Novamente Campeão do Mundo
Tido então como um atleta ultrapassado e com sequelas inegáveis do combate anterior, Ali teria sua revanche contra Ken Norton pouco mais de seis meses depois, vencendo por pontos após doze assaltos. Ganhou outro confronto em outubro de 1973 e, no ano seguinte, faria a revanche contra Joe Frazier, que já não detinha mais o título de campeão mundial dos pesos-pesados.
Este artigo é o último de uma série, cobrindo toda a carreira de Muhammad Ali. Não deixe de ler as origens do mito, que analisa a carta natal do boxeador.
1942-1954: Muhammad Ali, as origens do mito
1959-1966: o Islã e a glória olímpica
1967-1973: Muhammad Ali, o inimigo da América
1973-1999: da luta do século ao mal de Parkinson
Se três anos antes tinham faturado US$ 5 milhões, desta vez levariam apenas US$ 850 mil. Apesar de Frazier ter vencido Ali no combate anterior, seu rim ficou muito avariado e ele teve de ficar três semanas no hospital. Além disso, os socos de Ali trouxeram problemas permanentes em sua retina ocular. Ali, por sua vez, estava recuperado da fratura no maxilar mas sabia já não ser o mesmo de antes da interrupção de sua carreira.
Numa entrevista coletiva ao vivo, o também capricorniano Frazier alfinetou Ali sobre o fato de ter ido para o hospital com o maxilar e os dentes quebrados. Ali respondeu que teria ficado no hospital por apenas “dez minutos” enquanto que ele mesmo havia mandado o rival para o mesmo lugar por três semanas, chamando-o de “ignorante”.
Ali venceu Frazier por pontos após doze rounds, usando a tática de assimilar os golpes do adversário para cansá-lo e, em seguida, disparar golpes cheios de técnica e chegar à vitória. Muito consciente, sabia exatamente que fazer para batê-lo no ringue. O veterando pugilista vencia outro da nova geração e exorcizava o fantasma de sua primeira derrota, assim como fizera com Ken Norton. Além disso, tornava-se apto para desafiar o então campeão mundial, George Foreman.
Esta importante vitória, crucial para a guinada final rumo ao título, teve Marte sobre o Meio do Céu de Ali. Mas a configuração de maior destaque é um Grande Trígono formado por Mercúrio e Júpiter em Aquário, Saturno em Gêmeos e Urano em Libra. Veja que Saturno e Urano, planetas cruciais para Ali, estavam em trígono. Júpiter aparece em conjunção exata a Vênus e à cúspide da casa VI. Tem a companhia de Mercúrio. Caso clássico de sucesso envolvendo as interações entre Vênus-Júpiter e os ângulos, revela ainda uma habilidade cada vez maior de Muhammad Ali se fazer valer da experiência e da luta tática contra os adversários a sua maior maior arma, ao invés de se colocar como o “demolidor” de antes, já que o peso da idade era inegável: o pugilista tinha 32 anos e competia num esporte onde a longevidade atlética é exceção. Ali precisava usar cada vez mais a inteligência, planejar as lutas em função dos adversários e vencê-los mais pelo cansaço e pela malandragem do que pela força de seus golpes. A técnica tornava-se cada vez mais indispensável.
Este Grande Trígono entre as casas III, VI e XI demonstra ainda que Muhammad Ali vivia uma fase de amadurecimento e equilíbrio, lidava com os meios de comunicação e sua inserção social com maior sabedoria e habilidade. Netuno, que poucos anos antes entrara em Sagitário, favorecendo novas percepções da espiritualidade e da religião, aplicava oposição a Júpiter natal na casa X. É certo que sua visão do Islã começava a mudar.
Dois aspectos devem ser levados ainda em conta. Saturno em Gêmeos formava uma quadratura exata com Netuno na casa II. A luta em si foi um acontecimento mundial, sucesso de marketing e promoção [Grande Trígono nas casas III, VII, e XI], mas a bolsa fora rídicula comparada com anterior, de valor muito mais alto. Urano aplicava quadratura exata ao Sol de Ali, que corria contra o tempo para recuperar o cinturão dos pesos-pesados e expunha perigosamente sua integridade física.
Muhammad Ali só voltaria a recuperar o título mundial em 1974, num dos episódios mais interessantes de sua vida. Já com 32 anos, ele realizou naquele apenas dois confrontos oficiais e nenhuma exibição: uma luta contra Joe Frazier (que não era mais o detentor do título) e outra contra George Foreman, esta valendo o campeonato do mundo, no Zaire.
