Um dia, no ano de 1925, o astrólogo Marc Edmund Jones sentou-se num parque público em San Diego em companhia de sua amiga, a médium Elsie Wheeler. Como único equipamento, levaram um maço de 360 fichas numeradas, papel e lápis. Jones ia passando as fichas aleatoriamente para a médium, que, em transe, descrevia uma imagem cuidadosamente anotada por Jones. Desse material bruto surgiu, anos depois, a série dos símbolos sabeus (sabian symbols), um conjunto de imagens oraculares associadas a cada um dos graus do zodíaco. A ideia não era nova nem desconhecida: coleções de imagens semelhantes, como o Calendário Tebaico, já circulavam na Europa há pelo menos duzentos anos. Astrólogos ingleses do século XIX, como Charubel, também chegaram a desenvolver suas próprias sínteses.
Então, o que havia de novo nos símbolos sabeus de Jones? Pela primeira vez, as cenas do cotidiano das grandes cidades se transformavam em material oracular. Em vez de torres, deuses egípcios e guerreiros armados, os graus sabeus estão associados com cenas tão prosaicas quanto um jogo de basquete ou um baile de formatura. O contato com o inconsciente ganhou uma roupagem moderna.
No Brasil, os símbolos sabeus tornaram-se conhecidos pela obra de Dane Rudhyar, mas o mérito é todo de Jones. Nascido em 1º de outubro de 1888, às 8h37, em St. Louis, Missouri, Jones era um libriano de Sol na 11, casa dos amigos, dos projetos futuristas e da insatisfação com o status quo. Para sorte da Astrologia, Jones realmente não estava muito satisfeito com a forma como esse saber era ensinado nas primeiras décadas do século XX. São dele algumas propostas inovadoras que mudaram para sempre a forma de abordar um mapa.
O astrólogo que escrevia Pulp Fiction
Mercúrio em Escorpião na 12, junto ao Ascendente, mostra o interesse pelo universo dos fenômenos psíquicos. A ousadia está presente na oposição entre Júpiter em Sagitário na 1 e a conjunção geracional Plutão-Netuno na 7, em Gêmeos. É um aspecto relacionado ao nascimento da cultura de massa, já que esta conjunção esteve presente nos mapas da invenção do cinema, do rádio e das histórias em quadrinhos. A participação de Júpiter na configuração agrega um toque adolescente, otimista, que Jones não perdeu nem mesmo aos 90 anos. A turbulenta e imaginativa configuração Júpiter-Plutão-Netuno em signos tão inquietos quanto Sagitário e Gêmeos, somada ao Mercúrio no Ascendente, haveria de empurrar Jones para áreas de interesse realmente surpreendentes, alguns delas de grande profundidade – em 1948, por exemplo, aos 60 anos, tornou-se PhD em Filosofia pela Universidade de Columbia – em contraste com outras que representavam exatamente a vertente mais popularesca e desprezada da cultura de massa.
Um dos detalhes mais curiosos da movimentada vida de Jones foi sua carreira como escritor de Pulp Fiction, um gênero de literatura popular publicado em revistas de papel de qualidade inferior (wood pulp paper, ou papel de polpa barata). O gênero era tão voltado para as massas que algumas editoras planejavam suas edições a partir da capa: assim que o ilustrador conseguia criar uma capa mais apelativa, a figura era mostrada ao escritor, que recebia a missão de escrever uma história que combinasse com a ilustração. Os temas dominantes nas pulp magazines eram as histórias de mistério, terror e crimes de difícil solução. Muitos detetives de ficção que mais tarde seriam aproveitados por Hollywood começaram sua carreira como personagens dessas revistas baratas, nascidos nas máquinas de escrever de uma penca de escritores geniais: Dashiell Hammet (de O Falcão Maltês), Edgar Rice Burroughs (criador de Tarzan), Isaac Asimov, o prêmio Nobel Sinclair Lewis e… Marc Edmund Jones, o astrólogo faz-tudo.
