Placebos, crenças,
sistemas peritos e o cachorro de Pavlov
Pavlov (de barba) em São Petersburgo,
1905, cercado de admiradores e com o indefectível cão
condicionado. |
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Observando cuidadosamente, compreendemos que um placebo
é uma forma de ativar um fator de legitimidade social que
o sociólogo Anthony Giddens denominou "sistemas peritos".
Em poucas palavras, sistemas peritos são a crença
coletiva na funcionalidade e eficácia de instituições,
produtos ou serviços oferecidos por profissionais competentes
e legitimados. Para facilitar esta comparação, eis
um trecho de um ensaio do jornalista Ananias José de Freitas
sobre as observações de Giddens:
Os sistemas peritos, considerados por Giddens como
o mais importante mecanismo de desencaixe, são "sistemas
de excelência técnica ou competência profissional
que organizam grandes áreas dos ambientes material e social
em que vivemos hoje". Apesar da maioria das pessoas leigas
consultarem, apenas periodicamente, profissionais (advogados, médicos,
engenheiros etc), elas estão, o tempo todo e em todos os
lugares, na dependência de algum sistema perito:
Ao estar simplesmente em casa, estou envolvido
num sistema perito, ou numa série de sistemas, nos quais
deposito minha confiança. Não tenho nenhum medo específico
de subir uma escada, mesmo considerando que sei que, em princípio,
a estrutura pode desabar (...) quando saio de casa e entro num carro,
penetro num cenário que está completamente permeado
por conhecimento perito (...) ao escolher sair de carro, aceito
um risco (...) quando embarco em um avião, ingresso em outros
sistemas peritos, dos quais meu próprio conhecimento técnico
é, no melhor dos casos, rudimentar. (Giddens)
Os sistemas peritos dependem da confiança dos
leigos. Essa confiança se constrói em dois níveis
principais: a experiência cotidiana (os aviões sobem
e descem, os sinais de trânsito funcionam, os médicos
quase sempre acertam o diagnóstico, os edifícios,
em geral, não desabam etc) e a existência de forças
reguladoras além e acima das associações profissionais
com o intuito de proteger os consumidores de sistemas peritos -
organismos que licenciam máquinas, mantêm vigilância
sobre os padrões de fabricação de aeronaves,
e assim por diante.
Do mesmo modo, o falso remédio, que
o paciente julga ser um produto de efeitos comprovados cientificamente,
tem a propriedade de despertar a crença em sua eficácia
e, por conseguinte, gerar uma reação orgânica
compatível. Do que estamos falando, então? De um sistema
de crenças coletivo que atua freqüentemente em nível
individual. Voltamos, portanto, ao ponto que toca o simbolismo sagitariano:
a crença formulada pela tradição cultural.
No caso do placebo e das tecnologias, trata-se de um traço
cultural típico das sociedades modernas do Ocidente.
Reflexo
Condicionado: o Homem é muito mais passível que os
animais
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