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ASTROLOGIA E ANTROPOLOGIA

Crenças e tabus: o zodíaco frente à cultura

Carlos Hollanda

 

A cultura e a baba que escorre da boca

A morte precisa ser colocada em seu devido lugar para figurar como uma parte do cosmo e ser aceita, o que abranda seu impacto na estrutura do universo organizado. Assim, segundo a visão da ciência, o ser humano necessita criar um referencial de existência para a vida após a morte. Desde o culto aos ancestrais (que remonta ao período de formação da civilização greco-romana) e seus rituais de deposição de alimentos, bens e outros objetos que o morto preferia em vida, até a cremação do cadáver, o ser humano busca ordenar o caos que a morte representa. Ele dá ao morto o status de vivo em condições tais que sua ausência no mundo dos vivos seja compensada com certos rituais e haja um lugar para ele no cosmo.

A cultura também atua na transformação do corpo humano, nas preferências, apetites e estética. Até mesmo as reações orgânicas do nojo e doenças psicossomáticas são condicionadas pela cultura. O mesmo com relação ao modo de sentir a realidade circundante.

Como exemplo do nojo, temos em nossa cultura verdadeira aversão às secreções do corpo. Aquilo que sai do corpo passa a ser visto como nocivo, repulsivo, contaminante. A quase todas as secreções se atribui um caráter pernicioso, com exceção da lágrima e, em alguns casos onde seja útil, a saliva (como para mostrar a direção do vento ao molhar o dedo). A explicação para a lágrima não ser considerada perniciosa e ser muitas vezes tocada e degustada, está no que ela representa e também na parte do corpo de onde provém. A idéia de sagrado e profano associada ao corpo dá essa tonalidade. O corpo, neste sentido, é codificado simbolicamente pela cultura e o comportamento que aparentemente se origina de fatores biológicos muitas vezes é oriundo de normas da consciência social. Ao corpo impõem-se as interdições derivadas da noção de sacralidade, pois significa, ao mesmo tempo, Vida e Morte, normalidade e patologia, sagrado e profano, puro e impuro.

Aquilo que está dentro do corpo ainda é considerado puro, mas uma vez fora do corpo identifica-se como "nojento". A saliva estando dentro da boca é normal, mas ao sair na forma de baba provoca reações de repulsa. Só que é a mesma saliva! Voltando à lágrima, ela representa em nosso sistema de símbolos culturais uma secreção que emerge sob o controle social, pois é a cultura que determina, de um modo geral, quando e por que motivos ela deve ser vertida. Assim, encaixada no sistema, ela é vista como cristalina, pura ou sublime.

O sexo e o sistema excretor estão entre os tabus mais freqüentes na maior parte das sociedades. Ambos representam simbolicamente um estado de impureza e um certo descontrole natural que a cultura não pode suportar, pois provocam uma descontinuidade da ordem estabelecida. É o caso das proibições de incesto, tão bem explicadas nas teorias de Freud. Entre os tabus sexuais incluem-se os palavrões ou expressões consideradas ofensivas para uma dada sociedade. Na língua portuguesa, por exemplo, a maioria das expressões consideradas ofensivas ou repulsivas são referentes ao sexo. No idioma inglês, no entanto, existe referência ao ato incestuoso com a mãe [Mother fucker - literalmente, aquele que faz sexo com a mãe], o que não acontece no português.

A menstruação recai mais a fundo ainda nesta categoria, pois não pode ser controlada e, além disso, tem a conotação de morte, isto é, representa a perda de uma possibilidade de vida. Assim, em algumas culturas uma mulher menstruada não pode cozinhar, de forma que não "contamine" os alimentos com a aura de sua impureza, de seu potencial de morte ou descontinuidade. A mesma proibição se dá para as funções religiosas. Às mulheres menstruadas é vedado o procedimento ritual para algumas culturas, pois seria misturar o profano com o sagrado ou o impuro com o puro.

Tudo aquilo que tem um caráter ambíguo na visão de nossa cultura tem uma relação com a sensação de perigo (descontinuidade da vida), de descrédito, e por isso acaba sendo repudiado ou temido. Como exemplo disso, na natureza repudiamos o sapo, animal concomitantemente vivo e frio, vivendo ao mesmo tempo no chão e na água. Teme-se o morcego, ao mesmo tempo mamífero e voador, de hábitos noturnos e habitando o interior de cavernas. Nossas figuras folclóricas representam bem a repulsa ou temor da cultura a criaturas de características ambíguas. É o caso do lobisomem, meio lobo, meio homem; a iara ou a sereia, meio mulher, meio peixe; o boto, ao mesmo tempo, para o imaginário popular, mamífero e peixe, ou um peixe que se transforma em homem. O boto costuma ser temido e amaldiçoado em algumas regiões do Norte brasileiro não pela possibilidade de ferir alguém, mas pela crença na transformação e na astúcia desta criatura mitológica, supostamente capaz de engravidar as jovens que se aventuram na beira dos rios. Eis, portanto, um processo de descontinuidade mostrado na crença popular, envolvendo a ambigüidade, o sexo, a mulher (que sangra por 5 dias, mas não morre) e a possibilidade de ser alterado descontroladamente o ciclo de nascimento, vida e morte.

O que é valorizado numa cultura pode não o ser na outra. Na ilustração: europeus instalam administração colonial em ilhas da atual Indonésia. Logo conheceriam o povo das ilhas Trobriand, de que falaremos neste artigo.

Eis outras criaturas ambíguas do folclore brasileiro que se enquadram na categoria do atemorizante ou do incontrolável: o caipora, com seus pés virados para trás, a mula sem cabeça, que é a concubina do padre, ou seja, uma mulher que desafia a regra, que profana, e tem relações com um homem que deve ser casto e puro, quer dizer, sagrado. As substâncias viscosas também são ambíguas, pois não são nem sólidas nem líquidas, o que faz com que a maioria delas seja relegada à categoria de coisas "nojentas" e seu contato faça com que tentemos "purificar" o mais rápido possível o local atingido. A mesma ambigüidade e repulsa é sentida por determinados grupos sociais onde a postura masculina requer uma definição muito clara. Nesses casos, a homossexualidade também configura uma espécie de ameaça ao universo ordenado desses grupos.

Astrologia: tão ambígua quanto um sapo

1 - Introdução
2 - A cultura e a baba que escorre da boca
3 - Astrologia: tão ambígua quanto um sapo
4 - Os significadores astrológicos dependem do contexto cultural
5 - A relação da cultura com símbolos zodiacais
6 - A cultura e os eixos Gêmeos-Sagitário e Câncer-Capricórnio
7 - Os significadores de cultura
8 - Placebos, crenças, sistemas peritos e o cachorro de Pavlov
9 - Reflexo Condicionado: o Homem é muito mais passível que os animais
10 - A oposição entre Plutão e Saturno no eixo Gêmeos-Sagitário
11 - O ser humano como um ator múltiplo, mas inconsciente
12 - Escorpião, o Senhor dos Tabus

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