No alvorecer do século XXI surgiu uma verdadeira mania mundial por programas de TV no estilo reality show, formato em que o telespectador pode exercitar seu lado voyeur bisbilhotando o comportamento de gente comum (ou supostamente comum) submetida a situações de pressão. No Brasil, a moda foi explorada com sucesso pelo SBT, num programa chamado Casa dos Artistas, e em seguida pela Rede Globo, no até hoje existente Big Brother Brasil.
A ideia básica é confinar um grupo heterogêneo de pessoas num espaço fechado e forçar um processo de convivência onde os conflitos fatalmente aparecerão. Sob a permanente vigilância das câmeras, o grupo vai-se reduzindo, até que resta apenas um vencedor.
Que tipo de gente se submeteria a ficar dois meses trancado numa casa em companhia de estranhos e vigiada em seus mínimos atos pela curiosidade de milhões de espectadores? Que tipo de gente abriria mão por completo da privacidade no cumprimento das tarefas mais prosaicas, como lavar pratos, ir ao banheiro ou assoar o nariz? Cumpre analisar primeiro quais os signos e casas que descrevem a tônica geral deste tipo de brincadeira.
Reencontrar a subjetividade ou detonar o vizinho do andar de cima?
Para a psicóloga Marise Torres, que atua na área de treinamentos corporativos, o sucesso de programas como Big Brother Brasil e A Fazenda reflete o vazio da geração que, tendo crescido cercada pela tecnologia de informação, perdeu o referencial da própria subjetividade. “Nossos avós ainda cultivavam o diálogo, tinham algo para trocar. Já as gerações mais jovens não conseguem articular um pensamento completo. Então, o espectador se posta diante da TV para tentar flagrar um pouco de humanidade em pessoas que, por sua vez, não conseguem também juntar sujeito e predicado.”
Na opinião da psicóloga, o voyeurismo em si não chega a ser o nó da questão, pois o que o define é a gratuidade do ato de invadir a privacidade de outra pessoa, sendo um comportamento relativamente comum: “Todos têm um certo prazer em romper limites e descobrir segredos do outro”, diz. “É como ler o diário do irmão ou flagrar a intimidade de alguém observando pelo buraco da fechadura. Não resulta em nenhuma vantagem objetiva, é apenas um exercício lúdico. Existe voyeurismo porque nossa sociedade valoriza a intimidade.” E completa:
“Entre os índios, por exemplo, não há esse tipo de curiosidade. O fator doentio não está na curiosidade em si, mas na falta de vida interior, de referencial. O interesse exagerado nos atos mais corriqueiros do outro, como escovar os dentes ou tomar o café da manhã, reflete uma tentativa equivocada de ressubjetivação.”
Outra visão é a da psicóloga clínica Teresa Schort, que localiza o atrativo de programas como Big Brother Brasil na possibilidade simbólica de recuperar algum controle sobre o ambiente. Quem já não teve vontade de “detonar” o vizinho mal-encarado, que circula no elevador social com seu pitbull de estimação, ou a vizinha que passa o dia inteiro ouvindo no último volume o mais recente sucesso de Valesca Popozuda e MC Catra?
A realidade é que não conhecemos bem nossos vizinhos, e as relações que estabelecemos tendem a ser mais tensas do que agradáveis. Na vida real não podemos mandar o sujeito do apartamento ao lado para o Afeganistão, mas na brincadeira da TV (e que mobiliza também sites na Internet, smartphones, tablets, enfim, toda a parafernália interativa) isto não apenas é possível, como estimulado.
Teresa ressalta que a participação do público está claramente voltada para a punição: o público entra para eliminar concorrentes, impedir que alguém ganhe um prêmio, o que define a oportunidade da vingança perversa, do livre exercício da agressividade no nível do imaginário, em resposta à opressão do cotidiano.
O professor de História Manoel Cavalcanti aponta uma terceira direção: o sistema de escolha e eliminação de concorrentes de programas como Big Brother Brasil não passa de um simulacro de julgamento, semelhante ao processo eleitoral adotado hoje nos Estados Unidos e na maioria dos países democráticos, inclusive o Brasil. A partir de um conhecimento superficial dos concorrentes, a opinião pública identifica-se com este ou aquele, rejeitando os demais com base em preconceitos e classificações simplistas.
