O grande terremoto de
Lisboa
Philosophes trompés qui criez: "Tout
est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés.
Filósofos equivocados
que bradais: "Está tudo bem",
Acorrei, contemplai estas ruínas assustadoras,
Estes restos, estes despojos, estas cinzas infelizes,
Estas mulheres, estas crianças empilhadas umas sobre
as outras,
Os membros dispersos sob os mármores quebrados.
(fragmento do Poeme sur le desastre de Lisbonne,
escrito pelo filósofo Voltaire em 1756)
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O grande terremoto de Lisboa, com magnitude de 9,0
na escala Richter, iniciou-se com um tremor surdo e destrutivo,
pontualmente às 9h40 da manhã (hora local) do dia
1° de novembro de 1755. Logo depois veio o choque maior, que
em questão de segundos transformou a capital portuguesa num
monte de ruínas.
O epicentro do terremoto foi em algum lugar no fundo
do oceano, ao largo da costa portuguesa. Mais que terremoto, foi
um maremoto. Assim, enquanto a cidade sentia os efeitos das ondas
de acomodações geológicas em profundidade,
sofria também com tsunamis que varriam toda a costa do país.
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Sir Charles Lyell, autor de The Principles
of Geology |
Tudo começou, conforme o relato de Sir Charles
Lyell, em sua clássica obra The Principles of Geology
(1830), quando se ouviu um som como se fosse o de um "trovão
subterrâneo". Imediatamente a seguir, um violento choque
pôs abaixo a maior parte daquela cidade. Nos primeiros sessenta
segundos após o terremoto aproximadamente mil pessoas já
haviam perecido. O mar primeiro recuou, deixando seca a orla litorânea.
Em seguida, avançou de repente, elevando-se "mais de
cinqüenta pés acima de seu nível costumeiro"
e tragando tudo o que encontrava pela frente.
O terremoto aconteceu num dia santificado (o feriado
de Todos os Santos), quando a maioria dos 250 mil habitantes de
Lisboa lotava as igrejas e conventos, fato que tornou ainda mais
terrível a extensão do desastre. O choque do terremoto
foi seguido pela queda quase imediata de igrejas e conventos lotadas
de fiéis, além de quase todos os edifícios
públicos de Lisboa e mais de um quarto das construções
residenciais. O que se manteve de pé não teria destino
melhor: duas horas depois do primeiro abalo, focos de incêndio
ardiam por toda parte, e com tal violência que se estenderam
por mais três dias, destruindo quase tudo o que ainda restava.
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Uma ilustração
de Lisboa publicada dois anos após o terremoto: J. P.
Le Bas, Praça da Patriarcal après le tremblement
de terre de 1755, in Recueil des plus belles ruines de Lisbonne,
Paris, 1757 |
Uma enciclopédia americana de 1831 descreve
o terremoto com palavras eloqüentes: "O terror de povo
estava além de qualquer descrição. Ninguém
chorou; o sofrimento estava além das lágrimas. O povo
corria em todas as direções, delirante de horror e
assombro, batendo nos próprios rostos e peitos, a chorar
e a gritar: 'Misericórdia! É o fim do mundo!' As mães
esqueceram-se de suas crianças, e corriam carregando crucifixos.
Infelizmente, muita gente correu às igrejas para pedir proteção,
mas era em vão que se expunha o sacramento: imagens, sacerdotes,
e as pessoas foram enterrados em uma ruína comum."
Como decorrência do terremoto, do maremoto
e dos incêndios, morreram em Portugal aproximadamente 60 mil
pessoas, um terço delas apenas em Lisboa, onde cenas terríveis
se repetiam por toda parte. A cidade tinha um novo cais todo revestido
de mármore, obra suntuosa e cara. Muitos lisboetas que sobreviveram
ao primeiro choque, crendo que estariam mais seguros em campo aberto,
correram para o novo cais, onde pensavam escapar dos desabamentos
e das chamas. Todavia, repentinamente o cais afundou no mar e as
fendas abertas no chão tragaram toda a multidão ali
refugiada. Nenhum corpo jamais voltou à superfície.
Tsunamis varreram toda a região em torno,
atingindo as áreas costeiras da França e matando 10
mil pessoas no litoral do Marrocos. Ondas de terremotos e tsunamis
se espraiaram por regiões longínquas, a ponto de se
fazerem sentir na Groenlândia e nas ilhas do Caribe. Ondas
gigantescas provocaram destruição em praias espanholas
e no porto de Cádis. O terremoto destruiu também uma
parte considerável de Argel, no norte da África, e
foi sentido na Noruega e na Suécia, sem falar na Ilha da
Madeira e nos Açores, em pleno Atlântico.
O mapa do terremoto de Lisboa mostra Plutão,
planeta significador de fenômenos coletivos acima do controle
humano e de perdas repentinas, colado ao Ascendente, em Sagitário.
Plutão rege Escorpião na casa 12 - algo incontrolável,
que vem das profundezas, que tem origem desconhecida e chega sem
se fazer notar. O regente do Ascendente é Júpiter,
colado no Meio-Céu e também em conjunção
com a Lua. Um Júpiter em tal situação, num
signo refinado como Libra e na posição mais destacada
da carta, não parece sugerir um evento destrutivo. Contudo,
o dispositor de Libra, Vênus, encontra-se em exílio
em Escorpião (signo de Marte e Plutão) e em quadratura
com Netuno, o planeta das profundezas oceânicas. Netuno está
na casa 8, tradicionalmente associada à morte. O regente
desta mesma 8 é a Lua, que aparece, como vimos, junto ao
Meio-Céu e a Júpiter.
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Terremoto de Lisboa em 1755 - Primeiro tremor
- 1° de novembro de 1755, 9h40 LMT - Lisboa, Portugal -
38n43, 09w08. |
Portanto, os regentes dos dois principais pontos
da carta - o Ascendente e o Meio-Céu, Júpiter e Vênus
- estão indissoluvelmente ligados, nesta carta a significadores
de morte e destruição - Plutão, Netuno, casas
8 e 12. É a transformação súbita e impiedosa
que alcança um dos maiores centros de civilização
na Europa. O Júpiter no Meio-Céu do mapa do terremoto
parece dizer exatamente isso: uma capital orgulhosa e aristocrática,
acostumada a séculos de poder e domínio, chegara a
seu momento decisivo. Como afirma o ditado popular, quanto maior
a altura, maior a queda.
Dois maremotos e os mesmos
significadores
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