A luta contra Foreman (aquele do grill) ocorreu em 30.10.1974 em Kinshasa. Chamada de “Rumble in the Jungle”, ela teve como empresário Don King, que no futuro viria a ser o manager de Mike Tyson. King, que de militante da causa negra não tinha nada, possuía uma ampla visão comercial e se aproveitou da montanha de dinheiro oferecida pelo ditador Mobuto para promover a primeira decisão de título dos pesos pesados na África.
Este combate rendeu um grande documentário cinematográfico intitulado “Quando Éramos Reis”, cultuado tanto por cinéfilos como por amantes do boxe. Além da luta ter sido no Zaire e marcado a reconquista do título mundial por Muhammad Ali, o episódio envolveu várias semanas de preparação no país (Foreman contundiu-se e o combate teve de ser adiado por algumas semanas) e mobilizou a imprensa do mundo inteiro. Com o massivo apoio da população local a Ali por sua projeção étnico-religiosa, onde quer que o pugilista passasse ouvia brados de “Ali, bumaye” (Ali, mate-o). Durante a contusão Foreman quase desistiu, quando tudo estava pronto e o mundo tinha os olhos voltados para o Zaire. Uma verdadeira novela, que teve final feliz para Muhammad Ali.
George Foreman [também capricorniano e sete anos mais novo] era imenso e dono de um dos socos mais potentes da história do boxe até então. Até a luta Foreman encontrava-se invicto e com um currículo invejável, que incluía a medalha de ouro olímpica no México (1968). Era apontado como franco favorito.
Muhammad Ali, todavia, fez uso de seu tradicional falatório para promover-se e minar psicologicamente Foreman, que ainda contava com a antipatia dos então zairenses. Com a contusão de Foreman no supercílio, o que atrasou a luta em um mês e quase resultou no seu cancelamento, Ali acusava Foreman de estar com medo e de querer fugir. Foreman permanecia recluso, apenas treinando no ginásio e indo para o hotel, enquanto Ali vivia nas ruas em contato com a população e fazendo seu já tradicional jogo de cena, importunando Foreman sempre que pudesse. Ainda assim, o favoritismo de George Foreman era imenso.
Foi uma das lutas mais violentas que se tem notícia. Ali foi castigado na grande maioria dos rounds, sendo constante imprensado nas cordas e recebendo muitos socos. Foreman, entretanto, não conseguia atingir a cabeça de Ali e nocauteá-lo. Com o decorrer do combate Foreman foi ficando cada vez mais irado e minado psicologicamente, extravasando toda a sua agressividade contra um provocador Ali e, naturalmente, aumentando seu cansaço. No oitavo round Ali já tinha o controle da luta e demonstrava muita autoconfiança. Após uma série de socos no rosto de Foreman, nocauteou-o naquele mesmo assalto levando os zairenses ao delírio. Muhammad Ali era novamente campeão do mundo.
Posto que este é um dos momentos mais gloriosos da carreira de Muhammad Ali, vejamos sua progressão lunar. O Ascendente progredido terminara poucos meses antes uma conjunção com o Nodo Norte natal, o mesmo tendo acontecido com o Meio do Céu progredido em relação a Júpiter. Aqui seria o caso de indagarmos por uma retificação de seu Ascendente natal para 1º a menos, no que não iremos nos estender.
Mercúrio progredido [dispositor da casa II] estava em conjunção com a Lua em trígono com Júpiter natais, tendo grande repercussão financeira em sua vida, além de recolocá-lo no olimpo dos grande atletas. Esta configuração revela ainda que Ali estava mais falante e provocador do que nunca e com grande autoconfiança. Não podemos subestimar a capacidade de Ali de minar psicologicamente os adversários e, neste longo episódio, é certo que ela foi fundamental. A conjunção da Lua com Mercúrio e o trígono com Júpiter indicam ainda o grande apoio e estímulo da população zairense. Vênus progredida terminara recentemente uma oposição a Plutão e Parte da Fortuna natais, indicando a crise no casamento devido ao fato de Ali, durante a longa temporada no Zaire, ter se envolvido com uma repóter, Veronica Proche. Poucos anos depois, o pugilista viria a se divorciar novamente, casando-se com Veronica.
