Nos últimos anos os neurocientistas têm demonstrado um especial e crescente interesse pelos processos cognitivos como a percepção e a memória. Com os modernos recursos da tecnologia já é possível ver hoje as imagens do cérebro em plena atividade, e esse mapeamento é o que permite a confirmação e a visualização das regiões onde se processam as emoções, o raciocínio lógico e a linguagem, entre outras coisas.
Os cientistas estão particularmente voltados para o entendimento das bases neurofisiológicas das emoções, ou seja, como o cérebro processa e distribui determinadas informações, que são a base de nossa percepção da realidade, e que dão o tom e o colorido da nossa existência. Esse conhecimento vem-se sofisticando e trazendo importantes esclarecimentos para entendermos de forma abrangente a influência dos estados emocionais na saúde.
Muito desse trabalho envolveu estudos sobre um tipo particular de emoção – o medo – e a maneira como eventos ou estímulos específicos vêm, através das experiências individuais de aprendizado, evocar este estado. Cientistas conseguiram determinar a maneira pela qual o cérebro molda nosso modo de formar memórias relacionadas a este evento emocional básico, porém significativo. Chamamos este processo de “memória emocional”. (LeDoux, 2004)
O chamado cérebro emocional é a estrutura cerebral de evolução mais antiga, e situa-se na camada mais profunda do cérebro. Ao redor desta estrutura há uma camada mais recente, denominada de novo cérebro ou neocórtex, o setor mais moderno do cérebro, em termos evolutivos, que responde pelos processos cognitivos, atenção, pensamento, linguagem e pela inibição dos instintos.
O sistema límbico, ou o cérebro antigo, está intimamente ligado ao corpo e responde pelo nosso equilíbrio fisiológico, ou seja, pelos batimentos cardíacos, apetite, sono, impulso sexual, respiração e pelo sistema imunológico. Esse equilíbrio dinâmico e autorregulador do nosso organismo é denominado homeostase, e é ele que nos permite manter-nos vivos. Os dois cérebros funcionam em conjunto e são igualmente importantes.
O sistema límbico e sua função
A estrutura do sistema límbico compreende o tronco cerebral, o tálamo e o hipotálamo.
Este último está alojado bem no meio do sistema límbico, recebe sinais de todas as partes do sistema nervoso, e possui um papel fundamental na regulação das glândulas endócrinas, como a tireoide, a pituitária, os órgãos reprodutores, as suprarrenais, que produzem vários hormônios, e no sistema imunológico.
Cito Damásio:
A regulação endócrina, que depende de substâncias químicas liberadas na corrente sanguínea e não de impulsos neurais, é indispensável para manter a função metabólica e dirigir a defesa dos tecidos biológicos contra micropredadores, como os vírus, as bactérias e os parasitas. (Damásio, 1996, p.146)
A organização celular do cérebro límbico é bem mais simples que a estrutura do córtex frontal. Foi ele quem garantiu, através de impulsos e comportamentos instintivos, seja de proteção ou de luta com os predadores na natureza, a sobrevivência da espécie humana. O sistema límbico está, portanto, relacionado também às emoções primárias inatas, e podemos entender que todos os processos de emoção e sentimentos da espécie humana também fazem parte desta estrutura neural.
O sistema límbico funciona junto com o sistema nervoso autônomo, SNA, numa rede de comunicação de mão dupla formada pelo sistema nervoso simpático e pelo sistema nervoso parassimpático, que funcionam de forma oposta e autorreguladora.
O primeiro acelera o corpo, mais especificamente sob a emoção da raiva, medo, ou perigo iminente: o corpo é acionado para o ataque ou fuga; a adrenalina, que é o hormônio do stress, aumenta a pressão arterial, contrai a musculatura e aumenta a circulação sanguínea e acelera o coração.
O parassimpático tem uma função oposta, atuando como um “breque” que vai desacelerar o corpo, gerando uma diminuição do ritmo do batimento cardíaco e da respiração. O sistema nervoso autônomo sempre mobiliza fisiologicamente o corpo: quando há alguma situação de stress, há uma situação de ativação fisiológica, seguida de uma desativação, e um retorno do corpo ao estado normal.
Ao longo da vida, o cérebro vai classificando as informações recebidas e responde a elas através do corpo, de acordo com a memória e as emoções decorrentes ou relacionadas aos eventos anteriores. No cérebro límbico há uma pequena estrutura chamada amígdala, que responde pelas emoções do medo; como uma sentinela emocional, ela rapidamente identifica sinais de perigo.
Diz Goleman a esse respeito:
… quanto mais intenso o estímulo da amígdala, mais forte o registro. As experiências que mais nos apavoram ou emocionam na vida estão entre nossas lembranças indeléveis. Isto significa, na verdade, que o cérebro tem dois sistemas de memórias, um para fatos comuns e outro para os emocionalmente carregados. (Goleman, 1995, p. 34)
Há um mecanismo cerebral que controla e classifica essas memórias mais ou menos conscientes, chamado marcador somático, que, de uma certa maneira, aciona mecanismos fisiológicos e emocionais, mas que pode agir de forma equivocada ou exagerada. Esse circuito emergencial do sistema nervoso autônomo, ao se tornar crônico ou se for demasiadamente ativado, vai gerar um desequilíbrio nos vários sistemas corporais e alteração nos tecidos orgânicos e celulares, que acarretarão doenças como gastrite, hipertensão, asma e enxaqueca, entre outros distúrbios.
