Março de 1992: comovida, a Bahia acompanha a lenta agonia daquela que fora uma de suas maiores mães. Internada com problemas respiratórios desde 11 de novembro de 1990, seu sofrimento alcançava já dezesseis meses e só seria encerrado em 13 de março. Nesta data, às 16h45, a protetora incansável dos carentes e dos enfermos, Irmã Dulce, falecia no Convento Santo Antônio, aos 77 anos.
Os noticiários noturnos da TV e as edições de todos os jornais brasileiros, no dia seguinte, dedicaram um grande espaço para lembrar a pequenina figura da freira corajosa que, a partir de quase nada, desenvolvera uma das mais impressionantes obras brasileiras de assistência social.
A freira que abria cinemas e invadia galinheiros
Irmã Dulce, ou Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, nasceu em 26 de maio de 1914, na Rua São José de Baixo, em Salvador. Em 1927, aos treze anos, manifesta pela primeira vez a vontade de entrar para o convento, iniciando a vocação religiosa. Na época, a família morava na Rua Independência, 61, e a menina Maria Rita, já colocando em prática o que seria a motivação maior de sua vida, fazia o atendimento de carentes em sua própria casa. Em 8 de fevereiro de 1933, dois meses após receber o diploma de professora pela Escola Normal da Bahia, ingressa na Congregação da Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, do Convento de São Cristóvão, em Sergipe. Em agosto do ano seguinte, toma os votos de profissão de fé religiosa e recebe o nome de Irmã Dulce, em homenagem à mãe. Volta para Salvador, onde trabalha como enfermeira voluntária no Sanatório Espanhol e faz um curso de Prática de Farmácia. Em seguida, ingressa no magistério e passa a lecionar geografia, mas logo demonstra não ter vocação para professora. Deixa de lecionar e vai para as ruas, onde exercerá, continuamente a partir de 1935, um intenso trabalho social. É neste ano que funda a União Operária São Francisco.
A dominante mercuriana, associada ao fato de que seis planetas estão no elemento Ar, descreve Irmã Dulce como uma pessoa apta para conectar ideias e pessoas, desdobrando e articulando conceitos com vistas a mobilizar adesões e agregar recursos. Mercúrio também explica o interesse da religiosa pela educação fundamental, consubstanciada na abertura de um colégio público para a comunidade operária.
Rapidamente, Irmã Dulce começa a dar provas de iniciativa e criatividade: com poucos recursos para tocar o trabalho assistencial, desenvolve uma campanha de doações para a abertura de três cinemas, o Roma, o Plataforma e o São Caetano. É com a receita dessas casas de espetáculo que manterá as atividades do Círculo Operário da Bahia, que funda em 10 de janeiro de 1937.
Dois anos mais tarde, em 1° de maio de 1939 – data do verdadeiro aniversário da fundação da cidade – Irmã Dulce já está inaugurando um colégio público no bairro da Massaranduba, para operários e filhos de operários. A religiosa era então ainda uma jovem freira às vésperas de completar 25 anos. Nesta mesma época, começa a abrigar seus doentes em casas arrombadas, no Mercado do Peixe, até conseguir, alguns anos depois, autorização da Madre Superiora do Convento das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição para transformar o galinheiro da instituição em um albergue. Ali, instala de imediato setenta doentes. É a origem do Albergue Santo Antônio, que inaugurará em 1960 com 150 leitos, e do hospital do mesmo nome, cujas novas instalações, abertas em 1983, já podiam comportar 400 enfermos.
Sol em Gêmeos, Ascendente em Virgem: a santa que manejava a palavra
O horário costumeiramente aceito para Irmã Dulce é de 12h LMT, mas Alexey Dodsworth informa que sua bisavó, madrinha da religiosa baiana, insistia que o nascimento havia ocorrido “uns 15 a 20 minutos antes dos sinos do meio-dia tocarem”. Com base na informação, o horário que utilizamos foi o de 11h40 LMT, com o Ascendente no início de Virgem. A carta daí resultante apresenta uma concentração de cinco planetas em Gêmeos na casa 10 (o Sol está tecnicamente na casa 9, mas em conjunção bastante fechada com o Meio do Céu). Gêmeos é signo da palavra e dos processos de comunicação, sintetizando o maior recurso desta grande baiana: a capacidade de verbalizar, traduzir, persuadir e convencer.
Se considerarmos o esquema clássico, com Saturno regendo Aquário, Mercúrio será o dispositor final da carta, controlando diretamente o Sol, a Lua e Saturno em Gêmeos e, indiretamente, todos os demais planetas.
Se adotarmos o moderno esquema de regências, Urano aparece domiciliado em Aquário e dispondo de Júpiter. Urano é ainda o planeta guia da carta, ou seja, aquele que “puxa” os outros planetas no sentido horário, sendo o primeiro a surgir no horizonte e o primeiro a desaparecer no Descendente no transcorrer do dia. Como Urano está na 6, dá a esta casa, significadora do trabalho duro e rotineiro, uma importância fundamental.
