O território do que é hoje o estado do Paraná começou a ser explorado ainda no século XVI. Em meados do século XVII a vila de Paranaguá já estava constituída sob a liderança de Gabriel de Lara. Serra acima, onde é hoje o bairro curitibano do Atuba, mineradores pioneiros exploravam uma pequena reserva de ouro. Alguns quilômetros dali, grandes proprietários cultivavam a terra, sendo o maior deles um certo Matheus Leme, chamado por seus contemporâneos de “o possante de peças” (proprietário de muitos escravos). A turbulência daquele mundo de pioneiros e os constantes atritos entre agricultores e mineradores já havia levado à instalação de um pelourinho, em 1648. Mas ainda era pouco: o poderoso Matheus Leme desejava mais autonomia.
Na época, um povoado só alcançava a condição de vila quando seus homens bons, em número mínimo de trinta, recebiam autorização dos representantes da coroa para instalar uma câmara municipal e eleger representantes para os cargos públicos. Isso já acontecera em Paranaguá há quase cinquenta anos. Para além da serra do Mar, a população crescera e três arraiais espalhavam-se no planalto banhado pelos afluentes do rio Iguaçu. Contudo, toda a região continuava dependente de Paranaguá.
Matheus Leme, após a instalação do pelourinho, solicitara autorização por duas vezes a Gabriel de Lara para promover a criação da vila, mas parecia que o Capitão-Mor e Ouvidor de Paranaguá decidira fazer ouvidos de mercador. Em 1692, porém, a morte de Lara faz com que o posto de Capitão-Mor passe a ser ocupado por Francisco da Silva Magalhães. Os homens mais influentes do arraial do planalto, já conhecido genericamente pelo nome de Pinhais, sentem que a hora é chegada. Escreve-se uma petição. O capitão povoador Matheus Leme é novamente instado a representá-los. A resposta de Leme é curta e objetiva: “Junte-se o povo. Deferirei o que pedem. Pinhais, 24 de março de 1693.”
O dia da fundação
A assembleia aconteceu em 29 de março de 1693, cinco dias depois de Matheus Leme responder a petição apresentada por seus concidadãos. Era um domingo, dia em que os homens normalmente já se deslocavam para assistir a missa na pequena capela de taipa então existente no local onde é hoje o Largo da Ordem. Não se sabe a que horas a assembleia foi iniciada, nem quanto tempo durou. O mais provável é que tenha ocorrido logo após a missa da manhã e que tenha durado não menos que duas horas.
A burocracia da administração portuguesa era complicada, e a eleição de uma câmara municipal exigia todo um ritual de procedimentos com os quais aqueles homens não deveriam estar devidamente familiarizados. Outro problema que pode ser levantado – este especificamente de ordem astrológica – é que momento considerar como marco da fundação de Curitiba: o do início da assembleia ou o da proclamação dos resultados. Ficamos com a última hipótese, já que, quando a assembleia começou, a autonomia da nova vila era ainda um projeto. Tornou-se realidade no momento em que foram empossados seus primeiros administradores.
Para adotarmos uma atitude bem cautelosa, comecemos por considerar que todos os horários entre 7h e 12h são possíveis. Dentro desses limites de tempo, três signos cruzaram a linha do horizonte, oferecendo as alternativas de um Ascendente Áries, Touro ou Gêmeos.
O Ascendente, no mapa de uma cidade, indica seu jeito de ser, expressando um padrão coletivo que tende a ser imperceptivelmente assimilado pelos habitantes. O Ascendente é o que se revela à primeira vista, é a cara da comunidade – aí incluídos a aparência do espaço urbano e o comportamento evidenciado pela população. Interferem na manifestação do Ascendente o signo ali presente, os planetas situados na casa 1 (mesmo que em outro signo), o posicionamento do regente do Ascendente e dos dispositores do regente e dos ocupantes da casa 1. O resultado é um conjunto multifacetado, que pode expressar a conjugação de características de vários signos e planetas.
Trataremos agora de averiguar todas as hipóteses, em busca do mapa que melhor se adeque a uma descrição astrológica de Curitiba.
A hipótese do Ascendente Áries
Se a fundação ocorreu antes das 7h43, o Ascendente é Áries. Sol e Mercúrio, também em Áries, estariam na casa 12. O regente do Ascendente seria Marte em Peixes, na casa 11, formando quadratura com Urano na 2.