Para ele, é muito preocupante o fato de que Donald Trump, para citar apenas um caso, tenha sido eleito com base em julgamentos tão toscos e instantâneos quanto os que levam o público a escolher, entre a popozuda siliconada e o bad boy cheio de marra, quem vai permanecer na casa.
Casas astrológicas e distúrbios sociais
Cada um dos entrevistados aponta para um tipo de distúrbio social com evidentes correlações astrológicas. Assim, a psicóloga Marise Torres, ao falar da perda do referencial interior, fala de dificuldades de casa 4, que simboliza as bases familiares e emocionais, o recesso do lar, a intimidade e também a questão da territorialidade — de que maneira delimitamos nosso espaço pessoal de forma a nos sentirmos seguros e confortáveis.
Já a psicóloga Teresa Schort, ao falar no exercício de agressividade contra os “vizinhos simbólicos”, remete aos conteúdos da casa 3, que trata das relações de vizinhança, da contiguidade, do estabelecimento de processos de troca mediante o uso da linguagem — verbal ou não verbal.
Vizinhos normalmente moram na casa do lado, mas, no caso dos programas em pauta, é como se trouxéssemos o vizinho para dentro de casa, o que, em boa parte, é uma situação que pode ser associado a Gêmeos e à casa 3. Há a curiosidade do público, há as fofocas entre participantes, há um ambiente semelhante, enfim, ao que existiria numa vila de subúrbio onde cada morador, querendo ou não, acaba controlando a vida de todos os vizinhos, e sendo controlado por estes.
O professor de História Manoel Cavalcanti, por sua vez, ao lembrar a questão dos julgamentos, fala da problemática da casa 9, das nossas crenças e princípios éticos — e da profundidade ou superficialidade com que os utilizamos como critério para avaliar o mundo.
Mas os significados não se esgotam por aí. Como o programa é uma competição, naturalmente também estão em jogo os processos da casa 7, que representa os adversários, os combates, as alianças — tudo, enfim, que diz respeito ao outro. Se a casa 7 está em evidência, automaticamente a casa 1 também estará. Sendo esta a do Ascendente, que simboliza a autoimagem e a primeira impressão, o caminho para derrotar o adversário passa muito pelos significados do eixo Ascendente-Descendente. Cada competidor precisa seduzir (Vênus) a plateia (casa 7) projetando uma imagem positiva de si mesmo (casa 1).
Quanto às condições de confinamento e de restrição da liberdade em que o jogo se desenvolve, trata-se, antes de tudo, de casa 12, tradicionalmente associada às prisões e ao exílio.
Falamos em jogo? Então falamos da casa 5, do entretenimento, dos esportes e dos riscos assumidos voluntariamente. Quem se mete numa aventura dessas está atrás de um polpudo prêmio e de um lugar ao sol, imagem que remete imediatamente à casa 10, do status e das vitórias. Como a casa 2 é a casa 10 da 5 (a vitória no jogo), entende-se que o prêmio se traduza em dinheiro — e muito dinheiro.
Todas as demais casas vão acabar agregando seus significados à brincadeira, de uma forma ou de outra, mas estas são as mais importantes. Em resumo: é um jogo (casa 5) onde ganha dinheiro (casa 2) e evidência (casa 10) quem projetar a imagem mais positiva (casa 1), de forma a vencer os adversários (casa 7) num ambiente confinado (casa 12) que reproduz situações domésticas (casa 4) e relações de vizinhança (casa 3).
O público se diverte bisbilhotando a vida alheia (casa 3) e exercitando sua capacidade de julgamento (casa 9) a partir das informações fornecidas pelas câmeras invisíveis que a tudo vigiam (uma situação bem plutoniana).
