Nos mitos da região do Ártico, Sedna é uma bela nativa seguidamente submetida, sequestrada, traída e mutilada por figuras do mundo masculino. Em outros artigos, analisamos três destas narrativas, assim como o contexto do descobrimento do planeta anão que recebeu o nome desta divindade. Veja aqui:
- O planeta anão Sedna e o desastre do aquecimento global
- Sedna, o mito da deusa mutilada
- Sedna, a mulher-esqueleto casada com um cão
Pensemos nas correspondências astrológicas presentes no mito: tanto o pai quanto os pretendentes que ela dispensa são caçadores, ou seja, são representações do homo faber, aquele que já desenvolveu a perícia para produzir ferramentas e com elas dominar o entorno.
Esta ampliação de capacidades materiais resulta do conhecimento técnico (algo que pode ser associado a Mercúrio e a seus signos, Gêmeos e Virgem, assim como às casas 3 e 6) e se transforma também em poder no âmbito social, o que nos conduz diretamente a Saturno.
Os dois homens fundamentais na vida de Sedna são figuras em parte Mercúrio e em parte Saturno: o marido-pássaro (elemento Ar), que voa e controla as forças da natureza para seus propósitos, e o velho pai, um Saturno que exerce um papel mercuriano ao levar e trazer pretendentes para a escolha da filha.
Quando Sedna tenta livrar-se do marido-pássaro agarrando-se às bordas do caiaque, seus dedos (Gêmeos, Mercúrio) são cortados, o que a impele inexoravelmente para o fundo do oceano. O simbolismo é rico, comportando várias interpretações:
- a desconexão entre o feminino e o masculino, o inconsciente (o fundo do oceano) e a consciência (o elemento Ar, a superfície);
- a dramatização da tensão essencial entre os signos mercuriais (Gêmeos e Virgem, ligados à técnica e ao conhecimento) e seus opostos, Sagitário e Peixes, ligados à fé, à comunhão com forças mais amplas e à integração com o todo;
- o rompimento violento do pacto com a natureza e com as forças da vida, consubstanciadas em Sedna e em seu elemento, a água salgada do fundo do mar (em analogia com o ambiente do útero).
Ao romper com a natureza, o homem deixa de compreender os grandes ciclos e entra em descompasso com o cosmo, o que leva ao des-astre. As guerras e o desequilíbrio ambiental são as consequências diretas dessa atitude irrefletida, o que obriga a uma tentativa de reconexão que só é possível mediante o acionamento das forças femininas da sensibilidade, da compaixão e do movimento de comunhão com o todo.
Ao mergulhar no oceano e pentear os cabelos de Sedna, a xamã entra outra vez em contato com as forças arcaicas do elemento Água (peixes, caranguejos) e recupera a percepção dos ritmos essenciais.
A variante do mito que aparece na história da mulher-esqueleto também fala de compaixão e empatia, resgatando sob outra forma a importância dos elementos femininos – Água e Terra – que precisam contrabalançar o excessivo ímpeto destrutivo dos elementos masculinos – Ar e Fogo – quando desconectados dos demais. Finalmente, o casamento de Sedna com o cão indica que ela ainda preserva a capacidade de interagir com os seres naturais.
Astrologicamente, o mito de Sedna tem analogia com conteúdos relacionáveis a diversos signos e planetas. Peixes e Netuno são associações óbvias, especialmente se considerarmos que o mundo tomou consciência do novo corpo celeste com Urano transitando pelos primeiros graus do signo que rege os oceanos.
Os elementos cancerianos e lunares também estão presentes, seja pelos caranguejos nos cabelos, seja pela ligação da deusa com o ciclo de produção do alimento. Neste sentido, Sedna é uma deusa nutriz, uma grande mãe.
Sedna é ainda uma negação de Saturno e Mercúrio, o que a associa novamente a Câncer (exílio de Saturno) e também a Peixes (exílio de Mercúrio). É claro que também podemos pensar em Sagitário, mas a dinâmica pisciana do martírio e da compaixão parece ser mais adequada a essa deusa sofrida e mutilada.
Todavia, nada explica melhor o simbolismo da deusa dos Inuit quanto uma faceta pouco explorada de Touro, que é o de ser o exílio de Plutão, ou o lugar onde a possibilidade da destruição radical e absoluta precisa ser enfrentada mediante o desenvolvimento da absoluta inclusividade.
Não se trata apenas da inclusividade pisciana, feita de dissolução de limites e de integração psíquica, mas de um conceito mais amplo e mais palpável, que envolve a compreensão de que toda a vida planetária está integrada numa única teia.
