Não é de hoje que a fértil imaginação dos desenhistas americanos cria personagens que parecem antecipar em alguns anos características e núcleos temáticos que serão corporificados na figura de um novo presidente da República. Já explicamos este mecanismo no caso de presidentes mais recentes, como Donald Trump, Barack Obama e até mesmo de Theodore Roosevelt, há mais de um século. Como escrevemos no artigo A menina superpoderosa que comanda a América, de março de 2005:
A arte – mesmo em suas manifestações mais óbvias e previsíveis – tem a capacidade de antecipar processos sociais que muitas vezes ainda sequer ganharam qualquer outro canal de expressão. Antes de eclodir no plano da manifestação visível, necessidades e expectativas coletivas emergem no imaginário, revelando-se aqui ou ali na pele de um personagem de ficção, na temática de um filme de sucesso, nos trejeitos de um herói das histórias em quadrinhos.
Assim foi, por exemplo com Franklin Delano Roosevelt, o presidente que enfrentou sucessivamente o drama econômico da Grande Depressão e os horrores da Segunda Guerra Mundial. Ao assumir, em 1933, o país estava quase falido. Mediante uma política econômica voltada para a geração de emprego e de energia elétrica barata, criou as condições para a retomada do crescimento industrial e a recuperação econômica.
Poucos meses antes do crash da Bolsa de Nova York, quando ninguém ainda poderia imaginar o tamanho da crise que aguardava o país, começaram a surgir nas tirinhas de jornal personagens com talentos e habilidades especiais, capazes de ações muito além da capacidade normal de um ser humano.
Foi o caso de Buck Rogers, primeiro herói de ficção científica, lançado em agosto de 1928; de Tarzan, o Homem-Macaco, cuja versão para quadrinhos surge no início de 1929; e de Popeye, o Marinheiro, cuja primeira história é publicada no mesmo dia da estreia de Tarzan.
Buck Rogers é um oficial americano que se transporta para o século XXV e ajuda a civilização do futuro a enfrentar os terríveis inimigos mongóis. Foi o precursor da ficção científica voltada para o público juvenil, que teria seu apogeu muitas décadas depois na série Guerra nas Estrelas. O rude Popeye resolve tudo com os superpoderes concedidos pelo espinafre, enquanto Tarzan simboliza o milagre da capacidade humana, ao crescer e assumir um papel de líder (“rei dos macacos”) num ambiente absolutamente hostil.
Tarzan dos Macacos (Tarzan of the Apes) foi criado pelo escritor americano Edgar Rice Burroughs em 1912. Já motivara inúmeros livros e alguns filmes quando foi transformado pelo desenhista Hal Foster em personagem de histórias em quadrinhos, em 1929. A partir daí tornou-se mundialmente conhecido do público infanto-juvenil.
Popeye, o Marinheiro, reúne noções de orgulho patriótico e de valorização do senso comum. Mesmo sendo feio, simples e um tanto bronco, tem uma elevada autoestima e coragem para enfrentar as novas situações. Um exemplo para o americano de classe média. Um dado curioso é que Roosevelt, eleito três anos depois do surgimento de Popeye, também havia sido marinheiro, tendo ocupado o posto de comandante da Marinha dos Estados Unidos entre 1912 e 1920.
A crise de 29 e a Grande Depressão que tem início em seguida levam os americanos a desejar sangue novo na presidência do país. Em 1933 toma possa Franklin Roosevelt, que, tal como Tarzan, enfrenta de início uma situação absolutamente hostil; tal como Popeye, resolve as situações de crise apelando para as reservas de energia disponíveis na terra (o “espinafre” de Roosevelt são as grandes hidrelétricas, cuja construção ao mesmo tempo cria novos empregos para milhares de desocupados e garante energia abundante para a indústria); e, tal como Buck Rogers, terá de enfrentar os “mongóis” na forma dos inimigos japoneses, durante a Segunda Guerra. Aliás, às vésperas do início da guerra, novos personagens surgem, desta vez com poderes de super-heróis, simbolizando o terrível esforço que aguardava os Estados Unidos e o futuro papel de maior potência mundial. Para citar os mais emblemáticos, lembremos o Superman (1938) e o Capitão América (1940). É preciso mais?