Os trânsitos de 30.10.1974 trazem a Lua conjunta a Marte em Touro, um sinal de vitalidade e forte energia emocional e psicológica. Indiretamente, representa a “força” fornecida pela população local. O dramático combate envolveu um stellium entre Mercúrio, Urano, Marte, Vênus e o Sol, entre os signos de Libra e Escorpião na casa III, mais um indicativo de que o “papagaio” Ali estava com a corda toda. Sol, Vênus e Marte em Escorpião fechavam uma Grande Cruz com o Sol natal, Lua em trânsito e Marte natal, além de Plutão e a Parte da Fortuna natais. Vê-se a ferocidade da luta, que castigou bastante ambos os lutadores por quinze rounds. Mercúrio e Urano aplicavam quadraturas exatas ao Sol de Ali, reiterando o perigo físico a que o pugilista se expôs, tomando vários golpes (afinal, esta havia sido sua tática). Saturno, dispositor do Sol e do stellium em Aquário, encontrava-se exilado em Câncer e iniciando uma oposição ao Sol natal, também assinalando um período de desgaste físico e saúde vulnerável.
Contudo, George Foreman, também capricorniano, possui Sol em 20º de Capricórnio, com Júpiter no 12º do mesmo signo, e provavelmente sentia ainda mais a oposição de Saturno exilado. Lembre-se de que a pressão sobre ele no Zaire foi enorme, com a antipatia da população local, a contusão sofrida (que adiou a luta e prolongou sua estada numa terra francamente “estranha”) e as irritantes provocações de Ali.
Voltando aos trânsitos da luta sobre o mapa de Ali: uma conjunção entre Netuno e o Nodo Norte em Sagitário recebia quadratura de Júpiter em Peixes e aplicava oposição a Júpiter natal, indicando mudanças em sua concepção espiritual da vida.
Ali, astro do cinema
Um filme sobre a vida de Muhammad Ali, estrelado pelo próprio, foi lançado em 19.05.1977. Além de ser um marco em sua trajetória pessoal, “The Greatest” é importante porque traz a visão de Ali (afinal, ele estrelou o filme) sobre si mesmo naquela fase de sua vida. Ainda campeão mundial, Ali agora quebrava recordes de bilheteria.
No dia do lançamento do filme, o Sol estava em estreita conjunção com Urano natal na casa X. Novamente o pugilista dava mostras de sua trajetória incomum, assumindo o papel de ator de si mesmo, numa empreitada que lhe rendeu muito dinheiro (Sol em Touro em trígono exato com Netuno natal). Bem ao estilo da conjunção do Sol de Ali sobre Plutão dos EUA, Muhammad Ali dava mostras de intimidade com os grandes recursos da economia norte-americana, além de aumentar ainda mais a sua aura de mito. Apesar de sua atuação alternar momentos de canastrão com outros de desempenho surpreendente, o filme é bom. Ali passava por mais um retorno de Júpiter que, no dia do lançamento, recebia conjunção da Lua, o que faz jus a um filme hollywoodiano sobre a sua vida, colocando-o nas telas de todo o país. Vênus e Marte, em Áries, formavam trígonos com Saturno em Leão e o Ascendente natal, este último aspecto refletindo a condição de ator (e símbolo sexual).
Urano, prestes a cruzar o Fundo do Céu, sugere a mudança na perspectiva racial e religiosa, indicada por trânsitos a que me referi anteriormente. Elijah Muhammad morrera em 1975 e o grupo Nação do Islã convertera-se em seguida à vertente sunita do Islã, de caráter mais conservador. Ali foi junto. Ali e o grupo tinham agora uma atuação muito mais moderada, o que fica nítido no filme.
Na progressão lunar para o lançamento do filme Lua e Marte estão em conjunção com Saturno-Urano natal. Podemos interpretar a época de lançamento de The Greatest como a aproximação definitiva de Ali com o establishment, favorecendo sua integração social e política ao “sistema”, em detrimento da militância aguerrida de outros tempos, representada essencialmente pelo Fundo do Céu em Escorpião, Marte e Plutão no mapa natal. Com a chegada de Marte progredido à conjunção Saturno-Urano, a militância do “personagem” é absorvida definitivamente pelo mainstream, deixando de ser uma ameaça ao sistema para se converter em “fato histórico”. A Lua progredida, que nos meses seguintes faria trígono com Netuno natal na casa II, indica que Ali aumentou consideravelmente a sua conta bancária com o filme.
