O eclipse de abril x a oficialização
do Catolicismo (380 d.C.)
No conjunto, esta comparação fala de
um conclave que se realizaria sob forte clima de radicalização,
com resultados inesperados e escolha de um papa que teria de enfrentar
- seja por suas escolhas políticas seja pelas circunstâncias
do momento - pesadas questões relacionadas a violência,
terrorismo e polarizações político-religiosas.
Se bem que Ratizinger sempre fora cotado como
um forte candidato, a maioria dos especialistas duvidava de suas
possibilidades de vitória. Segundo eles, Ratzinger tinha
inimigos demais, áreas de atrito demais, e o conclave deveria
acabar chegando a um nome de consenso, não tão desgastado.
O que sucedeu foi exatamente o retrato da combinação
astrológica entre as cartas da lunação e daquela
remota oficialização da Igreja Católica, no
ano de 380.
É como se a Igreja, subitamente privada da
figura de um pai carismático, fosse agitada por uma onda
de motivações arcaicas, remotas, como um cachorro
que de repente resolvesse morder o próprio rabo. Num movimento
circular, o conclave estará sintonizado com as grandes questões
que já assombravam a Igreja naqueles séculos iniciais:
a mistura entre a religião e o poder temporal, o conflito
entre centralização e descentralização
administrativa, as velhas desconfianças entre a Igreja Católica
e a Igreja Ortodoxa, a afirmação dos dogmas e da
liturgia e a discussão de estratégias para o enfrentamento
dos "bárbaros".
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Ao adotar o nome de
Bento XVI, Ratzinger prestou uma homenagem a Bento XV (foto),
que liderou a Igreja durante os horrores da I Guerra Mundial. |
Ratzinger foi durante 23 anos o guardião
da Congregação para a Doutrina da Fé do
Vaticano, órgão que ficou no lugar do antigo tribunal
da Inquisição. Na função de moderno
"Grande Inquisidor", o novo papa "calou sacerdotes
latino-americanos da Teologia da Libertação, como
o voto de silêncio imposto ao frei Leonardo Boff, um dos líderes
da corrente" (site de O Globo, 19.4.2005). A eleição
do Grande Inquisidor para o papado não poderia
ser mais significativa deste retorno da Igreja às questões
que a agitaram em épocas remotas. Quanto ao que chamamos
"enfrentamento dos bárbaros", basta lembrar que
Ratzinger se opôs de forma contundente à pretensão
da Turquia (um país muçulmano) de entrar na Comunidade
Européia, a pretexto de que a identidade cristã do
continente precisaria ser preservada.
Este dogmatismo que chega às raias do
discriminatório e de uma postura fortemente seletiva em relação
a tudo o que é diferente pode ser visto no mapa de Bento
XVI por várias configurações:
a) a já referida presença de
Saturno em Sagitário na casa 9;
b) a quadratura da Lua em Libra na 7 a Plutão em Câncer
na 5 (uma configuração relacionada a restrições
na livre manifestação do outro - controle, portanto);
c) a quadratura de Júpiter-Mercúrio na 1 a Marte na
4 (tendência querelante e não conciliadora).
Em resumo: no rigor teológico de Ratzinger
parece não haver tanto espaço para a generosidade
quanto a que caracterizou João Paulo II (Júpiter-Netuno
no Meio-Céu) no contato com outras culturas e religiões.
Todas as comparações mostram um conclave
que se encaminha para a escolha de um papa mais guerreiro e mais
"duro" do que seus antecessores. As três sinastrias
diferem nos detalhes, mas concordam ao destacar um tom de inflexibilidade
e de risco de confrontos na gestão daquele que São
Malaquias já chamava, há muitos séculos, De
Gloria Olivae. Ao escrevermos este artigo ainda não sabemos
quem será este personagem. Mas já temos o suficiente
para sabermos que, com ele, a Igreja entrará no olho do furacão.
Bem... agora já sabemos muito bem quem
é o novo papa. E Bento XVI se encaixa como uma luva neste
perfil. Alguns exemplos: segundo a Folha Online, em matéria
de 19.04.2005, Ratzinger (definido como um "ultraconservador")
condena homossexualidade por ser "uma depravação
e uma ameaça à família e à estabilidade
da sociedade". É contra a adoção de crianças
por casais do mesmo sexo e "preparou em 2003 uma campanha mundial
contra a legalização da união civil homossexual".
Tudo isso levou Luiz Mott, antropólogo e fundador do Grupo
Gay da Bahia, a declarar que o Espírito Santo devia "estar
caduco" ao permitir "a eleição do teólogo
mais intolerante e anti-homossexual na história recente da
igreja". Já o teólogo e escritor Leonardo Boff
declarou ao Estado de S. Paulo que "haverá dificuldade
em amar esse papa, por causa da posições perante a
Igreja e o mundo".
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Ratzinger é
eleito papa - 19.4.2005, 18h05 - Cidade do Vaticano - 41n54,
12e27. Este mapa apenas confirma aspectos já presentes
no próprio mapa de Joseph Ratzinger: a ênfase em
Júpiter (no Ascendente) e em Urano (oposto à Lua).
Mais uma vez confirma-se a noção de um papa "espaçoso"
e "dono da verdade". |
Por outro lado, segundo a mesma Folha de
S. Paulo, Ratzinger, no auge dos escândalos de pedofilia
envolvendo padres norte-americanos, chegou a dizer que era uma "campanha
maquinada" a "constante presença na imprensa de
pecados de padres católicos". Se lembrarmos que nada
trabalhou mais fortemente contra a imagem do clero católico
nos últimos tempos do que a revelação dos casos
de padres envolvidos em abusos sexuais, a atitude injustificavelmente
corporativista de Bento XVI pode resultar em mais reações
contrárias. Até porque o prelado alemão é
implacável em outros aspectos, defendendo, por exemplo, a
recusa da comunhão aos divorciados que voltarem a casar.
Seria injusto, porém, demonizar apressadamente
Bento XVI. O novo papa, durante o longo pontificado de João
Paulo II, assumiu publicamente diversas posições duras
e impopulares, mas que apenas representavam o pensamento oficial
da Igreja naquele momento. Por sua disposição para
a polêmica, atraiu para si muito do ressentimento contra posições
que, na verdade, também eram de João Paulo II e de
toda a cúpula do Vaticano. Com certeza não faltam
ao novo papa coragem e assertividade, nem os atributos de um teólogo
preparado e administrador competente. Se a comunidade católica
terá agora um papa mais seco e inflexível, é
porque houve uma escolha coletiva. Se Ratzinger é ultraconservador,
a responsabilidade pelos eventuais retrocessos que patrocinar cabe
também a todos o colégio de cardeais. O que os mapas
mostram não é o fruto da ação isolada
de um único homem, mas sim a perfeita ressonância entre
toda a cúpula católica e aqueles velhos mapas do século
IV que viram surgir - mais do que uma religião - um vasto
projeto de poder para o mundo ocidental.
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Fernandes.
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