Mishima e Homer Simpson no mesmo Clube da Luta
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Independência ou Harakiri

Yukio Mishima, celebrado escritor japonês, descendente de samurais, que cometeu suicídio ritual após o fracasso de uma tentativa de golpe de estado no Japão.
Batman teve um mestre: Mishima.
Certo dia de novembro de 1970, as dependências do Quartel das Forças Armadas de Tóquio foram invadidas por um grupo que tinha como líder um homem aparentando quarenta anos. Após dominar o comandante do quartel, leu para a tropa que se encontrava no local uma proclamação onde denunciava violentamente a ocidentalização, principal motivo, segundo ele, da decadência dos códigos de honra tradicionais do Japão.
Após a leitura, cometeu o gesto supremo da classe samurai: o harakiri. O líder do grupo invasor era o escritor Yukio Mishima.
Mishima nasceu em Tóquio, de família samurai, em 14 de janeiro de 1925. Formou-se em Direito e tornou-se um escritor de sucesso. Escreveu mais de doze romances, além de centenas de narrativas curtas e peças para o teatro Nô e Kabuki. Foi ator num filme de gângsters e gravou discos. Enfim, virou uma celebridade, inclusive nos EUA, quando esteve por lá.
Em seus romances focalizou principalmente a dissolução dos costumes tradicionais no Japão pós-guerra. Era um homem que refletia o que vivia. Com o seu suicídio, declarou guerra sozinho ao exército japonês e à cultura americana.
Ao ver o mapa do escritor de Sol e Aço, vemos a forte presença de Capricórnio, o signo da hierarquia e do culto a tradições. Como também Marte em Áries, o Guerreiro, em domicílio. Mishima era praticante de karatê e quinto dan em Kendô, a arte da espada samurai. Além de cultuar o corpo com halteres.
Ao casar o mapa dele com o dos EUA, teremos Plutão sobre o Sol dos EUA, e o Sol do samurai sobre Plutão americano. E também a oposição entre os Juízes, um em Câncer, outro em Capricórnio. Provavelmente, se Mishima tivesse um exército em suas mãos, declararia guerra aos EUA. De certa forma, fez isso com o seu gesto supremo.
Família Simpson: cerveja com rosquinhas
Outra evidência da despontencialização do homem na sociedade americana está no fenômeno da televisão americana desde os anos 1990: A Família Simpson. [De Tarzan a Homer Simpson — banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. NOLASCO, Sócrates. Ed. Rocco.]
Os Simpsons é um desenho que se tornou popular no mundo todo ao falar da vida da família tipicamente americana. Springfield é o nome da cidade na qual vive a família Simpson. Coincidência ou não, Springfield é também o nome da cidade que viu um de seus garotos armado de rifle matar colegas de classe, após assassinar seus pais.
O chefe de família é Homer J. Simpson, um americano típico: branco, protestante, barrigudo, heterossexual, pai dedicado e marido carinhoso. Segundo Sócrates Nolasco, “ser um pai dedicado e um marido carinhoso são características desejadas para o ‘novo homem’. O que este personagem aponta é que estas emergem de um sujeito fracassado”. Homer é inspetor de segurança em uma usina nuclear. Apesar da seriedade da função, é um bebedor compulsivo de cerveja e amante de rosquinhas, que o fazem distrair-se de suas atividades. Homer é caracterizado como preguiçoso e incompetente.
O dono da usina é Charles Burns, um ser desprezível, egoísta, frágil, desonesto e dono de uma fortuna incalculável. Tem ao seu lado um fiel ajudante gay que o ama.
O pai de Homer se chama Abraham Simpson. Foi abandonado pela esposa e por isso criou seu filho com muita dificuldade. Tem uma vida desregrada e vive abandonado num asilo.
Barney Gumble é o melhor amigo de Homer. Basicamente, o que se sabe dele é que é norueguês e alcoólatra.
Quanto aos vizinhos, há o Ned Flanders, um fanático religioso, e Ruth Power, uma mulher divorciada e desimpedida.
Há ainda outro homem adulto: o judeu polonês Krusty, o palhaço. Krusty é um jogador nato, analfabeto e mau-cárater. É o ídolo de Bart Simpson, filho de Homer.
Bart é um pequeno terrorista que adora passar trotes e pichar muros. É um sociopata mirim. Um eterno adolescente. Não gosta de estudar e sempre vai mal na escola. Foi eleito pela revista Times, em 1999, como o personagem que mais influencia o comportamento dos americanos, derrubando os scores de Mickey e Cia.

