O dado mais impressionante sobre o encontro de Júpiter, Saturno e Plutão de 2020 é que esta tríplice conjunção ocorreu apenas cinco vezes nos últimos dois milênios, e estas ocorrências são simultâneas a processos históricos de máxima importância, com grande impacto sobre a a economia, a política, a sociedade e a cultura de cada época.
Uma conjunção é um aspecto exato – ou partil – entre dois planetas que, a partir de uma perspectiva terrestre, ocupam num dado momento exatamente o mesmo grau e o mesmo minuto da eclíptica. Conjunções são relativamente comuns e repetem-se a intervalos regulares: aproximadamente a cada 12-13 anos para Júpiter-Plutão, 20 anos para Júpiter-Saturno, 33 para Saturno-Plutão. Contudo, a conjunção exata (partil) de três ou mais planetas, todos no mesmo grau e no mesmo minuto, é praticamente impossível do ponto de vista estatístico.
O que chamamos de tríplice conjunção é, por esta razão, um conceito ligeiramente ampliado da conjunção convencional. Ela existe quando três planetas vão formando conjunções exatas, dois a dois, e o terceiro planeta encontra-se muito próximo, em órbita razoavelmente estreita, de forma que os três planetas mesclam seus significados e sua atuação ocorre em bloco.
É o que acontece ao longo de 2020 e início de 2021 com Júpiter Saturno e Plutão, conforme podemos acompanhar no gráfico abaixo:
É fácil observar que Júpiter não chega a participar da conjunção Saturno-Plutão de 12 de janeiro, já que o arco entre os três planetas ainda é superior a treze graus. Contudo, a partir de fevereiro os três planetas vão-se aproximando até alcançar uma órbita de apenas 4º03′ em novembro, quando da terceira conjunção partil Júpiter-Plutão. Durante onze meses estes planetas ativam uma estreita faixa de oito graus, entre 22º de Capricórnio e 0º de Aquário, sendo que os graus mais afetados são exatamente 22º e 24ºde Capricórnio (atenção para países ou personalidades públicas com planetas nesta faixa dos signos cardinais).
Tríplices conjunções de planetas geracionais (de Júpiter a Plutão) são fenômenos raros, estando associados a processos de enorme alcance. A última configuração desta natureza foi a tríplice conjunção entre Saturno, Urano e Netuno, no início dos anos noventa, que desencadeou transformações decisivas na geopolítica mundial. Para lembrar apenas algumas, trata-se do período da dissolução da União Soviética, da reunificação da Alemanha, da queda do Muro de Berlim e do surgimento de mais de duas dezenas de novas nações independentes.
Buscando o significado da tríplice conjunção
A melhor maneira de determinar o significado e o alcance de uma nova tríplice conjunção é analisar as ocorrências de natureza política, econômica, social, religiosa ou militar associadas aos encontros planetários anteriores. Mesmo que ocorram em épocas históricas bem diferentes e afastadas no tempo, sempre será possível buscar por características comuns que permeiam todas as ocorrências passadas, processos que se repetem em suas linhas gerais – enfim, o eixo organizador comum a todas as manifestações do ciclo.
No caso da tríplice conjunção de Júpiter, Saturno e Plutão, o fato mais espantoso é que, considerando uma faixa de aproximação entre os três planetas de no máximo seis graus, esta configuração ocorreu apenas cinco vezes nos últimos dois milênios, sendo que a mais recente está afastada de nossa época por mais de 870 anos!
A mais antiga destas conjunções na era cristã ocorreu no ano 113, em plena fase de apogeu do Império Romano. Na época, o poder de Roma expandia-se para o Oriente, prenunciando um choque com duas potências regionais da época. A primeira era a Armênia, então ocupando um território muito mais extenso do que o atual, que correspondia ao espaço geográfico da moderna Armênia mas também da Síria, de Israel, e de porções consideráveis da atual Turquia e norte do Iraque.
A outra potência – a mais poderosa e com maior potencial de expansão – era o Império Parta, que correspondia, grosso modo, ao território do atual Irã e à porção centro-sul da Mesopotâmia (atual Iraque). Os partas eram os herdeiros da tradição persa e constituíam uma rica civilização cujo impulso de crescimento levou-a a expandir-se até o litoral do Mediterrâneo.
As vitórias romanas resultaram na anexação da Armênia e na neutralização do projeto imperialista dos partas, que perderam fôlego e parte do controle sobre as importantes rotas comerciais que ligavam a Índia e a China ao Mediterrâneo, através da Ásia Central.
Esta primeira tríplice conjunção da era cristã teve, portanto, um poderoso impacto sobre a vida no sul da Europa e em todo o Oriente Médio. No confronto entre as maiores potências do Ocidente (Roma) e do Oriente Próximo (Império Parta), saiu vencedor o poderio romano. Enormes regiões mudaram de mãos e os rumos da área do Mediterrâneo Oriental e do Oriente Médio sofreram uma profunda transformação.
