Muitos astrólogos tentam provar um suposto caráter científico da Astrologia através de justificativas acerca da sua precisão ou de métodos estatísticos, tentando convencer cientistas ou setores acadêmicos de seu valor ou validade. Contudo, quase ninguém afirma a condição do astrólogo enquanto praticante de uma arte, no sentido mais enfático que esta formulação possa ter.
Numa época trágica em que a própria ciência não só vacila diante de dilemas científicos em campos que vão desde a genética até as políticas ambientais, mas também se mantém presa a padrões que a própria vanguarda científica já considerou superados há décadas, ou melhor, há mais de um século, a grande média da comunidade científica permanece atrelada a um viés quantitativo e preocupada com leis físicas e mensurações de todo tipo. Quando vejo um ou outro astrólogo querendo provar o caráter científico da Astrologia, me pergunto: será que é neste tipo de ambiente que devemos tomar parte?
A carta como arranjo simbólico
Ora, uma Carta Natal é um arranjo simbólico capaz de dar conta da singularidade sincrônica e diacrônica do próprio indivíduo, almejando a totalidade do seu ser, seu “holismo” particular. A interpretação do Mapa não tem fórmulas preestabelecidas; os símbolos nele contidos estão impregnados de nossa experiência particular, seja no Tempo (época) ou no Espaço (lugar).
E por que letras maiúsculas? Porque diante de uma verdadeira “ontologia quantitativa”, cuja tradição científica e econômica reduz o tempo a um mero calendário cumulativo e uniformiza o espaço pela universalidade das leis físicas, restringe-se não apenas o “opus” do astrólogo que queira se orientar por estas bases, mas a própria plenitude e criatividade do ser.
Pois bem: o astrólogo, através da tentativa de elaboração de um “retrato sempre em movimento” do seu objeto de estudo – seja um cliente, um empreendimento ou mesmo uma nação – “desenha e pinta” esse retrato dialogicamente (eu-tu/Martin Buber), isto é, busca uma interação completa entre sujeito e objeto de forma a melhor caracterizar o objeto como sujeito de si, rompendo a alienação de si mesmo, alienação esta que usurpa o holismo subjetivo através da discrepância de uma cultura, ou melhor, de uma ontologia quantitativa que tudo mensura pelo dinheiro, pelo relógio, pela “racionalidade” científica e pelo calendário, solapando a própria dimensão cósmica da natureza.
A Carta Natal e a Astrologia são, portanto, uma obra de arte. Com seu labor, que é opus, o astrólogo contribui para a formação e o enriquecimento de sua própria personalidade na busca de uma “configuração harmônica do eu” e dos “outros” contra a tragédia do indivíduo dilacerado pela modernidade, que engendra a perda de sentido, o trabalho burocratizado ou mecânico, a pressão do consumo etc.
Astrologia e coesão subjacente
Nesta “obra de arte”, são imprescindíveis a Criatividade, o Devaneio, o Ensaio; formas livres e inacabadas que não restringem o objeto de estudo e a sua prática pessoal às condições simplórias de uma ontologia da mensurabilidade. Na “construção” desta eterna teia por se fazer e por se reconhecer a si própria, a Astrologia não pode e não deve abrir mão do estabelecimento de relações com outras fontes de saber, principalmente aquelas que extrapolam a ideia de ciência e por isso mesmo “artísticas” ou “técnicas”, que multidirecionam os seus próprios caminhos.
A afirmação desta inalienável coesão subjacente à natureza individual (ou de qualquer objeto que se queira “interpretar”), permite uma hermenêutica que tem a obrigação de ao menos atenuar a pressão homogeneizante que usurpa o direito da pessoa ser ela mesma e da própria Astrologia também ser ela mesma, num nexo mais que profundo com a natureza “anímica”.
Sabemos, contudo, que o sentido do indivíduo nunca é uma coisa acabada e unívoca e, por isso mesmo, é incomensurável. E nisto reside a nossa arte. A obra de arte se opõe, inexoravelmente, ao nivelamento e à burocratização do tempo, do espaço, do ser e da natureza aos quais a ciência e a economia insistem em nos manter atados. Através destes paradigmas só nos restará um beco sem saída. Negando-os categoricamente, resgatamos nosso caráter utópico e reconciliador, colaborando para a sua superação.
Ismael Gil diz
Felicidades por el artículo. Estoy totalmente de acuerdo en fondo y forma. Un gran aporte.