Depois de retratar – e frequentemente antecipar – as tendências mais medíocres da classe média americana ao longo de 36 anos, a série Os Simpsons parece estar chegando ao fim no ano de 2025.
Os homems são esses. As mulheres são melhores.
Lisa é a segunda filha do casal. É uma garota prodígio, está na segunda série e é tida como a mais inteligente, culta e bem informada da família. Resolve conflitos políticos e sociais. Além de ser uma grande saxofonista. Sempre está pronta para ajudar Bart. Ganhou o prêmio principal da 11ª edição dos Environmental Media Awards (2001) por seu comprometimento com as causas ecológicas e a proteção dos animais.
Marge, a mãe, é uma dona de casa dedicada. É considerada o ponto de equilíbrio da família. Sempre com opiniões politicamente corretas e pacificadoras. É ela quem resolve problemas que vão desde consertar a porta da garagem até denunciar seu chefe por assédio sexual.
O que podemos concluir, portanto, é que os personagens masculinos dos Simpsons são o verdadeiro tacho da sociedade americana, enquanto os femininos podem ser considerados politicamente corretos, já que estão alinhados com as tendências sociais e políticas da atualidade. [NOLASCO, p.55.]
Nolasco acrescenta: “A representação social masculina nas sociedades contemporâneas tem ficado restrita à caracterização de um fracassado, Homer sendo um exemplo disto. (…) interpreto tal restrição como expressão de uma das formas de violência deste tipo de sociedade. O loser é um sujeito que perdeu sua forma pessoal e portanto se mostra incapaz de decodificar, compreender e agir em contextos complexos; ele é um anti-herói sem vigor, vitalidade ou força. É um anti-herói porque não é um winner e desta maneira, para os padrões deste tipo de cultura, é alguém que precisa ser eliminado”.
Tratar o homem como um loser é uma espécie de assassinato, mesmo que simbólico. “A violência, então, surge como uma possibilidade de sentido para a vida do sujeito, na medida em que é necessário fazer-se presente para realizá-la, convocando sua história pessoal como sendo uma profissão de fé e por meio dela restituindo a si mesmo força e vigor”. [NOLASCO, p. 55.]
Parte da sociedade americana entendeu essa encruzilhada. Alguns trataram de se defender, indo às vias de fato, ao utilizar da arma de seus pais, exterminando quem os coloca nessa condição de Homer. A última tragédia em escola americana envolvia um rapaz que era humilhado diariamente por seus colegas. Talvez por usar óculos ou por se interessar mais por literatura do que por basquete. Outra parte se utilizou do cinema para refletir sobre essa condição. Defesa simbólica.
Em cartaz, os instintos norte-americanos
Beleza Americana, Magnólia, Assassinos por Natureza e Clube da Luta são alguns dos filmes, dos últimos anos, que discutiram a banalização do masculino.
Clube da Luta, filme de 1999 do diretor David Fincher, roteiro de Jim Uhls, conta a história do encontro de Jack e Tyler Durden. Jack, interpretado por Edward Norton, é um insone constantemente deprimido que passa suas noites procurando diferentes grupos de ajuda mútua para ouvir relatos emocionados e dar abraços nos participantes durante as terapias de grupo. Jack é um faminto por emoção. Tyler Durden, interpretado por Brad Pitt, tem comportamentos completamente opostos a Jack. Hiperconfiante, viril, faz da palavra e da força sua ética. Enquando Jack se preocupa em decorar a casa com objetos importados de última linha, Tyler mora numa casa abandonada e acredita na autodestruição como valor para realçar o vigor e a hombridade. Seu lema: “Quanto você conhece de si mesmo se você nunca entrou numa luta?”.
Jack e Tyler iniciam lutas intermináveis, onde ambos saem muito machucados, porém, vitalizados. Fundam o Clube da Luta, que abriga homens que queiram experimentar a sensação de uma briga de rua. É a briga tonificando a vida.
O Clube da Luta se espalha por todo o país ao ponto de Tyler virar uma lenda. Mas apenas lutar não bastava. Era preciso destruir os ícones da cultura de consumo que segundo o filme fazem troça do homem. Por isso, começa a recrutar fiéis para destruir pontos estratégicos ou simplesmente para fazerem xixi na comida de restaurantes de luxo.

