Ter uma gorda conta bancária sempre é ótimo, além de ser algo que sempre ajuda um bocado numa sociedade como a nossa, movida a talões de cheque. Contudo – e não se trata apenas de filosofia barata – ser feliz não depende única e exclusivamente da quantidade de posses. Na vida profissional a satisfação com aquilo que se faz também é muito importante, pois os resultados sociais daquilo que desempenhamos irão, com certeza, repercutir em nossa vida pessoal.
A vida profissional não está, como muita gente acredita, dissociada da vida pessoal. Ela integra um conjunto facilmente visível no mapa astrológico e que não pode ser separado ou “desligado” quando não estamos no ambiente da empresa. Simplesmente faz parte, assim como o fígado e os intestinos fazem parte do organismo. Se esses órgãos forem removidos sem substituição adequada, o sistema inteiro desaparece.
A vida profissional e o preenchimento de uma vocação fazem parte de nossa identidade, especialmente na cultura brasileira, onde, quando somos apresentados a desconhecidos, citam nosso nome e o que fazemos. As denominações profissionais possuem tanta importância que, desde tempos imemoriais, muitos sobrenomes derivam de ocupações. É o caso de Taylor (alfaiate), Farmer (fazendeiro), Evangelista (pregador do evangelho), Cavalcanti (cavalgador ou criador de cavalos) etc. Hoje em dia, se não somos “alguma-coisa-profissional”, somos “ninguém”, tal a importância que se dá hoje a uma ocupação.
Um ponto óbvio, mas importante: hoje, a esmagadora maioria da população trabalha. Contudo, por muitos séculos trabalhar foi considerado uma atividade indigna, vil, coisa que somente “pessoas de classe inferior” ou escravos deveriam fazer. No Brasil do século XIX, quando Irineu Evangelista de Souza, o futuro Visconde de Mauá, tinha menos de 10 anos de idade e ainda era um caixeiro (uma espécie de office boy da época), trabalhar era uma espécie de tabu. As pessoas de “classe” não trabalhavam, isso era coisa de escravos. Os outros caixeiros faziam o possível para que não fossem vistos realizando esforços físicos, o que os igualaria aos escravos de que tanto queriam diferenciar-se. Para as pessoas daquela época, o “chique” era ter alguém que fizesse as coisas por elas.
Trabalho, Saturno e casa 6
Tanto no Brasil quanto em várias partes do mundo, e em diferentes épocas, o trabalho, cuja etimologia vem de tripalium (instrumento de tortura composto de três paus), sempre deu a ideia de sofrimento. Trabal, em latim, significa trave, sugere obstáculo, impedimento, o que também remete a uma analogia com o símbolo de Saturno em suas facetas menos favoráveis. Podemos notar que desempenhar uma atividade como trabalho sempre foi considerado um infortúnio. Para constatá-lo em termos astrológicos, basta ver o significado que antigamente era dado aos significadores profissionais.
Na Idade Média, por exemplo, os adjetivos atribuídos à casa 6 e ao signo de Virgem eram os piores possíveis. A casa 6 era classificada como “desgraçada”, como “casa das doenças” e não como “a casa dos cuidados com a saúde e equilíbrio físico”. Era “desgraçada” porque revelava onde estavam os pontos fracos do corpo e riscos que poderiam fazer com que nossa “máquina” orgânica ficasse impossibilitada de produzir.
Não produzir alguma coisa, não servir ao nobre ou fidalgo poderia até acarretar castigos. No entanto, não raro a saúde ficava debilitada por causa da própria atividade insalubre que muitas pessoas desenvolviam para seus senhores. A casa 6 é a casa da vassalagem. O signo de Virgem está associado culturalmente àquele que se submete, àquele que obedece ordens por não ter outra alternativa, por precisar servir para obter sustento, por não ter nascido em berço de ouro e nem na nobreza. Virgem também está associado, em se tratando da tradição religiosa judaico-cristã, a “lavrar a terra de que Adão fora tomado”, a “ganhar o pão com o suor do próprio rosto”.
Enfim, tais conotações há milênios indicam sofrimentos e castigos, inclusive na relação da casa 6 com sua casa oposta, a casa 12. Ambas são análogas à condição de escravidão por dívidas, muito comum nas sociedades antigas, como em Esparta, Roma ou Assíria. Ainda hoje encontramos circunstâncias bastante simétricas ou análogas à condição de escravidão por dívidas em trabalhadores compelidos a excessos sobre-humanos ou eternamente vítimas do subemprego.
