Idade Média: a astrologia
e a Igreja
Na alta Idade Média, a astrologia representava uma alternativa
à verdade da Igreja, logo, uma alternativa à sua autoridade,
sendo providencialmente associada à heresia. Como muitos
cristãos acreditavam que as estrelas realmente indicavam
o futuro, eles não podiam permitir que os astrólogos
tivessem tal conhecimento. O maior problema para a Igreja era a
questão do livre-arbítrio. Em suas Confissões,
Agostinho ilustra bem essa preocupação:
"Também afirmam [os astrólogos]:
'Foi Vênus ou Saturno ou Marte quem praticou esta ação'.
Evidentemente, para que o homem, carne, sangue e orgulhosa podridão,
se tenha por irresponsável e atribua toda a culpa ao Criador
e Ordenador do céu e dos astros." [17]
Dessa maneira, o homem deixaria de assumir a responsabilidade
por seus pecados, atribuindo-a aos astros e, conseqüentemente,
a Deus. Com base nesse tipo de argumento, a Igreja tomou medidas
duras contra a astrologia, chegando a recomendar a pena de morte
aos astrólogos. Dessa maneira, entre os séculos V
e X, houve uma diminuição da atividade astrológica
na parte oriental do Império e um aparente desaparecimento
na parte ocidental. Entretanto, a literatura astrológica
alexandrina que foi preservada mostra que o cristianismo não
conseguiu realizar por completo seu intento contra a astrologia.
Além disso, manteve-se uma tradição astrológica
latina, baseada na tradução de textos gregos de astrologia
popular. [18]
|
|
À esquerda: Pedro Abelardo
e sua amada Heloísa (tema do poema Abelardo e Heloísa);
à direita: Alberto Magno, professor de Tomás de
Aquino. |
O teólogo Pedro Abelardo (1079-1142), os padres
Alberto Magno (1193-1280) e seu aluno, Tomás de Aquino (1225-1274),
e o franciscano Roger Bacon (1214-1294) contribuíram com
suas idéias acerca da astrologia em relação
ao cristianismo para um reavivamento da discussão sobre os
fundamentos astrológicos e os problemas do livre-arbítrio.
Cabe lembrar que o pensamento de Aristóteles, responsável
por "validar" a astrologia por meio da obra de Ptolomeu,
foi sendo adotado pela maioria dos pensadores da Igreja e compatibilizado
com os pressupostos bíblicos.
[17] AGOSTINHO, S. Confissões/De
magistro. Tradução de J. Oliveira Santos, A. Ambrósio
de Pina e Angelo Ricci. SP: Nova Cultural, 1987 - p. 56 (Coleção
Os Pensadores)
[18] cf. FUZEAU-BRAESCH, S. A astrologia. Tradução
de Lucy Magalhães. RJ: Jorge Zahar Editor, 1990 - p. 54
Idade Média: o mundo
árabe
A decadência do Império Romano (século
V) e a perseguição aos astrólogos levaram a
astrologia para o mundo árabe, que pouco a pouco foi se tornando
um grande centro cultural e científico. Foram os árabes
que conservaram todo o legado astrológico da antiguidade,
agregando novos elementos [19] e permitindo
que, posteriormente, a astrologia voltasse definitivamente para
a Europa, por meio das Cruzadas.
Até o século VIII, é possível
identificar no mundo árabe uma cultura perso-helênica
influenciada por sírios e judeus. A partir do século
VIII, os árabes passaram a ter interesse pela astrologia,
começando um movimento de tradução, que culmina
nos séculos X e XI, com um grande desenvolvimento das ciências,
inclusive da astrologia, principalmente em Bagdá e Alexandria,
que foram os grandes centros intelectuais do mundo árabe.
Houve também uma presença árabe importante
na Europa até o século XV, principalmente na Espanha,
devido às invasões mouras. Inúmeras traduções
datam desse período. [20]
Os árabes usavam muito a astrologia horária,
que é como um oráculo de perguntas e respostas, baseando-se
no mapa astrológico da pergunta. Por isso, o islamismo aceitou
a astrologia melhor do que o cristianismo, pois essa prática
não teria nenhuma relação com o destino do
indivíduo. Só para ilustrar, Mash'Allah e Nawbaht
calcularam o mapa astral que determinou o dia inicial da construção
da cidade de Bagdá (30 de julho de 762) [21],
e Albumassar (falecido em 886) envolveu-se profundamente no movimento
de tradução, compôs "tratados independentes
e estabeleceu a astrologia como uma ciência na nascente civilização
islâmica" . [22]
Por outro lado, os célebres Avicena (980-1037)
e Averröes (1126-1198) hostilizaram a astrologia. Entretanto,
Averröes desenvolveu um sistema cosmológico que, por
sua base aristotélica, acaba fundamentando as bases da astrologia.
Segundo Carlos Ziller Camenietzki [23],
a tese da "dupla verdade" também é atribuída
a Averröes. É como se pudessem existir duas verdades
diferentes sobre uma mesma coisa, a verdade dos homens e a verdade
de Deus. Essa idéia era extremamente polêmica na época,
pois invertia os valores sociais. Era inaceitável imaginar
que a verdade de Deus não fosse a única verdade. Mas
é justamente essa tese a condição de possibilidade
para que se consolidem os alicerces da ciência moderna, como
veremos a seguir.
[19] Segundo Martins, os árabes
foram além de Ptolomeu, fundindo, definitivamente a filosofia
aristotélica, a astrologia e a medicina. [cf. MARTINS, R.
A. "A influência de Aristóteles na obra astrológica
de Ptolomeu (O Tetrabiblos)" in Trans/Form/Ação.
SP: 1995 - p. 76]
[20] cf. GUTAS, D. Greek thought, arabic culture. London
& NY: Routledge, 1998
[21] ibid. - p. 16
[22] ibid. - p. 109 - minha tradução
[23] CAMENIETZKI, C.Z. A cruz e a luneta. RJ: Access, 2000
- p. 22
Renascimento
|