Há mais de um século o cinema e os quadrinhos americanos exploram a violência e a coragem física como tema recorrente. Foto: cena de luta em filme de John Wayne.
No final do filme há uma espécie de apoteose: a destruição de prédios que sediavam empresas de cartão de crédito. E para nossa surpresa, neste momento, Jack se dá conta que Tyler é ele próprio. Jack e Tyler são a mesma pessoa. Essa é a melhor caracterização de quando Marte está fora da consciência: o outro que é agressivo. Esta é a representação do Marte americano na casa Sete — a casa do Outro-em-Mim. Ou vocês acham que os americanos se veem como um povo agressivo?
Clube da Luta foi um sinal da urgente necessidade de reconstituir a interação com uma parte do masculino, representado na Astrologia por Marte: a força, a beleza de dentes e músculo. Marte é a vida circulando nas veias.
Se considerarmos o mapa dos EUA como paradigma da sociedade moderna e globalizada, é fácil concluir que Marte — o Instinto — não é reconhecido. Para um Saturno exaltado em Libra — O Justo, dispositor da Lua em Aquário — a liberdade construirá uma sociedade na qual o Direito (Libra) ficará acima de tudo. Marte é regente de Áries, o oposto de Libra.
Será que a guerra ou a violência não é uma maneira desesperada de dialogar com Marte, o Guerreiro? Será que a guerra poderá unir a sociedade americana?

Marte está na casa 7 do mapa da Declaração de Independência dos Estados Unidos — 4.7.1776, 16h50 LMT — Filadélfia, Pensilvânia — 39n57, 75w10. (Este é um dos horários possíveis. Também se admitem outros, a maioria com diferenças de minutos.)
O Suicídio do guerreiro santo
Os bombeiros que morreram no atentado às torres gêmeas transformarem-se em símbolos da atual história americana. Bombeiro é uma espécie de guerreiro salvador. Nada mais condizente para resolver a tensão da quadratura Marte-Netuno na carta americana: o herói que sacrifica a própria vida por um ideal. Aliás, os terroristas que deram a sua vida pelo atentado, e Mishima, fazem juz a essa configuração: o guerreiro santo.
Agora, na guerra interpretada pelos olhos americanos, CNN, o status dos militares foi às alturas. Os jovens querem combater o inimigo oculto (Marte regente da 12): os terroristas. Morrer pelo país é uma questão de orgulho. A classe militar (Marte-Saturno) ganhou status. Uniformes, tecnologia e estratégia militar voltaram às telas televisivas.
Nada me chocou mais do que ver um piloto americano escrever num míssil que seria jogado logo depois sobre as ruínas do Afeganistão as palavras “with love (com amor), World Trade Center“.
Nada melhor para unir um país do que uma guerra. Mas quando será que eles vão compreender que a cultura em que acreditam produz serial killers? Verdadeiros Coringas, espécies de terroristas individualistas, que assassinam a mando de sua inconsciência, tornando-se, inclusive, celebridades.
Quando a Primeira Guerra Mundial começou, a expectativa era de que durasse semanas. Durou quatro anos. E a partir da Guerra do Afeganistão, com o envolvimento americano na Ásia Central?
A guerra é muito importante para deixar na mão dos generais
Plutão e Saturno continuarão pressionando Marte nos próximos anos. O medo (Saturno) que se espalha por todo os EUA poderá fazer com que prestem atenção em si mesmos. Ou convencê-los de que a guerra é a única solução a ser tomada para eliminar o mal. Plutão fará oposição exata a Marte no início de 2004. Prepare o luto, porque o Guerreiro estará morto. Ou agoniando. Não duvido que veremos mortos virarem mártires.
Será que o povo americano, para restituir o valor do guerreiro, fará apenas uso de uniformes e B’52s? Quando o instinto, representado por Marte e Plutão, será considerado com maior importância nessa cultura? Quando os homens dirão alguma coisa?

“A guerra é muito importante para deixar na mão dos generais.” A frase é do poeta paranaense Paulo Leminski. Foto: soldados na Primeira Grande Guerra, 1914-1918.
Marte é corpo. Plutão e Saturno tocando Marte obrigarão o corpo simbólico que sustenta a cultura americana a se transformar. Ou morrer. Seria melhor que os Estados Unidos voltassem a ouvir os poetas.


