Nada é permanente, a não ser a própria impermanência das coisas. Tudo o que vive está sujeito à passagem do tempo, à degradação e à morte. Isso pode ser bom, pode ser uma virtude em vez de uma desvantagem, pois pressupõe a possibilidade da mudança.
Os monges tibetanos costumam exercitar o desapego construindo enormes mandalas de areia. Feitas de milhões de grãos de areia colorida, essas mandalas são consideradas ferramentas de modelação espiritual que, depois de prontas, são santificadas e destruídas com a mesma devoção e dedicação com que foram construídas. Depois toda a areia utilizada na construção é recolhida e lançada à água. Este procedimento simboliza a transcendência da vida e o despojamento em relação ao mundo material. A dissolução de uma mandala exemplifica o conceito da impermanência.
No século XX a Física teve um grande desenvolvimento, especialmente no que se refere à questão da divisão do átomo. A física quântica revolucionou a arena das ideias, não só no âmbito das Ciências Exatas, mas também no das discussões filosóficas. A Física Quântica envolve conceitos como os de partícula — objeto com uma mínima dimensão de massa, que compõe corpos maiores — e onda — a radiação eletromagnética, invisível para nós.
No início do século XX, experimentos demonstraram que ondas e partículas têm comportamentos semelhantes e são, portanto, complementares. Não se pode dizer que uma partícula está em movimento: ela é o próprio movimento.
Outros conceitos, como a não-localidade e a causalidade, levaram esta disciplina a uma ligação muito profunda com conceitos filosóficos, psicológicos e espirituais, e atualmente há uma forte tendência em unir os conceitos quânticos às teorias sobre a Consciência.
A sabedoria dos antigos e o paradigma organicista
Se dermos um pulinho até o passado vamos confirmar que essa teoria retoma a sabedoria dos antigos, pois revive o paradigma organicista para o qual o mundo era um ser vivo. Nessa visão de mundo, tudo é cíclico, tudo é fluxo e refluxo, nada está parado, mas tudo é movimento.
Esse conceito pode ser visto na figura do Ouroboros, um símbolo muito antigo, comum a egípcios, druidas e indianos, que simboliza o ciclo da evolução. Este eterno “devir” ou vir a ser é uma referência à criação do universo. O símbolo contém as ideias de movimento, continuidade, autofecundação e, consequentemente, eterno retorno. Mais do que isso, a dança sagrada de nascimento, morte e reconstrução.
Segundo o hinduísmo, todas as coisas são parte de um grande processo rítmico de criação e destruição, de morte e renascimento, e a dança sagrada de Shiva, um dos mais antigos e populares deuses indianos, simboliza esse eterno ritmo de vida-morte que se desdobra em ciclos intermináveis. Uma de suas representações mais populares é, exatamente, Shiva Nataraja, o Rei dos Dançarinos. “Dançando, Ele sustenta seus fenômenos multiformes. Na plenitude do tempo, dançando ainda, Ele destrói todas as formas e nomes pelo fogo, e lhes concede novo repouso.”
O significado de Shiva é analisado em diversos sites especializados em Hinduísmo, dos quais resumimos os seguintes trechos:
Na imagem de Shiva temos o primeiro braço, com a palma à frente, que quer dizer: “Não vos atemorizeis com a mensagem terrível que vos trago, pois também apresento a solução”.
O segundo braço segura um pequeno tambor que marca o ritmo da dança, e significa que “Tudo no universo segue um ritmo e está sujeito a uma ordem temporal”. O tambor representa também o som através do qual o universo foi criado.
Com o terceiro braço, que segura as línguas de fogo, Shiva diz: “Aproxima-se o tempo de destruir o que se construiu, para se completar o ciclo da criação. Assim como no passado o mundo antigo acabou-se pelas águas de um dilúvio, agora ele será destruído pelo fogo”. Os fachos de fogo ao redor da figura carregam a seguinte mensagem: “A redondeza da Terra será queimada pelo fogo”.