Tendo se divorciado de Belinda Boyd no ano anterior, Ali viria a se casar com Verônica Proche ainda em 1977.
Aposentadoria
Depois de recuperar o título contra George Foreman, Muhammad Ali defendeu o título por dez vezes, vencendo todas as lutas. Ele havia dado uma revanche a Joe Frazier numa luta nas Filipinas e vencido, seu filme havia sido um grande sucesso; Ali tinha 36 anos e era uma lenda viva do esporte. Subiu novamente ao ringue em 15.02.1978, contra Leon Spinks, perdendo no décimo-quinto round. Seis meses depois, numa revanche, recuperou o título, tornando-se o primeiro boxeador a sagrar-se três vezes campeão do mundo.
Mais uma vez Muhammad Ali fazia história no mundo do boxe. Marte progredido seguia a conjunção a Saturno-Urano na casa X, e desta vez a Lua progredida estava sobre Júpiter natal.
No ano seguinte, 1979, Ali resolveu finalmente aposentar-se, aos 37 anos, mas teve uma recaída e voltou no ano seguinte. Perdeu duas lutas entre 1980-81, retirando-se definitivamente do boxe. A última vez que Ali subiu ao ringue como profissional foi em 11.12.1981, em Nassau. Um ano antes, tinha atuado novamente em um filme.
Vemos que em sua derradeira luta, Júpiter, Saturno e Plutão aplicavam quadraturas para o Sol natal, como que dizendo que a hora de parar já havia chegado há muito tempo. Muhammad Ali voltara da curta aposentadoria castigando o corpo, mas continuando a ganhar dinheiro.
Percebe-se que Marte, mesmo em trígono exato ao Sol e ao Grande Trígono natais, não era capaz de lhe dar mais forças para vencer seus (cada vez mais jovens) adversários. Afinal, o pugilista tinha 39 anos. Vemos que o Nodo Norte chegava ao fim de um trânsito por sua casa XII, outro indicativo de que ele deveria ter parado muito tempo antes. Mas a conjunção de Marte com Netuno na II, ativando o Grande Trígono, revela que mais uma vez ele levava para casa um bom dinheiro. Muhammad Ali enfim encerrava a carreira profissional com 56 vitórias (37 nocautes) e cinco derrotas.
O Mal de Parkinson
A partir da década de oitenta Muhammad Ali começou a fazer viagens filantrópicas pelo mundo, primeiramente como enviado do governo e depois através de sua própria Fundação. Já em 1982 (no ano seguinte à aposentadoria) começou a sofrer os males de uma síndrome parkinsoniana, enfim diagnosticada em 1984. Rapidamente a doença afetou seus movimentos, o que resulta diretamente das pancadas que recebeu durante a carreira.
Em 1982, quando os sintomas de sua doença começaram a surgir, a conjunção entre Saturno e Plutão em Libra [27º Libra], na casa III, aplicou quadratura exata ao Sol de Ali na casa VI. Os efeitos de sua longeva carreira vinham em cascata, com as oposições de Saturno e Plutão a Marte natal e as quadraturas com Plutão natal. Com 40 anos recém completos, Ali parecia trinta anos mais velho.
Seguindo o rumo do conservadorismo norte-americano que se seguiu aos conturbados anos 60, Ali permaneceu junto ao establishment deixando para trás a imagem de rebelde e contestador, dedicando-se a sua fundação filantrópica.
Acendeu a pira olímpica na abertura das olimpíadas de Atlanta, em 1996, e foi eleito o “esportista do século” pela Sports Illustrated em 1999.
Como pudemos acompanhar, a complexa, vitoriosa e ao mesmo tempo trágica biografia de Muhammad Ali é um perfeito estudo de caso para análises astrológicas que envolvam aspectos da formação e da vida pessoal dos indivíduos com fatos históricos e sociais, unindo num mesmo prisma as astrologias psicológica e mundial.
Nota do Editor: Muhammad Ali faleceu em 4 de junho de 2016, aos 74 anos, após uma batalha de 32 anos contra o Mal de Parkinson. Em seus últimos anos de vida, já esquecidas as divergências dos anos sessenta, tornara-se um mito do esporte americano, reverenciado pelo país inteiro.
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Um trabalho excepcional, Dimitri!
Congratulações!