Nelson Rodrigues insistia que uma nação só tem chance de revelar o seu destino se amargar de corpo e alma a morte de seus heróis e, com isso, carregá-los com orgulho nas costas da História. E assim, lembrar, para homenagear a vida e manter viva a memória, seus feitos, defeitos iluminados, seus atos inaugurais (ou inacabados, por falta de tempo). E numa espécie de espelho olhando espelho, encontrar-se fitando o exemplo em si mesmo.
Este é um artigo em três partes. Você está na primeira. Veja as demais:
Me diga: o que seria do Brasil sem a lembrança das conquistas de Ayrton Senna ou a eterna sensação do não-vivido que Tancredo Neves levou com ele? Ou, ainda, a saudade de Cazuza, Renato Russo, Chico Science, Henfil, Herzog, Betinho e tantos outros que se foram cedo. Muito cedo. Ninguém morre impunemente. Ainda mais no Brasil, que tem Mercúrio e Sol na casa 8 – a da Morte e da Herança e, por que não, a da Crise Eterna?
Em 6 de março de 2001, o Brasil perdeu mais um de seus heróis. Mário Covas, governador de São Paulo, morreu às 05:30h, por falência múltipla de órgãos decorrente de câncer da bexiga, no Incor – Instituto do Coração, em São Paulo, Capital. Procurar neste mapa indícios astrológicos do fato, depois do fato, é irrelevante. Além de estimular a banalização da morte e, portanto, da vida, tão em voga em nosso tempo, não contribui para a imagem da Astrologia. Assim fazendo, a Astrologia acaba se assemelhando àqueles advogados de porta de cadeia que aparecem nos velórios oferecendo seus préstimos. Mais importante é tentar entender, astrologicamente, o porquê e como Mário Covas se assemelha ao Brasil. O que, através dele, se reforça na alma brasileira e acompanhar-lhe a biografia, com o uso das técnicas de previsão, para verificar se era possível avisá-lo da possibilidade ou existência do câncer.
Plutão é descoberto e nasce Mário Covas, o Teimoso
Mário Covas Jr. nasceu no dia 21 de abril (Dia de Tiradentes) de 1930, às 09:00h, em Santos, São Paulo. Nasceu no ano em que Plutão – o Deus do Destino – foi “achado” no céu. É este mapa, com Sol, Vênus, Mercúrio e Cabeça do Dragão em Touro, Lua em Aquário, Ascendente em Gêmeos, Saturno em Capricórnio na casa 8, Urano em Áries, Netuno em Virgem e Plutão em Câncer.
Quem acompanhou os jornais e a cobertura do velório pôde ouvir seus amigos, colegas políticos e comentaristas, realçarem em sua personalidade características como severidade, teimosia, seriedade, cintura dura, intransigência, obstinação, lealdade, honestidade, franqueza (muitas vezes com valor de coice), características que comumente associamos ao signo de Touro. É sabido que Touro empaca feito mula, uma outra forma de dizer que sua teimosia é resistente como o diabo. Ou duro na queda, como o pensamento, por exemplo, de Sigmund Freud, um Touro com ascendente Escorpião. Essa coisa de ser duro na queda, resistente, também associamos aos demais signos fixos (Touro, Leão, Escorpião, Aquário). E Mário Covas tinha Lua em Aquário. A essa predominância de ritmo atribuímos também a sua força e poder de resistência, tanto às adversidades da saúde quanto aos inimigos da trajetória política. Sabe-se que ritmo fixo faz a pessoa ser uma fortaleza. Em consequência, por ser duro, também é resistente a mudanças, abominando qualquer processo de perda.
O Ascendente em Gêmeos fez com que tivesse o dom da palavra, já que o regente do mapa de Covas é exatamente o Deus da Comunicação – Mercúrio. Que novamente se encontra em Touro, fazendo com que se expresse com palavras duras, fixas, econômicas, e dificilmente retroceda após dizê-las, já que seguramente teria falado apenas após ter ruminado por muito e muito tempo uma mesma questão. A palavra taurina é a do bom senso, do possível, simples, concreta, leal. Aliás, a lealdade de sua palavra foi lembrada por muitos. Entre eles, Lula, Marta Suplicy, José Richa e José Genoíno.
Há inúmeros elementos no mapa que revelam o homem Mário Covas, com sutileza e profundidade. Por exemplo, aquele obsessivo e obstinado aspecto de oposição Plutão-Saturno. Mas o que quero fazer é me ater à sua biografia e mostrar alguns pontos utilizando as técnicas de trânsito, progressão secundária e arco solar.
A Construção do Destino
Aos 15 anos, Mário Covas sofre a separação dos seus pais. Nesta ocasião, Plutão em Leão fazia aspecto separativo de oposição à Lua em Aquário. A Lua é o elemento que revela nosso ninho e ambiente familiar. Plutão é um planeta que onde toca destrói, transforma, renasce. Dá para dizer que, toda vez que Plutão se opõe à Lua ou toca-a em progressão, há uma reestruturação do lar e dos elos afetivos. É um momento de explosão atômica dentro de casa. Também Netuno, o Deus-Que-Tudo-Dissolve, acompanhava este tempo avançando, em direção por arco solar , para o interior da casa 4 – a das raízes e da família.