Um pé esmaga uma figura animalesca, que representa a natureza inferior e animal do homem.
O quarto braço apresenta a salvação, ao apontar para o pé levantado, querendo dizer: “O homem não deve atender às solicitações das suas más inclinações, de suas más paixões, dos instintos bestiais, oriundos da sua natureza animal, inferior, e sim seguir sua natureza superior, espiritual: deve abster-se do ódio, dos vícios, dos excessos, obter o autocontrole”.
Seu pé esquerdo erguido mostra-nos que podemos elevar-nos e atingir salvação. Pensar em salvação é pensar na autoelevação — do caráter, espírito, condutas, etc.
Quando dança, Shiva representa a verdade cósmica e é sempre associado com a morte e o renascimento. Como terceira pessoa da trindade hindu, ele destrói o universo ao final de cada era, para que este possa ser criado de novo. Ele vem com fogo consumidor do amor divino que destrói o ódio, a maldade, os demônios e o ego humano, varrendo a terra do mal. Isso não significa, necessariamente, uma destruição física do mundo pelo fogo, mas sim, a destruição do mal pelo fogo sagrado.
A mensagem não poderia ser mais clara: tudo aquilo que é criado, um dia morrerá, para poder renascer e seguir o fluxo evolutivo.
No entanto, nada no universo morre realmente, só há mudança de plano e padrão vibracional. A energia não nasce e nem morre, só é transformada.
Por Seu amor, a vida é renovada, e os seres humanos têm novas oportunidades de crescimento. Shiva é o destruidor dos egos. Ele destrói com sua dança tudo que represente a ignorância e a ilusão e liberta o que é real.
Heráclito e o Devir
Na antiguidade também vamos encontrar essas ideias em Heráclito, filósofo que viveu no século VI a.C., para quem o “devir”, a mudança que acontece em todas as coisas, é sempre uma alternância entre contrários; nessa harmonia, os opostos coincidem da mesma forma que o princípio e o fim — em um círculo. A realidade se manifesta na mudança.
Talvez seja apenas coincidência o fato de seus conceitos se parecerem tanto com os do Tao Te King. No capítulo XVI lemos:
Todas as coisas têm uma mesma origem.
Contemplamos sua evolução e seu retorno.
Depois que as coisas florescem retornam à sua Origem.
Retornar ao Princípio é repousar.
Repousar é encontrar o Novo Destino.
Voltar ao destino é conhecer o Permanente.
Conhecer o Permanente é a iluminação.
No judaísmo também vemos o conceito de impermanência e da destruição da forma material, como no Gênesis 3, 19 — “Do pó vieste, e ao pó retornarás.”
No Cristianismo existe o conceito de retorno à Unidade, ao UNO, de que a vida material, é transitória. Santo Agostinho disse: “Viemos da Divindade e para ela haveremos de voltar”.
No Islamismo existe o conceito dos opostos complementares se unificando e de que na escuridão brilha uma luz. Como podemos concluir da leitura da frase da Sura III do Alcorão: “Ó Tu, Senhor, que fazes entrar o dia na noite e a noite no dia! Ó Tu, Senhor, que fazes entrar a vida na morte e a morte na vida!”
O Budismo ensina que o sofrimento deriva de nossa tentativa de reter as coisas materiais e que devemos nos adaptar às mudanças à medida que elas vão ocorrendo, para não sofrermos. O desapego é a chave. Sidharta Gautama, o Buda, afirmou que todas as coisas materiais são impermanentes e que o mundo material é SAMSARA, sendo que SAMSARA é o movimento incessante.
Toda esta apresentação ajuda a compreender por que Plutão é muito mais do que um sinistro rei do submundo, como costuma ser apressadamente caracterizado.
Leia a continuação deste artigo: Da consciência de Mercúrio à luz de Plutão