A cada eleição de um novo papa, ou a cada acontecimento importante envolvendo a Igreja Católica, astrólogos recorrem ao mapa da criação do Estado do Vaticano, em 1929, para embasar suas análises. Trata-se de uma boa linha de investigação? A resposta parece ser um redondo não.
O atual status do Vaticano como um Estado independente resultou de um acordo entre o papa Pio XI e o ditador fascista que então governava a Itália, Benito Mussolini. Na verdade não foi uma criação, mas uma restauração, já que a Igreja, durante séculos, gozou de autonomia política com jurisdição sobre extensos territórios. Esta situação só fora modificada durante o século XIX, quando os acontecimentos decorrentes das guerras napoleônicas e da unificação italiana reduziram drasticamente a importância da Igreja como potência política e econômica.
Assim, a (re)criação do Estado do Vaticano teve, antes de tudo, efeito diplomático, significando o reconhecimento pelo governo italiano da existência da Santa Sé como um poder político autônomo. O mapa do Vaticano não explica a enorme importância da Igreja Católica, nem a primazia do papa – o antigo Bispo de Roma – sobre as demais autoridades eclesiásticas. Para entender tais questões é preciso ir mais longe.
Tradicionalmente os católicos remetem o início do papado ao ministério do apóstolo Pedro, que, três décadas após a morte de Jesus, deslocou-se para Roma com o objetivo de pregar o Evangelho e liderar a nascente comunidade cristã. Contudo, o apostolado de Pedro e seus sucessores era exercido de forma clandestina, já que o Cristianismo, que não contava com o reconhecimento oficial, passou a ser objeto de terríveis perseguições.
Pouco a pouco, porém, o crescimento da comunidade cristã – inclusive entre os soldados do império – levou a uma convivência mais pacífica com as autoridades públicas, até que, no ano 312, o Imperador Constantino, inspirado por visões místicas antes de uma batalha contra seu rival Maxêncio, decidiu incorporar símbolos cristãos ao estandarte do exército que comandava. Vitorioso, fez publicar no ano seguinte o Edito de Tolerância (ou Edito de Milão), pelo qual concedia aos cristãos plena liberdade de culto. Daí em diante estava aberto o caminho para a transformação do Cristianismo em religião oficial.
Em 323 o imperador Constantino professa publicamente sua conversão ao Cristianismo. Em 325, realiza-se o Concílio de Niceia (cidade da Anatólia, atual Turquia). É o primeiro concílio ecumênico da Igreja, tendo sido convocado pelo próprio imperador. O encontro reúne aproximadamente trezentos bispos, fixa os principais dogmas da fé e condena as primeiras heresias. Pode-se considerá-lo como o ato de fundação da Igreja Católica como a conhecemos hoje. Contudo, faltava ainda transformá-la em religião oficial do Império. Isso só vem a ocorrer em 380, por decreto do imperador Teodósio, que logo no ano seguinte convoca o Concílio de Constantinopla.
Quando se fecha o século IV, já temos então uma igreja organizada e oficial. Faltava apenas consolidar sua hierarquia, com a definição da primazia de uma única autoridade eclesiástica sobre todas as demais. Isso só vem a acontecer em meados do século seguinte, como nos informa Carlos Hollanda:
O primeiro papa que pode ser considerado com tal título, segundo Ferdinand Lot, em O fim do mundo antigo e o início da Idade Média, é Leão Magno, ou Leão I, que passou a ter soberania (principado, “primaz” – primeiro) sobre os outros bispos. Isso ocorre entre 440 e 461 d.C., durante seu “governo” no Império Romano do Ocidente.
Uma questão notável sobre Leão Magno são seus esforços para impedir ou mitigar os efeitos da invasão dos hunos e dos vândalos em Roma, com acordos entre ele e o próprio Átila, em 452, e com uma ida ao acampamento dos Vândalos para negociar com Genserico, em 455, uma invasão que não fosse marcada pela tortura dos romanos ou pelo incêndio da cidade. Nesse último caso ele deu azar: os vândalos saquearam Roma, deixando em pé somente as basílicas.
Contudo, pode-se argumentar também que o conceito da primazia de Roma já estava presente desde o Concílio de Constantinopla, convocado por Teodósio em maio de 381 (data ignorada), cujas discussões já focalizam um problema que afetará a Igreja Cristã durante muitos séculos, até sua cisão em 1054:
Outra resolução aprovada pelo Concílio dizia respeito à sede episcopal de Constantinopla. Estabelecia-se a precedência do bispo na Nova Roma (Constantinopla) sobre os outros patriarcas da Igreja Oriental, mas abaixo do bispo de Roma. Vemos aqui estabelecida uma nova hierarquia entre as igrejas e o lançamento das bases que servirão posteriormente para as aspirações ecumênicas do patriarca de Constantinopla. [GIORDANI, Mario Curtis. História do Império Bizantino. Vozes, Petrópolis, 1968.]