A conjunção de 411 e o saque de Roma
Três séculos mais tarde os mesmos planetas voltam a se encontrar, desta vez no final de Touro e início de Gêmeos. O outrora imbatível Império Romano encontra-se em decadência. Povos bárbaros invadem as fronteiras e instabilizam a vida nas províncias. As instituições estão em crise, e sucedem-se os golpes de estado. O exército é constituído quase exclusivamente por mercenários, a maioria estrangeiros. Neste quadro caótico, um obscuro povo nômade da Europa Oriental irrompe na península itálica e consegue cercar e saquear Roma, no ano de 410. Se bem que a decadência romana já viesse desde o século anterior, este fato tem enorme importância simbólico, sendo considerado um dos marcos da transição da Antiguidade para a Idade Média. A partir daí, a Europa, antes unificada pelo controle latino, fragmenta-se cada vez em pequenos reinos bárbaros.
Após o saque de Roma, os visigodos seguem adiante pelo litoral do Mediterrâneo e terminam por fixar-se na Península Ibérica, onde fundam um reino. É a origem da atual Espanha.
A conjunção de 710 e a expansão islâmica
A tríplice conjunção seguinte ocorre em Câncer, em 709 e 710. No século anterior, uma nova força política, militar e civilizatória surgira no Oriente Médio, organizada em torno da religião fundada por Maomé. A nova potência é o Califado Omíada, primeiro com sede na Arábia e posteriormente em Damasco, na Síria; e a religião é o Islamismo, hoje praticado por mais de um bilhão de fiéis. A expansão islâmica avança pelo Mediterrâneo com uma força irresistível e, sob a conjunção Júpiter-Saturno-Plutão, ocupa a Espanha, submete os visigodos e implanta um califado muçulmano em plena Europa. As consequências são tremendas: durante os séculos seguintes, e até nossa época, a tônica das relações entre a Europa e o mundo asiático será dada pelo confronto entre as civilizações cristã e muçulmana.
A conjunção do mundo feudal
Em 848-849 ocorre mais uma tríplice conjunção. Trinta anos antes, após a morte do Imperador Carlos Magno, o império dos francos dividira-se entre três novos reinos, dois dos quais dariam origem às futuras França e Alemanha. Vivia-se ainda o clima de um pequeno renascimento cultural e reativação da vida econômica. Navios cristãos singravam o Mediterrâneo e mantinham comércio com o Oriente. Contudo, a campanha de muçulmanos do norte da África pela conquista da Sicília acaba resultando na instalação de um emirado naquela ilha e no fechamento do Mediterrâneo ao comércio cristão. A Sicília ocupa uma posição estratégica, sendo essencial para o controle da navegação entre o Mediterrâneo Ocidental e Oriental. Sua conquista resultou em instabilidade para o comércio e para a geopolítica regional.
Esta foi a tríplice conjunção mais exata da era cristã, e também aquela associada a transformações históricas mais difíceis de perceber à primeira vista. O fechamento do Mediterrâneo não se deu num momento determinado, e sim foi resultado de um processo que se estendeu por décadas. Com as crescentes dificuldades para o comércio – também ampliadas com a pirataria dos vikings e magiares – a Europa cristã mergulha pouco a pouco numa fase em que predominam as pequenas unidades de produção agrária autossuficiente. O comércio e a vida urbana reduzem-se drasticamente e toma forma o sistema de produção político, econômico e social que ficou conhecido pela denominação de Feudalismo.
Esta situação só começa a ser revertida trezentos anos mais tarde, com a última tríplice conjunção antes da atual. Em 1146-1147 Júpiter, Saturno e Plutão encontram-se em Touro. É o momento em que as principais potências europeias estão mobilizadas num enorme empreendimento de natureza militar, com vistas à reabertura das rotas de peregrinação (este era o pretexto) e de expansão econômica (esta a verdadeira causa) para o Oriente. São as Cruzadas, a primeira das quais acontecera em 1095, ainda sob a égide da conjunção Urano-Plutão de 1090.
A Segunda Cruzada tem lugar precisamente em 1147 e é a primeira a contar com a participação de chefes de estado europeus: seus líderes foram o rei Luis VII da França e Conrado III do Sacro Império Romano Germânico. Contudo, a expedição terminou com uma retumbante derrota para os cristãos, que perderam territórios no Oriente Médio e tiveram de esperar por mais quarenta anos para uma nova tentativa.
As cinco ocorrências da tríplice conjunção guardam entre si diversas analogias intrigantes à primeira vista mas absolutamente concordantes com a natureza dos planetas envolvidos. Compreendê-las permite lançar luz sobre o encontro de Júpiter, Saturno e Plutão de 2020-21, assunto do artigo O mundo em 2020: acerto de contas com a Idade Média.