Urano em Aquário em oposição a Marte em Leão – a única oposição da carta, aliás – revela muito dos métodos anticonvencionais desta mulher audaciosa, que não recuou ante a perspectiva de ocupar imóveis ilegalmente para abrigar doentes. É um aspecto de iniciativa rápida e que não respeita limites convencionais. Indica também uma disposição para correr riscos, um temperamento inquieto e que busca desafios voluntariamente. Contatos tensos Marte-Urano aparecem com frequência, por exemplo, em pilotos de Fórmula-1 ou em praticantes de esportes radicais. O esporte radical de Irmã Dulce foi sacudir a inércia da sociedade baiana, chamando a atenção para os graves problemas sociais que afligiam a cidade (Marte na casa 12).
Marte em Leão é o índice também da ação em grande escala, do empreendimento feito para aparecer e brilhar. Leão é um signo associado ao entretenimento, e a oposição Marte-Urano, com este último planeta também em trígono com Mercúrio, é compatível com a inusitada idéia de sustentar projetos sociais com a receita de sessões de cinema.
O episódio da ocupação do galinheiro do convento (cujas primeiras moradoras, as galinhas, foram devidamente transformadas em canja para os doentes) tem um sentido simbólico bastante visível: Irmã Dulce tinha Vênus em conjunção quase exata a Plutão, no primeiro grau de Câncer. É um aspecto que relaciona o planeta da intensidade e do controle ao princípio feminino em seu aspecto maternal (Vênus em Câncer, signo lunar). É o aspecto da Grande Mãe, que cuida de seus filhos com o desvelo ciumento de uma galinha a abrigar pintinhos sob a asa. Netuno, também em Câncer, remete à idéia da mãe idealista ou idealizada – ou ainda da mãe substituta.
Irmã Dulce: promoter, administradora e mãe da Bahia
Mas Irmã Dulce foi mais do que uma promotora de ações sociais: foi também – e principalmente – uma administradora capaz de corporificar seus projetos, dotando-os de materialidade, visibilidade e durabilidade. Responde por isso a conjunção Saturno-Mercúrio-Lua na casa 10, da carreira e da vida pública, sendo que Saturno rege a casa 6, do trabalho cotidiano. Some-se a isso o Ascendente em Virgem e o Sol no Meio do Céu, e temos o retrato de Dulce como uma líder que se destacava pela capacidade de organização e método. Mercúrio-Saturno é um aspecto que reúne valores de pensamento lógico, estruturado e consequente. Indica capacidade de previsão e disposição construtiva. É significativo também que Mercúrio, regente do Ascendente, do Meio do Céu e dispositor final da carta, esteja em conjunção exatamente com Saturno, significador genérico de restrições, obstáculos, condições difíceis e carência de recursos. Desde cedo, Irmã Dulce identificou no cuidado aos que viviam na miséria absoluta sua missão de vida, e Saturno, aqui, é um símbolo adequado para isso.
Em 7 de julho de 1980, Irmã Dulce tem seu primeiro encontro com o Papa João Paulo II. As progressões secundárias para a data do encontro com o Papa mostram Urano no Fundo do Céu, configuração bastante provável para indicar um momento de mexida e arejamento nas bases de atuação da religiosa. Menos de um ano depois, é criada a Fundação Irmã Dulce e, em mais dois anos, ocorreu a ampliação das instalações do Albergue Santo Antônio. O encontro com o Papa não foi decisivo, mas certamente contribuiu muito para atrair apoios para as obras sociais e facilitar sua expansão.
Com tantos planetas em Gêmeos, signo comunicativo, e na casa 10, das atividades públicas, Irmã Dulce não nascera para ficar escondida. Seu destino não era a intimidade do lar, mas o contato com as multidões (a Lua também está na casa 10). Além do mais, o Ascendente é Virgem, signo de prestação de serviços, e há um certo destaque para a casa 6, das classes trabalhadoras, a que a freira tanto se dedicou. O mapa de Dulce apresenta ainda uma conjunção Plutão-Vênus junto à cúspide da casa 11, dos projetos sociais e organizações humanitárias. O aspecto tanto remete à incrível energia desta religiosa incansável quanto revela o toque de simpatia pessoal que lhe permitiu transgredir normas sem despertar grandes resistências.
Em maio de 1988, o então presidente da República José Sarney indicou Irmã Dulce para o Prêmio Nobel da Paz. Com a Lua progredida em quadratura com o Saturno natal da religiosa, a candidatura não prosperou, valendo apenas como um tributo de reconhecimento a uma das grandes mães espirituais da Bahia.
Em 13 de outubro de 2019 foi canonizada em Roma pelo Papa Francisco. Recebeu o nome de Santa Dulce dos Pobres.
Valdemar diz
O interessante é que ela sofreu com problemas respiratórios que acabaram por levá-la à morte. Vias respiratórias é bem da alçada de Mercúrio, né isso? E Mercúrio está conjunto a Saturno, o que já sugeria algum problema ou limitação nesse sentido. Concorda comigo? 🤔