Um último passo no processo de constituição do poder da Igreja foi a aliança entre o papado e o reino dos Francos, no século VIII. Como parte de um acordo de mútua proteção, em 756 o rei Pepino, o Breve, faz extensas doações de terra à Igreja, semente do futuro poder temporal do papa. Mas o grande ato simbólico que fixa esta aliança é a restauração do conceito de um Império Romano capaz de unir política e religiosamente toda a Cristandade. O momento que simboliza tal restauração é a coroação de Carlos Magno pelo papa, na noite de Natal do ano 800. Pode-se considerar este o último dos grandes mapas-matrizes da Igreja Católica.
Tal como a carta da (re)criação do Vaticano, em 1929, trata-se de um mapa com ênfase em fatores piscianos: Júpiter e Lua estão em conjunção em Peixes enquanto Netuno é o planeta mais destacado, pela sua posição no Ascendente.
Veremos a seguir, com mais detalhes, os mapas de três momentos marcantes da formação da Igreja Católica, que foram a definição do Credo, a oficialização da Igreja Católica e a ascensão ao poder de Leão I.
“Creio em Deus Pai…”: em Niceia, está nascendo a Igreja Católica
O Concílio de Nicéia, de 325, define o momento em que a Igreja se organiza claramente como instituição, estabelecendo seus dogmas, princípios litúrgicos e organização interna. Pode ser considerado como um ato de transformação do Cristianismo primitivo, espontâneo e místico, numa religião estruturada, com uma casta sacerdotal hierarquicamente definida. Apenas a partir do Concílio de Niceia é que se pode falar em Igreja Católica Romana, como a conhecemos hoje.
A abertura do concílio deu-se em 20 de maio de 325, sob uma conjunção de Urano e Plutão em Aquário. Conjunções Urano-Plutão são de grande importância como demarcadores de avanços econômicos e tecnológicos, assim como de momentos em que se formam as condições para grandes concentrações de capital que proporcionarão surtos de desenvolvimento da atividade econômica. Efetivamente a Igreja cumpriu, ao longo dos séculos, um papel de grande importância na vida econômica da Europa, seja como proprietária de terras seja como impulsionadora do renascimento comercial, através das cruzadas.
Entretanto, o grande momento do Concílio de Niceia não foi o de sua abertura, mas o da definição do Credo:
A 19 de junho o Concílio aceitou o símbolo de fé que deixava bem clara a doutrina sobre o Pai e o Filho (…). Declarava-se expressamente que o Filho é da substância do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não feito, consubstancial com o Pai. (…) Entre outros assuntos tratados pelo Concílio figurou a fixação da Páscoa (…). Foram aprovados vinte decretos curtos chamados cânones que tratavam de assuntos disciplinares, da sagração dos bispos e dos direitos patriarcais de Alexandria, Roma e Antioquia. [GIORDANI, Mario Curtis. História do Império Bizantino. Vozes, Petrópolis, 1968.]
O mapa daquele dia decisivo para a história do nascente Catolicismo mostra o Sol em conjunção com Saturno, aspecto adequado para um momento em que se definiam as estruturas da nova religião. O Sol também está em trígono com a conjunção Júpiter-Urano-Plutão em Aquário. Apenas Netuno não participa dessa fortíssima configuração, talvez mostrando que o momento não era de fé, mas de pragmatismo. Naquele momento, um grande empreendimento era delineado – em parte às custas da traição da simplicidade do Cristianismo primitivo.
Todos os planetas envolvidos no aspecto de trígono estão no elemento Ar, dando conta da enorme capacidade de comunicação de que a Igreja iria dispor daí em diante, a partir da definição de seus dogmas. Efetivamente, o Credo aprovado naquele dia é conhecido hoje por mais de um bilhão de fiéis, em todo o planeta.
Enfim o poder: a Igreja Católica se torna oficial
O Concílio de Niceia preparou o terreno para um ato ainda mais significativo, que foi a elevação do Catolicismo à condição de religião oficial. Neste sentido, a importância do decreto do imperador romano Teodósio é enorme, conforme atestam estas palavras de Dom Estêvão Bettencourt:
Aos 28/02/380, o Imperador assinou um decreto que tornava oficial a fé católica “transmitida aos romanos pelo apóstolo Pedro, professada pelo Pontífice Dâmaso e pelo Bispo de Alexandria, ou seja, o reconhecimento da Santa Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Com estas palavras, Teodósio abraçava, para si e para o Império, o Credo que, proveniente dos Apóstolos, era professado então pelo Papa Dâmaso (…). Assim o Cristianismo, que Constantino I tornara lícito em 313, era feito religião oficial do Império Romano.
Um dos destaques do mapa é a conjunção Sol-Netuno em Peixes, o que significa dizer que a Igreja se associa definitivamente ao poder temporal num momento em que Netuno se encontra em domicílio. Observa-se também a presença de uma conjunção Saturno-Plutão em Áries, em órbita de oposição a Urano, o que relaciona a história da Igreja como instituição política a um ciclo planetário costumeiramente marcado pelo radicalismo, pelo terror e pelo uso da força como instrumento de conformação social.