Cidades com Ascendente em Áries não são normalmente bonitas. E, quando são bonitas, não são repousantes. Em vez de tranquilidade, transmitem energia, pioneirismo, pressa, movimento. Podem ser ativos centros industriais, como São Paulo, no Brasil, ou como Birmingham, no Alabama, uma das cidades mais industrializadas do sul dos Estados Unidos, contando com grande número de siderúrgicas; podem ser centros universitários, como Cambridge, em Massachusetts, onde a Universidade de Harvard dá um tom adolescente à rotina local.
Curitiba é uma cidade essencialmente ariana, já que Sol e Mercúrio encontram-se neste signo. Contudo, não transmite à primeira vista a natureza expansiva, direta e energética deste signo de Fogo. Se Marte fosse regente do Ascendente, sua quadratura com Urano daria à cidade um tom nervoso, elétrico, e aos seus habitantes um jeito de ser ríspido e explosivo. Teríamos um trânsito indisciplinado e caótico e uma forma de lidar com o dinheiro absolutamente temerária (segurança financeira não combina com Urano na 2).
Esta carta, além de parecer completamente inadequada, é muito improvável do ponto de vista histórico, já que dificilmente seria possível realizar uma missa e logo em seguida uma assembleia, tudo antes das 7h43 da manhã. Deixemos Áries de lado e vamos analisar o outro extremo: Gêmeos.
O dia da fundação: Ascendente Gêmeos?
Se a fundação ocorreu após as 10h01, o Ascendente é Gêmeos. Cidades com este Ascendente normalmente são alegres, movimentadas, extrovertidas e, de alguma forma, apresentam elementos de duplicidade. O Brasil está cheio de exemplos assim, como o Rio de Janeiro (que teve duas fundações, na Urca e no Morro do Castelo, e que costuma ser considerada uma cidade dividida, pela oposição entre “asfalto” e “favela”), Salvador (que tem a Cidade Alta e a Cidade Baixa) e Brasília (uma cidade “espelhada”, em que as Asas Norte e Sul duplicam o mesmo padrão urbanístico e arquitetônico).
Já dissemos que o Ascendente Gêmeos e o consequente Meio do Céu em Peixes correspondem no Brasil à herança colonial portuguesa. São as cidades que, no passado, sediaram a administração colonial ou que, no presente, expressam a continuidade de um modelo de gestão calcado em valores europeus (Peixes no Meio do Céu). Em todas elas, o misticismo desempenha papel importante, e a população se distribui por pelo menos duas religiões com forte presença na vida local (além do Catolicismo, verifica-se a presença das seitas evangélicas e cultos afro no Rio e em Salvador e de inúmeras seitas espiritualistas em Brasília, outra característica de Peixes no Meio do Céu). O jeito coletivo de ser privilegia o tipo comunicativo, gregário, tagarela, gesticulador, inquieto e de corpo flexível: é a “ginga” carioca e baiana e é também a disposição brasiliense para a fofoca política.
Tagarelice? Inquietação corporal? Ginga? Nada disso parece ser o traço dominante do comportamento curitibano. Não é difícil descartar a hipótese de um Ascendente Gêmeos e partir imediatamente para a seguinte.
A hipótese Touro
Se Curitiba foi fundada entre 7h44 e 10h01, o Ascendente é Touro, o mesmo de Saint Louis, no Missouri, de Cusco, no Peru, e de Cartagena, na Colômbia. Saint Louis é considerada uma cidade conservadora, de gente prática e desconfiada, apesar de hospitaleira. Já Cusco e Cartagena destacam-se pela beleza e antiguidade de seus conjuntos arquitetônicos. Todas apresentam em comum um certo ar de solidez, tradicionalismo e resistência a mudanças. Todas apresentam algo de grandioso em suas edificações, se bem que nenhuma se destaque pela altura dos arranha-céus (Touro prefere construções baixas, perto do chão). Saint Louis, por exemplo, construiu um enorme arco para simbolizar seu papel de porta de entrada para o oeste americano, da mesma forma como Curitiba também tem portais decorativos para demarcar a entrada de bairros etnicamente diferenciados, como Santa Felicidade.
Touro, assim como Capricórnio, tem relação direta com a arquitetura. Saturno rege as estruturas mais despojadas, enquanto a Vênus taurina responde pelas construções pesadas, sólidas, suntuosas e profusamente decoradas. Um passeio pelas ruas de Curitiba revelará de imediato este gosto taurino nos enormes restaurantes de Santa Felicidade, nas velhas mansões do Batel, nos bairros inteiros só de casas residenciais, nos sólidos edifícios administrativos do Centro Cívico, nos exageros decorativos do Palácio Avenida e do Museu Paranaense, na maciça grandiosidade do velho prédio da UFPR e do Teatro Guaíra.