Aos 16 anos, conhece Lila Covas, a futura esposa. Exatamente quando o Sol – o Eu, em arco solar, estava próximo da Vênus em seu mapa. O planeta Vênus, todos sabem, está relacionado com a experiência amorosa. Quando este ponto está ativado no mapa é possível ter como hipótese segura a experiência do relacionamento na vida da pessoa. Ou, dependendo do mapa, o nascimento dessa área da vida governado por uma das faces do feminino. Não quer dizer que a pessoa vá casar ou não, aliás Vênus não tem a ver com o casamento, mas sim com a experiência de elo com o Outro e com o próprio valor de dar e receber afeto. Casamento tem mais a ver com Saturno – o Senhor do Compromisso. Mas, mesmo assim, nesta ocasião, Saturno – O Construtor – estava conjunto , em trânsito , a Plutão – Senhor-Daquilo-Que-Está-Determinado, que alinhou a esse encontro a sensação de destino, de chamado, de função social.
Covas namora, noiva e, aos 24 anos, casa com Lila, que o acompanhará até os últimos dias. Casa exatamente quando Vênus em arco solar chega perto de Júpiter, e Júpiter em trânsito – regente da casa 7, a do Casamento – retorna ao seu ponto de nascimento. E Saturno – o Responsável, em arco solar, toca a Lua, estimulando a necessidade de elo afetivo seguro e duradouro. Sem falar da Lua em Sagitário, em progressão secundária, exatamente na casa do casamento – a casa 7. Evidentemente, se Covas tivesse consultado um astrólogo às vésperas de se casar, o profissional teria que conversar com ele sobre esse interesse e amadurecer essa vontade desenhada no mapa. Vênus em união com Júpiter deve ter feito dessa data uma grande festa, símbolo do encontro (Vênus) com a própria grandeza (Júpiter).
Aos 25, forma-se em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Aí conhece Paulo Maluf, seu colega de curso e futuramente inimigo político. Aqui Vênus-Mercúrio progredidos (arco-solar) em Júpiter – significador do brilho e cursos superiores. Nos dois anos seguintes, o despertar da política deve ter ocorrido em sua alma, já que o regente do mapa, Mercúrio, tocará exatamente Júpiter – o significador da política, das leis e verdades amplas.
Em 1961, aos 31 anos, com o apoio de Jânio Quadros, disputa e perde a eleição para a Prefeitura de Santos. Mas logo um ano depois, mais precisamente a 7 de outubro de 1962, é eleito deputado federal. Aí, se você examinar o mapa, notará a presença de Júpiter – corregente da casa 10 – a da imagem pública, unido em arco solar a Plutão – o Senhor do Destino. E mais: Júpiter em Peixes, em trânsito, aproximando-se também do Meio do Céu. Seguramente este é um momento de exposição pública. O mundo se volta para Mário Covas. Na minha experiência pessoal, toda vez que há Júpiter caminhando na casa 10, é certo que a pessoa terá a oportunidade de crescer na carreira que escolheu. Evidentemente, quando este movimento planetário é visto antecipadamente, o astrólogo precisa fazer a pessoa compreender que é preciso trabalhar rápido para que possa desfrutar dessa experiência de expansão de popularidade, no momento em que Júpiter se aproximar do Meio do Céu, porque nada cai do céu. E, desta compreensão, nasce o livre arbítrio e a função do astrólogo em estimular a compreensão de seu cliente para escolhas de forma a mais consciente possível. A disputa para a Prefeitura de Santos foi o preparo de Mário Covas.
Também sabemos que, quando Júpiter está por perto do Meio do Céu, é provável que a pessoa será reconhecida pelos seus, isto é, por gente que pode realmente avaliar sua atuação. Deus olhando Deus. Dois meses depois de eleito, quando Júpiter – o governante do Olimpo – faz, em trânsito, conjunção exata com o Meio do Céu, ele é escolhido vice-líder de seu partido. Tinha apenas 32 anos. Mário Covas tinha uma identificação muito forte com este planeta, muito porque Júpiter está na casa 1, a área do mapa que está relacionada com aquilo que mostramos ao mundo porque com isso nos identificamos. Ter Júpiter na 1 é ter a cara do grande deus que governava o Olimpo no imaginário grego, com seus ataques de fúria, grandeza de espírito e o poder de liderança que, segundo o mito, fez com que Júpiter guiasse a batalha, junto com os irmãos, contra o poder castrador do pai, Saturno. Uma guerra da luz contra as trevas. Ou em termos modernos, a democracia contra o Estado autoritário, que Mário Covas vai ver instalar-se brutalmente em nosso país.
Nesta ocasião há, também, Plutão em trânsito conjunto ao Fundo do Céu – a da casa e intimidade familiar, em oposição, obviamente, ao Meio do Céu, marcando novamente uma nova reestruturação do lar e da imagem pública. Não falamos que Plutão onde toca, transforma? Aliás, transformação é um eufemismo para perda, crise, destruição e para aquilo que é preciso assumir como necessidade urgente. Também neste momento há Saturno caminhando conjunto à Lua em Aquário. Quando se fala que Júpiter, Saturno e Plutão são planetas sociais, agentes públicos, através das pessoas, dá para entender com o exemplo de Mário o porquê de levarem esta alcunha. Saturno sobre a sua Lua é o preço cobrado para que Mário se transforme em homem público: a falta de contato com a família, já que, estando em Brasília, só a via nos finais de semana.