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Foi no tempo de Gudea, rei de uma pequena
cidade-estado sumeriana chamada Lagash há 4200 anos
atrás, que ocorreu o registro das primeiras anotações
astrológicas. Era o ponto de partida de um dos saberes
mais antigos do mundo - e também um dos mais permanentes.
Conheça agora a fascinante aventura da relação
do homem com o cosmo.
Introdução
A astrologia é praticada há milênios,
nas suas mais diversas formas, por todas as sociedades do
planeta. Desde os mais remotos grupamentos humanos que se
tem notícia, até a civilização
planetária atual, passando por todas as culturas orientais
e ocidentais, não houve sequer uma época em
que o homem não olhasse para o céu, buscando
uma compreensão maior do mundo ao seu redor ou, pelo
menos, uma orientação para o seu dia-a-dia.
Para isso, com base nos ciclos regulares que observou na natureza,
o homem estabeleceu relógios, calendários e
sistemas astrológicos.
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À esquerda:
Gudea, patesi (rei) de Lagash, uma das várias cidades-estado
sumerianas (aproximadamente 2122-2102 a.C.).
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É claro que não se pretende aqui dar
conta de todas essas variedades de sistemas astrológicos,
p.ex., as astrologias orientais, devido à extensão
e à complexidade desse tema, tendo em vista o enraizamento
da prática astrológica até os dias de hoje
nas culturas do oriente, totalmente diversas das culturas que se
estabeleceram a princípio na Europa e, depois, em suas áreas
de influência cultural, como as Américas. Não
se trata aqui também das astrologias pré-colombianas,
nem de qualquer outra que não seja a chamada "astrologia
ocidental", assunto que já é suficientemente
amplo.
Apesar da diversidade de técnicas e práticas,
é possível afirmar que o postulado fundamental de
qualquer astrologia é que há uma relação
entre um determinado conjunto de eventos celestes, concebidos do
ponto de vista geocêntrico, e certos eventos terrestres. No
mundo ocidental, segundo Lynn Thorndike [1],
o sistema astrológico foi considerado lei universal da natureza
até Newton. Trata-se, portanto, de um saber coeso, cuja finalidade
seria entender os acontecimentos na Terra por meio da suposta relação
com certos fenômenos regulares e previsíveis que ocorrem
no céu. Se essa é uma relação simbólica
apenas ou física de fato, teremos a oportunidade de pensar
isso aqui.
Tendo isso em vista, a capacidade preditiva da astrologia
não só é algo plausível, considerando-se
a previsibilidade do movimento celeste, como foi uma das suas principais
aplicações durante milhares de anos. O que não
significa que o nosso destino esteja escrito nas estrelas. Segundo
Plotino, "O movimento dos astros indica os eventos futuros,
e não os produz, como se crê freqüentemente"
[2]. Logo, essa indicação
dos astros não teria um caráter determinístico,
e sim denotativo, expressando uma predisposição para
que certos eventos ocorram.
[1] cf. THORNDIKE, L. "The
true place of astrology in the history of science" in Isis.
1955 - p. 273-278
[2] PLOTINUS. Ennead II-3-1. Tradução de A.H.
Armstrong. Cambridge: Harvard University Press, 1966 - minha tradução
e meu grifo
Primeiros registros: Mesopotâmia,
Grécia e Egito
A astrologia ocidental é parte integrante
da herança cultural recebida do Oriente Médio. Sua
origem ainda é discutida [3],
mas os primeiros registros documentados que se tem notícia
atualmente foram feitos em escrita cuneiforme sumeriana sobre tabuinhas
de argila [4], e são originários
da região de Lagash, governada por Gudea (aproximadamente
2122-2102 a.C.). Entretanto, o principal documento da astrologia
mesopotâmica que nos restou é o Enuma Anu Enlil,
uma compilação de cerca de setenta tabuinhas encontradas
na biblioteca real de Nínive, escritas no século VII
a.C., que incorporam material mais antigo. [5]
Costuma-se atribuir a Berose, sacerdote babilônico
enviado à Grécia após a conquista da Mesopotâmia
por Alexandre (331 a.C.), a responsabilidade por levar a astrologia
mesopotâmica para a Grécia, contudo, Tamsym Barton
refere-se a Sudines, um adivinho babilônico, que viveu cerca
de uma geração após Berose, como "primeiro
indivíduo datável citado como fonte por pelo menos
um astrólogo" [6]. Esse
astrólogo, que cita Sudines, é Vettius Valens (século
II d.C.). Barton conta também que há quem atribua
ao astrônomo grego, Hiparco (século II a.C.), a responsabilidade
pela popularização da astrologia. "Entretanto,
a maioria dos historiadores modernos tem menos inclinação
que os antigos a identificar indivíduos como responsáveis
por desenvolvimentos intelectuais, e olham preferencialmente para
as circunstâncias do período a fim de explicar o intercâmbio
de idéias." [7] Dessa maneira,
não faz sentido atribuir a um ou mais indivíduos a
responsabilidade pela difusão do sistema astrológico.
Berose e Sudines seriam, portanto, exemplos das migrações
de indivíduos da Mesopotâmia para a Grécia,
que ocorreram após as conquistas de Alexandre, responsáveis
pela transmissão das tradições mesopotâmicas.