Mesmo as construções modernas, como a grande cúpula do Jardim Botânico ou os edifícios da Martin Afonso, não transmitem a leveza que se poderia esperar de estruturas de vidro e aço: a impressão que prevalece é de estabilidade. Curitiba é uma cidade ao nível do chão, nem acima, nem abaixo dele: quase não há viadutos ou vias elevadas, e os túneis e passagens subterrâneas também são coisa rara.
Já o jeito de ser dos nativos aponta imediatamente para características taurinas: o senso prático, o gosto pelo conforto e pela comida farta, o conservadorismo, a cautela no trato com estranhos, o materialismo, a supervalorização da aparência física (curitibanos vestem-se com mais cuidado e apuro do que moradores de outras capitais, exceto, talvez, Porto Alegre), o forte sentido estético, a natureza aquisitiva, o comportamento disciplinado em locais públicos, a discreta sensualidade. Como nenhum planeta da carta está em Touro, só a presença deste signo no Ascendente poderia explicar algumas peculiaridades do comportamento curitibano.
As marcas taurinas de Curitiba
Se uma empresa imobiliária do Rio de Janeiro anunciasse apartamentos com um “padrão carioca de qualidade”, a reação dos possíveis compradores seria de desconfiança ou de pura galhofa. Já na capital paranaense, os anúncios de imóveis com “padrão Curitiba de qualidade” são relativamente comuns. Morar bem é uma obsessão local, e a metragem média de casas e apartamentos é de fazer inveja aos habitantes da maioria das outras metrópoles brasileiras. E não se trata apenas de tamanho, mas também da atenção à qualidade do material, do acabamento e da decoração. O gosto, naturalmente, é um tanto conservador, privilegiando o conforto.
Contudo, é na hora de comer que a natureza taurina melhor se revela. Ao contrário de cidades como Rio e Belo Horizonte, onde ir a um bar ou restaurante é antes de tudo pretexto para um bom bate-papo, em Curitiba o mais comum é que a chegada do prato principal provoque na mesa uma pausa súbita e respeitosa. Come-se lentamente e com prazer. Em Curitiba está o segundo maior restaurante do mundo, onde, aliás, foi batido um estranho recorde registrado no Guiness: o de maior quantidade de pratos carregados simultaneamente por um único garçom!
Outro traço característico é a economia de movimentos. O corpo em repouso, solidamente fixado ao chão, é uma marca registrada de Touro. Em São Paulo, uma escada rolante é apenas uma facilidade para chegar-se mais rápido ao outro pavimento. Para o paulistano, parar descansadamente numa escada rolante é quase impossível, pois sempre haverá alguém atrás grunhindo um pedido de licença e abrindo caminho. Em Curitiba, caminha-se quando é preciso caminhar. Nos momentos de parada, o corpo relaxa e aguarda pacientemente a abertura do semáforo (ou das portas do ligeirinho na estação-tubo). Nada que lembre a pressa paulistana, ou o alegre desperdício de movimentos do carioca .
Outra característica notável é a mudez, também significada por Touro. Curitibanos não têm a compulsão de comunicar-se a qualquer custo quando diante de estranhos. Filas de banco, terminais rodoviários e salas de espera de casas de espetáculo são mais silenciosas do que o normal em cidades brasileiras. Isso talvez contribua para que Curitiba seja considerada por visitantes como uma cidade de “gente fechada”. Na verdade, é uma cidade “muda”, onde, taurinamente, fala-se em público apenas quando há motivos para falar.
Durante alguns anos, as mulheres curitibanas cultivaram um estranho modismo, praticamente ausente no restante do país: o topete. No início dos anos noventa, muitas o ostentavam, incluindo meninas em idade escolar. Topetes naturais ou produzidos, cabelos com redemoinhos ou mechas que insistem em cair sobre a testa são muito comuns em indivíduos com Ascendente Touro.
A capital paranaense tem uma das maiores médias no Brasil de metros quadrados de área verde por habitante. Só perde para cidades como Brasília, Goiânia e Maringá, todas muito mais jovens e planejadas. Esta valorização do verde, consubstanciada na profusão de parques e reservas ecológicas, também remete a Touro, signo da natureza e dos “pés no chão” (Brasília, aliás, tem seu Sol em Touro). E mais: Curitiba é também a única capital brasileira na lista das dez metrópoles mais sustentáveis do mundo. Sustentabilidade é um conceito totalmente taurino!