Esses quadros associativos estão intimamente relacionados à memória, que é uma reconstrução de uma imagem, evento ou percepção matizada anteriormente por uma determinada emoção. A memória emocional está presente nas células corporais e reaparece em situações de stress, tristeza, pânico, ameaças etc.
Nas palavras de Menezes:
São as emoções que modulam a cada momento a construção das redes sinápticas cerebrais. A nossa percepção da realidade é influenciada não apenas pela integridade do tecido nervoso, como também pelo colorido que nosso psiquismo dá às nossas interpretações da realidade. Da mesma forma, ao lembrarmos fatos passados, nossa reconstrução da realidade terá o colorido não só da nossa percepção no momento em que estes fatos ocorreram, mas também dos sentimentos que tivemos em relação a eles ao longo do tempo. (Menezes, 2003).
Entendemos que o stress emocional ou social em si não é negativo, uma vez que até certo ponto pode promover o desenvolvimento psicológico do indivíduo. A leitura e a percepção distorcida dos eventos, e a atitude perante as dificuldades é que poderão levá-lo ao adoecimento.
Origem e dinâmica dos complexos
Na Psicologia Analítica sabemos que os complexos podem ter sua origem numa situação dolorosa ou traumática e são dotados de alta carga emocional. Segundo Jung, o complexo é como uma pequena psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria; através de sua manifestação podemos chegar ao inconsciente.
Sobre a natureza e a origem do complexo, ele diz:
A etiologia de sua origem é muitas vezes um chamado trauma, um choque emocional, ou coisa semelhante, que arrancou fora um pedaço da psique. (Jung, 1998 p. 204).
O complexo constelado ou ativado produz uma série de alterações fisiológicas:
Não podemos esquecer que os complexos são uma espécie de tecido interativo entre corpo e alma. Por isso não é espantoso que nos afete corporalmente, no momento que se ativam: batimentos cardíacos, energização excessiva, sufocamento, sonolência, letargia, insônia etc, não são raros. (Maroni, 2002, p. 113).
O complexo é também denominado personalidade autônoma ou parcial, e mesmo “subpersonalidades”, que, funcionando como satélites psicológicos, coexistem dentro da personalidade total. Dotado de vida própria, um complexo tem sentimentos, impulsos e crenças específicas; é, assim, determinante na constituição psíquica individual. Organiza-se frequentemente em torno de um tema arquetípico central.
Ainda sobre os complexos, diz Denise Ramos:
Assim, para Jung, tanto nas neuroses quanto nas psicoses, os sintomas de natureza somática ou psíquica originam-se nos complexos. Nas neuroses, os complexos sofreriam alterações contínuas, enquanto nas psicoses eles seriam fixos, impedindo o progresso da personalidade. (Ramos, 1994, p. 42).
Entendemos que a teoria do marcador somático, que dispara respostas de stress através do corpo, encontra seu equivalente conceitual e operacional na teoria dos complexos de Jung. Estes são ativados de forma autônoma e inconsciente, provavelmente quando a memória emocional é ativada, causando alterações de humor ou fisiológicas e um verdadeiro sequestro das funções cognitivas.
O complexo constelado, um verdadeiro ponto nevrálgico na vida psicológica, e que desencadeia sintomas e distúrbios psicossomáticos, está aqui descrito de forma bastante precisa pelo neurocientista David Schereiber:
Imagens, pensamentos, sons, cheiros, emoções, sensações físicas, crenças que se desenvolveram, como “estou sem saída”, estão todos estocados em uma rede neural que tem vida própria. Imprimida no cérebro emocional e desconectada do nosso conhecimento racional a respeito do mundo, essa rede se torna um pacote de informação não processada e disfuncional, que pode ser reativada à menor lembrança do trauma original. (Servan-Schereiber, 2004, p.93).
Fica claro, assim, que os complexos são inseparáveis de estados psicofisiológicos carregados de emoção.
Referências Bibliográficas
DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes – Emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: CIA das Letras, 2005.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro:Objetiva,1996.
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 1998.
LeDOUX, Joseph. E. Emoção, memória e cérebro in Revista Segredos da Mente, Nº 4, páginas 66 – 75, Duetto Editorial, 2004.
MARONI, Amnéris. Figuras da Imaginação. São Paulo: Summus, 2001.
MENEZES, Denise. Palestra “Bases Neurofisiológicas da Medicina Mente-Corpo”. Entre a psique a matéria – Novas Conexões. I Simpósio do Núcleo de Estudos Junguianos. São Paulo, 2003.
RAMOS, Denise Gimenez. A Psique do Corpo: uma compreensão simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
SERVAN-SCHREIBER, David. CURAR – o stress, a ansiedade e a depressão sem medicamentos nem psicanálise. São Paulo: Sá, 2004.