Falamos de sustentabilidade, conceito autoexplicativo em sua conotação terráquea e fixa. E quando lembramos tal conceito, não nos referimos apenas à natureza que nos provê do que necessitamos, mas da possibilidade de esta natureza regenerar-se e recompor recursos para a continuidade do ciclo da vida. É o ciclo equilibrado da destruição e da recomposição, a dinâmica contrastante de Plutão e Sedna que se expressa na oposição Touro-Escorpião.
Não se trata de defender que Sedna seja o novo regente de Touro, ao menos no que tange à interpretação de cartas individuais. Corpos celestes tão lentos e invisíveis, como Sedna e Éris, não sinalizam processos que possam ser trabalhados exclusivamente no nível pessoal, mas sim as grandes questões que civilizações inteiras são obrigadas a confrontar.
Na medida em que a globalização e a tecnologia impõem novas possibilidades até então impensáveis, como a da destruição violenta de toda a humanidade, surgem novas entidades celestes que corporificam tais situações no plano simbólico. Sedna pertence a este domínio, e sua descoberta pode ser considerada como um foco que se acende sobre um problema de enfrentamento inadiável.
Sedna e o fracasso dos acordos internacionais sobre mudança climática
Segundo informação do astrólogo Mario F.Raskovsky, de Salta, Argentina, que manteve contato direto com um dos descobridores de Sedna, o astrônomo Chadwick A. Trujillo, a primeira identificação do planetoide aconteceu precisamente às 6 horas 32 minutos e 57 segundos UT, em Pasadena, Califórnia, no dia 14 de novembro de 2003. Naquele momento Sedna encontrava-se em 15º3’44” de Touro, bem próxima do Meio do Céu.
Sedna estava também em oposição ao Sol em Escorpião — ativando exatamente o eixo da sustentabilidade e da reciclagem. Com Leão no Ascendente, o Sol é o regente da carta, e seu posicionamento na casa 4 chama a atenção para a necessidade de iluminar questões estruturais. Entretanto, o fato mais impressionante é a forma como Sedna ativa o mapa do grande alinhamento de 3 de maio de 2000. Naquela ocasião, os sete planetas visíveis estiveram juntos em Touro, sendo que Sol, Júpiter e Saturno apresentavam-se em graus muito próximos da posição do primeiro avistamemto de Sedna.
Trata-se, portanto, de uma reiteração do significado daquele alinhamento, que analisamos em detalhes em artigos da época, em Constelar (maio de 2000). Eis alguns trechos do artigo escrito há 21 anos, que comparava o alinhamento em Touro com o anterior, quando os sete planetas visíveis se reuniram em Aquario, em 1962:
O novo alinhamento ocorre em Touro, signo que, ao contrário de Aquário, traz de volta para o primeiro plano as duas preocupações básicas da humanidade, desde seus primórdios: alimentação e segurança. Em torno destes dois conceitos centrais, articulam-se outros, como o de valor (atributo de Vênus, regente de Touro), território, relação com o mundo físico e vida econômica. Para expressar com mais intensidade o contraponto entre os dois alinhamentos, agora é Urano, o regente moderno de Aquário, que está de fora a confrontar por quadratura os planetas em Touro. (…) Os desafios não resolvidos do alinhamento anterior voltarão à tona sob outra ótica, o que revela uma padrão de continuidade, reforçado por envolver a cruz dos signos fixos.
Considerando que Touro é signo vinculado à Terra e à natureza, a presença ali dos sete planetas clássicos coloca em evidência a questão ambiental em escala planetária. No marco da conjunção Júpiter-Saturno, os próximos meses ou anos devem mostrar um foco permanente na qualidade de vida. Há duas possibilidades: o início real de ações de grande porte com vistas a deter a degradação ambiental e preservar a biodiversidade (preservação é um atributo taurino) ou o aprofundamento do atual quadro de crise, com o risco de comprometimento permanente de solos e florestas, avanço da desertificação, queda na produtividade da agropecuária e aumento das áreas de fome endêmica.
Passadas duas décadas, sabemos hoje que a crise já atinge níveis de saturação. O Protocolo de Kioto, que poderia gerar condições reais de reversão do quadro, foi abandonado pelos Estados Unidos, país responsável por 25% da devastação ambiental do planeta. O Acordo de Paris de 2015, que o substituiu, definiu metas ambiciosas que estão longe de ser cumpridas. A COP26, encontro de cúpula realizado em Glasgow em novembro de 2021, não deve alterar significativamente este quadro. Estamos correndo para o desastre. Resta a Sedna chorar no fundo do oceano pela mutilação do planeta.
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