Outra evidência reveladora: as grandes empresas, as companhias teatrais e as agências de publicidade costumam usar o mercado curitibano como teste para seus novos produtos. A regra é: “se deu certo em Curitiba, dará em qualquer lugar”. Touro é um signo com padrões de consumo extremamente exigentes. Seu regente é Vênus, planeta do senso de valor. O mercado curitibano tem bastante feeling para identificar bons e maus lançamentos, resistindo a mudanças que não sejam ditadas pela qualidade intrínseca do produto ou por boas razões de economia.
Por todas essas razões, ficamos com um Ascendente Touro. Resta saber que grau deste signo cruzava o horizonte no momento da fundação.
Urano, Júpiter e imigrantes europeus
Sabe-se que um planeta presente numa casa tende a manifestar-se com maior força do que o regente da mesma casa, desde que este esteja ausente. Qualquer planeta na casa 1 pode modificar a manifestação do Ascendente, agregando novos conteúdos. Com o Ascendente de Curitiba entre o primeiro e o oitavo grau de Touro, a casa 1 estaria vazia. Entre o nono e o décimo-quinto, Urano em Gêmeos já estaria na 1, mas ainda muito próximo da cúspide da 2 e, portanto, atuando nesta com mais força.
Quanto mais nos aproximamos do horário das 10h, mais Urano estará próximo ao Ascendente, sendo que, até às 9h38, tal planeta regeria também o Meio do Céu, em Aquário. A partir das 9h52, encontramos a distribuição que nos parece a mais correta para a descrição astrológica de Curitiba: a cúspide da casa 1 nos últimos graus de Touro e Urano na 1, em conjunção aberta com o Ascendente e regendo a casa 9.
O que diferencia Curitiba e dá-lhe uma identidade própria é a massa de imigrantes chegada nas últimas décadas do século XIX. Os personagens são conhecidos – existem alemães, como em Blumenau, italianos, como em Caxias do Sul, e japoneses, como em São Paulo – mas a síntese é única, já que nenhuma outra grande cidade brasileira apresenta ao mesmo tempo um tão forte contingente de italianos, alemães, poloneses, ucranianos e japoneses (sem falar em outras minorias). A presença do regente da casa 9 (estrangeiros, imigrantes) no Ascendente (identidade, jeito de ser) é bastante precisa ao descrever este quadro.
Urano está em quadratura com Marte, planeta mais próximo do Meio do Céu, o que mostra um conflito entre as origens bandeirantes e a nova realidade demográfica surgida no século passado. Considerando os trânsitos de planetas lentos, verifica-se que os anos oitenta do século XIX foram marcados pela passagem de Plutão nos últimos graus de Touro (o Ascendente), um índice claro de transformação urbana e da emergência de um novo jeito de ser, que se consolidaria ao longo das décadas seguintes.
Júpiter, regente da 8 (Sagitário) e corregente da 10 (Peixes), também está na 1, em Gêmeos. Este planeta é o significador essencial das grandes viagens e dos imigrantes. Exilado em Gêmeos, expressa bem o caráter da imigração: um movimento feito pelos que vieram da Europa e da Ásia na condição de excluídos sociais, vítimas do desemprego e da instabilidade político-econômica (Júpiter está em oposição a Saturno em Sagitário, indicando privações).
A vocação de Curitiba para transformar-se num caldeirão étnico harmonioso – se bem que não totalmente isento de tensões – é simbolizada pela conjunção de Vênus, regente do Ascendente, a Netuno em Peixes, na 10, formando quadraturas com Júpiter na 1 e Saturno na 7. Netuno é um símbolo de processos de dissolução e de indiferenciação, mostrando que a vocação (casa 10) da cidade é realmente fundir todas as contribuições étnicas numa cultura de síntese, resolvendo aos poucos as contradições sociais e as eventuais manifestações de separatividade (oposição Júpiter-Saturno no eixo 1-7). Trata-se de um processo ainda em andamento, e que se completará aos poucos sob o comando dissolvente e invisível do planeta das águas oceânicas.
Nossa conclusão é, pois, de que Curitiba nasceu entre 9h52 e 10h01 (hora local) da manhã de domingo, 29 de março de 1693. Para que se confirme, é preciso que todo o mapa responda inequivocamente à sucessão de trânsitos e progressões que se seguiram à fundação. É o que veremos em artigo próximo.