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DA BABILÔNIA À INTERNET

Uma breve História da Astrologia

Cristina Machado

 

Renascimento

Três fatores parecem fundamentais para o boom astrológico desse período: as universidades, a imprensa e a penetração da astrologia mágica de origem árabe.

A partir do século XIII, com a criação das universidades na Europa, a astrologia era lecionada junto com a medicina, pois só assim se acreditava poder conhecer a constituição do paciente. Dessa maneira, foi sendo desenvolvida uma astrologia erudita, que participava das cortes dos soberanos e dos papas.

Em 1453, com o advento da imprensa, as efemérides e tábuas de casas passaram a ser publicadas, assim, os astrólogos não precisavam mais fazer cálculos difíceis e demorados para estabelecer os mapas, i.e., não precisavam mais ser astrônomos ou matemáticos. Esse fato parece ser relevante para entender a popularização da astrologia nesse período.

Como mencionado anteriormente, no início da Idade Média, manteve-se uma astrologia latina de origem popular [24]. Além disso, com o declínio da expansão árabe, a astrologia misturou-se com elementos mágicos, penetrando na Europa também com um apelo popular.

Em sua contextualização do ideário da Renascença, Alexandre Koyré informa que a astrologia era mais importante que a astronomia, e que os astrólogos gozavam de um status de respeitabilidade, exercendo inclusive funções públicas. [25] Nesse período, a ciência começou a se expandir consideravelmente, estimulada talvez pelo retorno às fontes antigas e pelos grandes descobrimentos.

[24] cf. nota 22 - p. 14
[25] KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. Tradução de Márcio Ramalho. RJ: Forense universitária, 1991 - p. 47

Os primórdios da ciência moderna e o declínio da cosmologia aristotélica

Uma das exceções a esse florescimento da astrologia no Renascimento foi Pico della Mirandola (1469-1533). Em sua obra, Disputationes, critica a mistura de religião e ciência que ocorre na astrologia. Para ele, o equívoco da astrologia decorre de dois fatores: 1) sua origem caldaica e egípcia, povos que, segundo ele, eram inaptos ao saber, e 2) não é rigorosa, mas pretende sê-lo. O fascínio da astrologia, para Pico della Mirandola, é o seu caráter compósito, ciência e arte, que estimula a curiosidade e a cobiça humanas, além de lhe atribuir um ar de verossimilhança. Para ele, há também uma tendência à veneração de tudo que é antigo, o que confere à astrologia um ar de sapiência e autoridade. Pico della Mirandola fez uma história da astrologia para liquidar com o que ele considerava uma pseudociência [26], pois achava que ela não tinha rigor metódico nem critérios lógicos. Para ele, o astrólogo visa apenas a glória e o lucro, pois sua atitude mental é no sentido de suscitar espanto e admiração. [27]

O italiano Pico della Mirandola (esquerda) e o polonês Copérnico (direita), nomes essenciais na trajetória do pensamento europeu rumo ao primado da cientificidade.

Nesse cenário, Copérnico (1473-1543) demonstra a teoria heliocêntrica, Galileu (1564-1642) aponta seu telescópio para o céu e a verifica, e Kepler (1571-1630) formula algumas de suas leis. Kepler e Galileu eram astrólogos, mas concebiam a astrologia de maneira crítica, especialmente Kepler, que, segundo Fuzeau-Braesch, "situou assim, pela primeira vez, a astrologia entre as concepções científicas novas: ela permaneceu decididamente geocêntrica como ainda o é em nossos dias, e isso baseando-se em uma experiência terrestre afirmada, anunciando já posições modernas recentes" [28].

