sempre a alimentar a esperança de títulos impossíveis. O otimismo incorrigível e a tendência ao exagero de Sagitário levam a imensa torcida a transformar jogadores apenas medianos em craques inesquecíveis. Quem não se lembra, por exemplo, do desengonçado Fio Maravilha, que caiu nas graças dos torcedores em meados dos anos 70 e virou samba de sucesso na voz de Jorge Benjor?
Com a Lua em Sagitário e seu regente, Júpiter, em Leão, o mapa do Flamengo tem sua cota do elemento Fogo, que rege a fé e o entusiasmo. E com a conjunção Sol-Urano na casa 6, temos aí o clube com forte apelo sobre a massa trabalhadora. Se bem que as pesquisas mostrem que a torcida do clube se espalha de maneira quase uniforme por todas as classes sociais, o estereótipo dominante no Rio é o do flamenguista suburbano, que vai para estádio de trem e comemora títulos caindo invariavelmente no samba (ou no funk estilo pancadão).
Há, contudo, uma outra carta que também precisa ser analisada. Nos primeiros dezesseis anos, o Flamengo foi um clube de remadores e não despertava ainda a paixão popular. Apenas em 1911 surge o Departamento de Futebol, cuja carta está no artigo Flamengo, futebol e sadomasoquismo.
Segundo tempo: Flamengo, futebol e sadomasoquismo.