Podemos perceber o mesmo processo também quando ampliamos nossa visão para uma escala macro e entendemos que o Brasil, por exemplo, precisou pagar sua dívida externa (ou seria “dívida eterna”) a seus credores “FMIdalgos”. Em escala menor, isso ocorreu durante a chegada dos imigrantes europeus pouco antes e logo após a abolição da escravatura. Muitos imigrantes acabaram sendo forçados a trabalhar para saldar dívidas que jamais terminavam.
Júpiter e Saturno: da boa vida à gestão da escassez
Ainda guardamos, na linguagem ou na própria reação ao trabalho, uma certa rejeição, pois a “boa vida”, na percepção popular, continua sendo nada fazer ou viver sendo servido, sem fazer esforço. De uns tempos para cá, no entanto, isso tem mudado. Virgem tem assumido a conotação do “desejo de ser útil”, de produzir qualidade de vida, qualidade total. A ênfase na qualificação, além do aumento da produtividade pelo conhecimento técnico, visa também à preservação da saúde humana e do bom funcionamento do corpo e da mente. Tal proposta não pode ser considerada pouco nobre.
Capricórnio, signo que simboliza a hierarquia, a autoridade e os cumes de posicionamento social, também não ficou livre de preconceitos antitrabalho. Haja vista que Saturno, seu regente, símbolo de esforços e de modelos de estruturação, continua sendo considerado “maléfico” por muitos astrólogos modernos. Do ponto de vista medieval talvez sim, pois Saturno é análogo a toda sorte de impedimentos e enrijecimentos. Todavia, o ser humano tem muita facilidade para encontrar um bode expiatório em quem possa pôr a culpa pelos insucessos, a par de uma certa dificuldade para entender o valor de cada coisa na natureza.
Saturno também simboliza tudo o que nos permite formar alicerces fortes o suficiente para que algo realmente funcione. Durante e após uma época especialmente difícil e repleta de obstáculos, não raro nos forçamos a construir formas de compensação para nossas fraquezas. São essas compensações que nos levam às grandes realizações. Se não fossem as dificuldades, como poderíamos chegar à conclusão de que é preciso sair do estado em que estamos e evoluir?
Saturno também é significador simbólico de um processo de construção, mas não somente a construção, literalmente falando, de habitações ou obras públicas. A construção de recursos interiores, psicológicos, é tão importante quanto seus resultados práticos. Isso leva tempo e requer uma experiência empírica aliada à compreensão teórica. Saturno sempre é uma experiência acumulativa no tempo.
Júpiter e Saturno na casa 2
No que tange à posição de Júpiter na casa 2, a casa do acúmulo de recursos financeiros, é comum a curiosidade sobre a presença de tal combinação de atributos no mapa de pessoas ricas. Júpiter é considerado o planeta da abundância e da felicidade, da benevolência, da expansão, da territorialidade, da abrangência. Tanta abrangência que muitas vezes indivíduos predominantemente jupiterianos espalham-se sem cerimônia sobre o território alheio e impõem sua cultura sobre a “cultura primitiva” dos outros.
Logicamente que a maioria das pessoas com um mínimo de conhecimento de Astrologia entenderá que Júpiter na casa dos recursos financeiros é um elemento muito favorável, e que indivíduos com este posicionamento planetário tendem a enriquecer com muito mais facilidade que outros. Em boa parte dos casos isso até é verdade, mas cabe lembrar que Júpiter simboliza a expansão sem limites. Tal falta de limites é comum também nos gastos excessivos. Disso decorre que aquela posição “feliz” pode levar a um nível de consumo exagerado, sendo útil apenas para manter o indivíduo pessoalmente satisfeito, mas sem sobras que permitam prover o atendimento das necessidades de uma coletividade.
Júpiter na casa 2, se não houver outros indicadores de autocontrole, não tende a indicar um bom gerenciamento de recursos. Já Saturno situado na casa 2 é comumente associado às dificuldades de obtenção de posses e à avareza. Levando em conta que tais afirmações são em algum grau verdadeiras, é preciso, no entanto, entender que a posição de Saturno mostra onde o ser humano supercompensa uma fraqueza. Isso não é tão surpreendente quando vemos mapas de pessoas materialmente bem-sucedidas que foram aos poucos construindo seus recursos. Estes, por sua vez, tendem a ter longa duração, pois tais pessoas aprenderam a gerenciá-los.
O famoso industrial Henry Ford é um ótimo exemplo de um Saturno situado na casa 2 que aprendeu a construir uma sólida vida financeira administrando corretamente recursos escassos. Na História do Brasil temos a mesma posição de Saturno no mapa do Visconde de Mauá. Mauá morreu rico, apesar de ter sofrido todos os revezes que a política da época pôde criar para demovê-lo de suas “ousadias industriais”, como dizia o Visconde de Itaboraí, seu maior crítico.
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