Esse é o contexto de transição para a ciência moderna, para um mundo cuja imagem é totalmente diferente da imagem anterior, pois há uma ruptura entre o mundo dos sentidos e o mundo da ciência, até então considerados coincidentes: o universo agora é infinito, e o céu e a Terra gozam do mesmo estatuto ontológico. Segundo Koyré, "A grande inimiga da Renascença, do ponto de vista filosófico e científico, foi a síntese aristotélica, e pode dizer-se que sua grande obra foi a destruição dessa síntese." [29] Confirmando essa posição de Koyré sobre o destino do pensamento aristotélico com o advento da ciência moderna, Camenietzki afirma que "os satélites de Júpiter e as fases de Vênus representaram uma pá de cal nas antigas teorias das esferas celestes". [30] Dessa maneira, costuma-se atribuir ao advento da nova teoria heliocêntrica, a responsabilidade pelo declínio do sistema cosmológico aristotélico, defendido por Ptolomeu, que abarcava também a astrologia.

Paulo Rossi rejeita a idéia de que o heliocentrismo seja o único responsável pelo "fim" da astrologia. Ele considera discutível o pressuposto embutido nessa idéia de que a ciência progride contínua e linearmente sem erros. A astrologia continuou viva após Copérnico, entrelaçada à astronomia, à filosofia, etc. As discussões sobre o sistema copernicano e o universo como máquina prosseguiram depois de Copérnico, já que Kepler fazia mapas astrológicos e Newton estudava astrologia, entre outros conhecimentos considerados ocultos. [31]

A posição de Thorndike corrobora essa desconfiança. Para ele, o fim da astrologia não se deve à "descoberta" de uma lei universal, nem à matematização da natureza, mas sim à gradual eliminação, seguida de radical destruição operada por Newton, da distinção entre céu e Terra, i.e., a Terra é um planeta igual aos outros, não fazendo mais sentido a distinção entre mundo superior e mundo inferior. [32]

Stephen Hawking, por sua vez, atribui o declínio da astrologia no mundo moderno ao deslocamento do "lugar" do determinismo. Para ele, as leis de Newton e as outras teorias físicas deslocaram esse objeto de desejo do homem, o determinismo, da astrologia para a ciência. Hawking associa a idéia de determinismo científico, formulada pela primeira vez no século XIX por Laplace, à astrologia, da seguinte maneira: "(…) se o determinismo científico for válido, deveríamos, em tese, ser capazes de prever o futuro e não precisaríamos da astrologia". [33]

Galileu Galilei

A Igreja, que tinha apostado tudo na compatibilização do pensamento aristotélico com o cristianismo, gradativamente foi perdendo seu papel de portadora da verdade absoluta, e as Escrituras começaram a ser entendidas, pelo menos no meio científico-filosófico, como uma escrita simbólica. A tese da dupla verdade mencionada anteriormente [34], supostamente averroísta, foi reafirmada por Galileu, o que o levou a ser acusado pela inquisição. Mas esse foi um passo determinante para a ciência moderna, pois a ciência passou a constituir um ramo de estudo independente da religião. Segundo Camenietzki, "O cientista pode até mesmo estar estudando a obra de Deus, mas ele não mais guia suas ações por princípios das Escrituras" [35].

[26] Para não soar anacrônico, é importante lembrar que o termo "pseudociência", usado em pleno Renascimento, não tem a mesma conotação de hoje em dia, assim como a própria noção de "ciência".
[27] cf. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini. SP: UNESP, 1992 - p. 40
[28] FUZEAU-BRAESCH, S. A astrologia. Tradução de Lucy Magalhães. A astrologia. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990 - p. 59
[29] KOYRÉ, A. Estudos de história do pensamento científico. Tradução de Márcio Ramalho. RJ: Forense universitária, 1991 - p. 47
[30] CAMENIETZKI, C.Z. A cruz e a luneta. RJ: Access, 2000 - p. 67
[31] cf. ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini. SP: UNESP, 1992
[32] cf. THORNDIKE, L. "The true place of astrology in the history of science" in Isis. 1955 - p.273-278
[33] HAWKING, S. O universo numa casca de noz. Tradução de Ivo Korytowski SP: Arx, 2001 - p.104
[34] cf. seção anterior, p.15
[35] CAMENIETZKI, C.Z. A cruz e a luneta. RJ: Access, 2000 - p. 93

O período mais recente da história da astrologia

Atalhos de Constelar 76 - outubro/2004

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