Voltando agora à questão que nos interessa: que tipo de gente largaria seus afazeres cotidianos para arriscar a sorte num jogo perverso onde os mínimos atos pessoais são testemunhados pelo insaciável voyeurismo do público? Com raras exceções, não são exatamente pessoas comuns. A maioria já está com um pé no showbiz — modelos, atores, cantores — ou pelo menos pretende fazer parte deste meio profissional. São jovens, quase todos solteiros e de boa aparência.
Quase todos têm corpos malhados, a dentadura perfeita, quase ninguém ostenta barriguinhas sedentárias. Enfim, os concorrentes são escolhidos a dedo para maximizar o investimento publicitário.
Sagitário e Escorpião: os signos que se exibem na TV
A dinâmica astrológica de um programa de TV se define no momento de sua estreia e, por extensão, nas características dominantes durante a primeira temporada. O Big Brother Brasil estreou em 29 de janeiro de 2002, por volta das 22h00 (horário de verão), com Ascendente em Virgem e um forte stellium em Aquário na casa 5.
Quatro pontos despertam a atenção nesta carta:
- Virgem e Aquário são também o Ascendente e o signo solar do primeiro desfile das escolas de samba cariocas. São igualmente os signos presentes no mapa da Independência do Brasil, se bem que de forma invertida (Sol em Virgem e Ascendente em Aquário). Verifica-se, portanto, que o programa traz à tona representações astrológicas muito familiares ao público brasileiro.
- Há um forte stellium em Aquário (signo associado à vida social e ao primado da coletividade sobre o indivíduo) na casa 5 (do entretenimento e do espetáculo). Está aí, portanto, a ideia de transformar um grupo de anônimos (ou quase anônimos) em atração para seus “iguais”.
- No stellium de casa 5, o aspecto que se destaca é a conjunção Sol-Netuno. A passagem de Netuno em Aquário, de 1998 a 2011, marcou não apenas o auge do sucesso dos reality shows, como, por extensão, a glamourização (Netuno) de grupos de pessoas comuns (Aquário) cujas opiniões e idiossincrasias passam a ter a possibilidade de um protagonismo antes impossível. Não por acaso, o mapa da fundação do Facebook também tem uma conjunção Sol-Netuno em Aquário.
- A Lua em Leão oposta a Urano em Aquário coloca em evidência a imprevisibilidade das manifestações do ego inflado quando submetido a situações estressantes ou inusitadas.
Estão aí, portanto, desde a estreia, as características que fariam o sucesso do programa durante tantas temporadas. A audiência vem diminuindo a cada edição, especialmente a partir da entrada de Netuno em Peixes (2010/2011). O formato, apesar de desgastado, até pode resistir um pouco mais, se bem que jamais com a força do período de Netuno em Aquário.
Quanto aos participantes daquela primeira edição do Big Brother, em 2002, observamos uma forte ênfase, absolutamente acima da média estatística, na distribuição de planetas pessoais (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus e Marte) por alguns signos. O signo mais presente é Sagitário, seguido de Escorpião, Câncer e Gêmeos.
Considerando também os participantes das primeiras edições de A Fazenda (Rede Record) e Casa dos Artistas (SBT), encontramos uma distribuição semelhante, o que permite responder: quem corre para se expor aos olhos do público? As evidências apontam para pessoas com ênfase em signos de Fogo e Água. Os tipos terráqueos, mais discretos, ficam do outro lado do buraco da fechadura.
Podemos deduzir o óbvio: para os práticos e discretos tipos terráqueos, há coisas mais sérias a fazer do que “pagar micos” diante das câmeras. Pessoas com ênfase excessiva em Ar, muito racionais, também não devem ter agradado muito aos encarregados da seleção dos concorrentes, que preferiram o entusiasmo do Fogo e a afetividade da Água como alavancadores dos índices de audiência.
A tônica Escorpião-Sagitário sintetiza o participante-padrão deste gênero de programa: um tipo aventureiro, expansivo, alegre, comunicativo, por vezes exagerado e espalhafatoso (características sagitarianas) mas também com a obstinação necessária para levar a disputa até o fim e conviver de perto com o inimigo sem perder o controle. Com Gêmeos complementando o quadro, agrega-se a dimensão verbal: conversa, conversa, conversa…