Astrologia: tão ambígua
quanto um sapo
A Astrologia situa-se neste campo de ambigüidade
para a cultura ocidental como um todo. Uma vez que o contexto do
ocidente tem como normalidade a razão, a metodologia científica,
e a lógica formal como baluartes, quaisquer outros sistemas
de raciocínio e percepção parecem carecer daquele
tom de realidade que o conjunto de normas da cultura impõe.
A Astrologia tem um pouco de ciência, mas também um
pouco de arte. Mistura lógica com intuição.
É concomitantemente regulada pela lógica formal e
pela lógica por analogia. É uma técnica multifocal
e multicontextual (símbolos são aplicáveis
e válidos segundo o contexto a ser tratado, qualquer que
seja ele). É aplicável a tantas realidades quanto
o ser humano tiver a criatividade de estruturar. Isso, por certo,
gera uma reação de repulsa na consciência coletiva,
guiada pelos padrões de normalidade transmitidos e conservados
geração após geração.
Como afirmei acima, Urano, Netuno e Plutão,
em muitos casos, representam forças que estão além
do universo criado "à nossa imagem e à semelhança
de nossa cultura". Netuno é aquilo que não conseguimos
distinguir adequadamente dentro de nosso código de referências.
É a questão da ambigüidade - meio isso, meio
aquilo. Curiosamente Netuno, nos mitos, ou é um transmorfo
ou leva a alguns personagens mitológicos o dom da transformação.
Seus filhos costumam ser seres formados por pelo menos dois animais.
Plutão é o símbolo correlato aos tabus de qualquer
cultura, mas não é o símbolo da formação
dos tabus em si, título que caberia a Saturno[*].
Plutão é o símbolo dos elementos transformados
em tabu. E tabus são criados por força da necessidade
de manter a sobrevivência e evitar a "contaminação",
seja ela de "maus espíritos", seja de "magia",
seja de micróbios e pestilência ou más ações,
segundo a cultura de que se tira a referência. Esses elementos
são representativos daquilo que atenta contra a ordem existente,
contra o lugar que as coisas "devem" ocupar no esquema
do cosmo (universo ordenado).
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[*]
Quando falamos de sistemas de resistência ou de proteção
contra elementos caóticos, estamos falando de Saturno.
O simbolismo deste planeta é análogo ao conceito
de demiurgo (segundo Platão, o Deus que cria o Universo,
organizando a matéria preexistente). Toda cultura concebe
um universo próprio, com seus limites e com um lugar
apropriado para cada componente deste universo.
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Astrólogos são
vistos mais ou menos como sapos: lidando ora com a lógica,
ora com o aparentemente mágico, ocupam uma "terra
de ninguém" conceitual. E a cultura tem horror ao
indefinido, como as pessoas comuns têm horror de sapos. |
Cada cultura tem um conjunto próprio de símbolos,
de sistemas de comunicação e um modo singular de lidar
com eles. A decodificação dos símbolos depende
do contexto cultural ao qual pertencem. Tal modo de lidar é
determinado por uma série de fatores, mas a cultura não
se subordina a nenhum desses fatores isoladamente. A cultura está
além da herança genética, que, ao contrário
do que se imagina, tem muito menos a ver com o comportamento do
que os condicionamentos que vamos adquirindo no decorrer de nosso
relacionamento com a sociedade. É este relacionamento que
vai criando um sistema de expectativas e respostas às circunstâncias
que experimentamos.
De igual forma, a cultura está além
do determinismo geográfico, que não condiciona decisivamente
o comportamento. A exemplo disso temos o comportamento de esquimós
comparado com o dos lapões. Apesar de ambos viverem em climas
e regiões de características muitíssimo semelhantes,
os primeiros usam iglus como abrigo. Estes podem ser deixados para
trás quando o esquimó deseja mudar-se. O mesmo já
não ocorre com os lapões, que montam seus abrigos
com peles de renas. Se houvesse determinismo geográfico,
as condições climáticas de baixíssimas
temperaturas dos dois ambientes forçariam ambos os povos
a procederem do mesmo modo. A explicação está
na cultura desses povos, que vai sendo construída de acordo
com o histórico de cada grupo social.
De qualquer modo, dentro de qualquer cultura,
temos elementos inerentes a todo ser humano, seja em função
de seu relacionamento com o mundo concreto, seja em função
de realidades biológicas. E isso independentemente da particularidade
da cultura. Cada uma, no entanto, lida diferentemente com a natureza
das coisas: objetos, comidas, roupas, circunstâncias, gestual,
crenças, forma do corpo etc. Ainda assim, mesmo com as diferenças,
o ciúme, por exemplo, continua sendo ciúme, o casamento
continua sendo casamento. Apesar de ser o casamento uma instituição
gerada por processos culturais, em todas as sociedades percebemos
o esquema de parceria com outras pessoas ou de união conjugal.
O mesmo lidar diferente é visto com relação
à morte, o luto, a riqueza, a pobreza, o sexo e os tabus.
Todos os seres humanos lidam com esses fatores em maior ou em menor
grau em suas vidas e de um modo condicionado, mas lidam. Tudo isso
continua sendo o que é, não importa de que cultura
estamos falando, mesmo que a relação com esses conceitos
varie muito e mesmo que eles tenham sido criados justamente em função
do surgimento da cultura nas sociedades humanas.
Os significadores
astrológicos dependem do contexto cultural
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