Escrever pulp fiction foi uma saída inteligente num momento de crise: a I Grande Guerra terminara e Jones fora desligado do serviço militar, desempregado e sem dinheiro. Na verdade, era apenas mais uma profissão ligada à cultura de massa, pois Jones, entre 1912 e 1919, já acumulara uma boa reputação como roteirista de cinema. Dentre os roteiros que ele escreveu, há desde os bem fúteis e mundanos, como Curing Her Extravagance (Curando a extravagância dela) e Mrs. Brown’s Furs (Os casacos de pele da Sra. Brown), até os de inspiração ocultista, que denunciam sua atividade paralela como pesquisador de cabala judaica, como A Profecia e Destinos cumpridos.
Jones, um astrólogo contra as receitas de bolo
O mapa de Jones dá conta desta vinculação com o cinema através da conjunção Lua-Saturno em Leão no Meio do Céu (uma carreira ligada ao palco, ao mundo do espetáculo) e do aspecto fluente do Sol à oposição Júpiter-Netuno, indicando criatividade a serviço de histórias fantásticas e imaginação escapista.
Foi nessa época também, quando ainda roteirista de cinema em plena atividade, que Jones começou a estudar Astrologia. E logo ele descobriria que não se identificava por completo nem com a linha clássica, excessivamente detalhista e mais voltada para previsões, nem com a linha psicológica-esotérica, posta em voga por astrólogos teosofistas ingleses e bastante popular nos Estados Unidos. O problema dessa nova corrente anglo-saxônica era a esquematização excessiva: na ânsia de popularizar a Astrologia (vêm dessa época, por exemplo, os horóscopos de jornal e rádio), abria-se mão do rigor da análise para valorizar as “receitas de bolo”, numa mistura às vezes confusa entre psicologia de gosto duvidoso, análise astrológica simplificada e pseudo-ocultismo.
Jones tinha uma sólida base de conhecimentos de cabala, o que significa dizer: uma excelente compreensão do papel dos aspectos e das proporções geométricas. Tinha envolvimento suficiente com a cultura de massas para entender que era chegado o momento de uma Astrologia mais objetiva, capaz de falar a língua do cliente comum (e não o dialeto cifrado dos astrólogos). E tinha, finalmente, um bom nível de atualização com relação às correntes mais modernas da Psicologia.
Modelos Planetários, o casamento da Psicologia da Gestalt com a Astrologia Comportamental
A grande contribuição de Jones para gerações de astrólogos foi o desenvolvimento de uma teoria de base gestaltista para a compreensão do mapa natal. A ideia central da Gestalt, ou Psicologia da Forma, é que o todo é maior do que a soma das partes. A forma de um objeto é mais importante para nossa percepção do que os elementos que o constituem. Aplicado ao mapa, este princípio revoluciona toda a técnica de leitura, pois desloca o foco de atenção das qualidades isoladas de cada planeta para o desenho geral da carta.
Jones vê o mapa natal como um grande palco onde é possível perceber, num relance, qual a dinâmica da personalidade. Assim, dez planetas agrupados numa área estreita, não superior a um trígono, determinam uma psicologia de concentração de forças, de pessoas que “botam todos os ovos na mesma cesta”, numa grau extremo de especialização. É uma característica que se depreende do modelo de distribuição planetária, não importando se o Sol está em Virgem ou a Lua se encontra em Sagitário na casa 9. Os detalhes vêm depois, e são lidos sempre depois de devidamente contextualizados pela identificação do modelo básico.
O lançamento da teoria dos modelos planetários (planetary patterns), ou modelos de personalidade com base na distribuição planetária, aconteceu em 1941, através de um despretensioso livro chamado How to learn Astrology. Daí em diante, cada vez mais termos como Gangorra, Balde, Locomotiva, Salpicado, Tigela e outros popularizaram-se no jargão astrológico, fazendo parte hoje do repertório do astrólogo de orientação comportamental.
Jones trabalhou na teoria dos modelos até seus últimos livros, nos anos 70. Ao falecer em 1980, aos 92 anos, havia deixado uma das poucas contribuições realmente inovadoras para a Astrologia do século XX.
Lydia Vainer diz
Fernando , gostaria de fazer o curso de modelos planetários on line um abraço
Redação Constelar diz
Olá Lydia, o site da Escola Astroletiva está sendo totalmente reelaborado. Assim que reestrear, o curso de Modelos Planetários será um dos primeiros a ser oferecido.