Independentemente de não ser possível
datar com precisão se a astrologia grega começou realmente
no século III a.C, tudo indica que, conforme as evidências
mencionadas anteriormente, ela partiu da Mesopotâmia e foi
levada para a Grécia, onde ganhou a aparência de ciência
[8]. É no mundo helênico,
portanto, especialmente na Alexandria de Ptolomeu (século
II d.C.), que se dá a grande sistematização
da astrologia, provavelmente também com influências
indianas.
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Ptolomeu, um dos nomes
dominantes da astrologia helenística. |
Em seu artigo, A influência de Aristóteles
na obra astrológica de Ptolomeu (O Tetrabiblos), Roberto
Martins faz uma análise do Tetrabiblos, comparando-o
com outras obras da época, e demonstra que a grande influência
de Ptolomeu, ao contrário do que afirma a interpretação
tradicional, é de Aristóteles e não dos estóicos
[9], considerando-se que a filosofia
aristotélica admite que eventos terrestres, como os fenômenos
meteorológicos, as marés, as formações
rochosas e a geração de vida na Terra, sejam afetados
pelos movimentos dos corpos celestes, conforme postula a astrologia
[10].
Além disso, a concepção de mundo
na qual Aristóteles se insere, que é apresentada no
Timeu [11], de Platão,
é absolutamente compatível com o sistema astrológico.
Segundo Marcus Reis, em texto ainda não publicado, há
pelo menos quatro pontos importantes no Timeu que corroboram
isso: 1) visão teleológica da realidade, que nos possibilita
dar sentido aos fenômenos celestes e traçar uma relação
com os terrestres; 2) isonomia entre o cosmos, a cidade e o homem,
i.e., essas três instâncias da realidade possuem estruturas
semelhantes e correlatas; 3) estudo das características e
funções dos quatro elementos (fogo, terra, água
e ar); 4) o homem deve buscar pautar sua vida e sua alma de acordo
com as revoluções dos orbes celestes.
Há que se mencionar também a contribuição
egípcia, que influenciou mais a astrologia hermética,
fundada em textos herméticos [12]
e gnósticos, nos quais o contexto religioso é preponderante.
Entretanto, segundo Barton, os textos atribuídos a Nechepso
e Petosiris, ou aos "antigos egípcios", que são
considerados textos herméticos pela tradição,
parecem uma versão egípcia da literatura astrológica
mesopotâmica [13]. O fato é
que não é possível ter certeza de que a chamada
astrologia helenista tenha sido desenvolvida no Egito, embora, ao
longo do século I da era cristã, essa tenha sido a
crença vigente, até porque Alexandria tornou-se o
centro, não só astrológico, mas intelectual
do mundo ocidental. Dessa maneira, muitos astrólogos cultivavam
ou faziam referência aos textos herméticos.
[3] Suméria/Babilônia
para alguns, Egito para outros, ou alguma outra civilização
que nos teria deixado seus fragmentos, considerando-se a referência
documentada a uma prática ainda mais antiga. Essa discussão
existe há muito tempo, constando, p.ex., em obras como o
De divinatione, de Cícero, na qual ele duvida dos
470 mil anos de idade atribuídos à astrologia.
[4] Cabe lembrar que a Suméria ficava na região sul
da Mesopotâmia, e a Acádia, na região norte.
A escrita cuneiforme foi inventada pelos sumérios e tornou-se,
já no reino da Babilônia (segundo milênio a.C.),
sinônimo de poder e prestígio para uma elite aristocrática
que, além de registrar detalhadamente as observações
celestes, para fins de calendário, agricultura e astrologia,
redigiu leis, como o famoso "Código de Hammurabi"
[cf. Hammurabi, Rei da Babilônia. O código de Hammurabi.
Tradução de E. Bouzon (do original cuneiforme). Petrópolis:
Ed. Vozes, 1976]
[5] cf. BARTON, T. Ancient astrology. London &
NY: Routledge, 1994 - p. 10
[6] ibid - p. 23 - minha tradução
[7] idem
[8] Pode soar anacrônico o uso do termo "ciência"
no contexto grego, dado que no mundo antigo nunca houve uma distinção
clara entre ciência e religião, como há atualmente,
entretanto, como esse assunto será discutido mais detalhadamente
no próximo capítulo, reservemo-nos o direito de usar
esse termo num sentido lato, abarcando inclusive o impulso científico
de pensamento abstrato, análise, dedução e
pesquisa dos povos mesopotâmicos [cf. BARTON, T. Ancient
astrology. London & NY: Routledge, 1994 - p. 31]
[9] cf. mais informações sobre o estoicismo e a astrologia
na próxima seção.
[10] cf. MARTINS, R. A. "A influência de Aristóteles
na obra astrológica de Ptolomeu (O Tetrabiblos)" in
Trans/Form/Ação. SP: 1995 - p. 51-78
[11] PLATÃO. Timeu - Crítias - O segundo Alcibíades
- Hípias Menor. Tradução de Carlos Alberto
Nunes. Belém: EDUFPA, 2001
[12] A origem do hermetismo remonta a Hermes Trismegisto, personagem
semidivino do Antigo Egito. Platão e Pitágoras são
considerados "iniciados" na filosofia hermética,
Bruno e Campanella defenderam o hermetismo, e Copérnico cita
Hermes na introdução do De Revolutionibus.
[13] cf. BARTON, T. Ancient astrology. London & NY: Routledge,
1994 - p. 31
O boom em Roma e Alexandria
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