Apenas para assinalar como o ciclo Saturno-Plutão afeta a vida da Igreja Católica e, por extensão, dos projetos de poder da sociedade ocidental, foi numa oposição Plutão-Saturno, em 2001, que terroristas de Osama bin Laden decidiram destruir um símbolo de poder em pleno coração de Nova Iorque, a Roma moderna. A propósito, veja-se o artigo O simbolismo de Gêmeos
na destruição do Ocidente, em Constelar.
Todo o importantíssimo Concílio de Constantinopla, convocado no ano seguinte, que irá ratificar e complementar as decisões do Concílio de Niceia de 325, ainda acontece sob o impacto dessas fortíssimas condições fundadoras: o novo ciclo Saturno-Plutão e a passagem de Netuno em Peixes. Cabe lembrar que a liturgia católica definida em Niceia e complementada pelo Concílio de 381 sobreviveu quase sem alterações até o Concílio Vaticano II (1962/65).
Leão Magno, o primeiro papa realmente papa
Se bem que haja muitas divergências entre historiadores, é certo que a afirmação de Roma como sede do mundo católico não foi imediata. Nos séculos IV e V Roma já era uma cidade decadente, ultrapassada em importância por outros centros mais dinâmicos na parte oriental do Império, como Alexandria, Antioquia e a recém-fundada Bizâncio (Constantinopla). A luta pela hegemonia entre os bispos de Roma e de Constantinopla foi tenaz, sendo que apenas a partir de Leão I, chamado Magno, é possível falar verdadeiramente de um papa no sentido de líder de toda a Cristandade.
Leão chega ao trono pontifício no ano de 440. O ciclo que se inicia naquele ano não poderia ser mais significativo: trata-se de uma nova conjunção Urano-Plutão, agora em Gêmeos, a primeira desde aquela outra em Aquário, do Concílio de Niceia.
Temos, então, a seguinte sequência:
ANO | EVENTO | CONFIGURAÇÃO |
325 | Concílio de Nicéia – Instauração da Igreja Católica – Credo e dogmas | Conjunção Urano-Plutão em Aquário |
380 | Oficialização do Catolicismo – Fixação dos dogmas | Conjunção Saturno-Plutão em Áries |
440 | Primeiro papa a afirmar o primado de Roma | Conjunção Urano-Plutão em Gêmeos |
A Igreja Católica e os ciclos Urano-Plutão
A conjunção Urano-Plutão de 1090 antecede de pouco o anúncio da primeira cruzada, em 1095, que mergulha a Cristandade em dois séculos de conflito com o mundo muçulmano pelo controle de poder em torno do Mediterrâneo.
Em 1201, uma nova conjunção Urano-Plutão anunciará a ocupação de Bizâncio pela quarta cruzada e a criação da Santa Inquisição, um instrumento de coerção e controle social que perseguirá hereges, dissidentes e contestadores durante séculos.
A conjunção Urano-Plutão de 1455, por sua vez, está relacionada a dois decretos papais que justificam e autorizam a prática da escravidão, especialmente em territórios africanos controlados por Portugal: são a Bula Dum Diversas, de 1452, e a Bula Romanum Pontifex, de 1455. No conjunto, estes dois atos eclesiásticos dão ao monarca português o direito de
invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão.
Conjunções Urano-Plutão indicam épocas de turbulência e de concentração de riquezas e de poder às custas dos mais fracos ou dos tecnologicamente desatualizados. Estas conjunções sempre estiveram por trás de momentos decisivos da história da Igreja, desde o início da Idade Média.
Fica evidente a existência de uma constante plutoniana nos momentos decisivos para a constituição da Igreja Católica enquanto estrutura de poder. Esta constatação pode guiar-nos na interpretação do papel da Igreja nos tempos atuais, bastando recordar apenas um fato: a mais importante tentativa de modernização da Igreja desde a Contrarreforma, no século XVI, foi o Concílio Vaticano II, inaugurado por João XVIII e encerrado pelo Papa Paulo VI exatamente quando Urano e Plutão fechavam mais uma conjunção, em 1965.
Vejamos o que diz a respeito o conhecido site Wikipedia (os destaques são nossos):
O Papa Paulo VI chefiou a Igreja numa época de transição entre as eras pré e pós-Vaticano II. À época [1962-1965] assistiu-se à revisão mais profunda da liturgia católica dos últimos séculos, a mudanças no sacerdócio, e a um mundo em mudança de valores com as taxas crescentes de divórcio, uniões de fato, liberdade sexual e legalização do aborto e das técnicas anticoncepcionais.
Colocando de outra forma: o último ciclo Urano-Plutão começa exatamente com uma tentativa de modernização da Igreja, que renova sua “tecnologia” com vistas a recuperar um público cada vez mais materialista. Mais até do que Paulo VI, a figura uraniana desta fase renovadora foi o Papa João XXIII, que morreu logo depois de convocar o concílio Vaticano II e dar a partida em uma verdadeira revolução na Santa Sé.