A crença em um personagem lendário, que distribuía presentes para as crianças boazinhas, é tão antiga que não pode ser rastreada. Ao que parece, existem pelo menos duas origens para a figura de Papai Noel, tal como a conhecemos hoje: uma tem origem pagã, no norte da Europa, e descreve um ser de longas barbas brancas, trajes verdes ou azuis, que percorre os campos (e os ares) na época do solstício de inverno, conduzindo um trenó puxado por renas; a outra é de origem cristã e baseia-se nas lendas criadas em torno do bispo ortodoxo Nicolau de Mira, que viveu no Império Bizantino (atual Turquia) e a quem se atribuem diversos milagres e atos de benemerência. Era protetor dos comerciantes, dos marinheiros e, em especial, das crianças.
Pouco a pouco, os mitos pagãos e cristãos acabaram sendo reunidos numa única tradição, e desta fusão resultou a crença num São Nicolau (Santa Claus) que visita as crianças e distribui presentes na véspera de Natal. Contudo, faltava ainda definir com mais clareza a aparência e características físicas desta figura mítica. Esta construção se dará nas páginas de jornais e revistas e ocorrerá aos poucos nos Estados Unidos, ao longo dos séculos XIX e XX.
Papai Noel, uma construção americana
A partir de 1821 começam a aparecer na imprensa americana referências cada vez mais constantes à figura de Santa Claus. Uma data importante é a de 23 de dezembro de 1823, quando um jornal de Nova Iorque publica um poema atribuído a um certo Clement Moore e intitulado Uma visita de São Nicolau. No texto, o bom velhinho é descrito como “um velho elfo bem alegre e gordinho”, com “barriguinha redonda”, que “tremia quando ria como uma tigela cheia de geleia”. Trata-se, na verdade, da descrição de um elfo bem pequenino, que utiliza um “trenó em miniatura” puxado por “pequenas renas”.
Nos anos subsequentes, a tradição vai encorpando e ganhando mais detalhes. Mas o ponto de partida é o período 1821-1823, cujo fato astrológico mais notável foi a conjunção de Urano e Netuno no início de Capricórnio (a mesma conjunção do mapa da Independência do Brasil). A conjunção Urano-Netuno é, através dos tempos, a mais estreitamente relacionada com o surgimento de novas religiões, ideologias e crenças coletivas. Já Capricórnio é exatamente o signo do solstício de inverno do Hemisfério Norte, em total sintonia com os mitos natalinos. O mapa da publicação de Uma visita de São Nicolau mostra um stellium em Capricórnio, com Sol, Netuno, Mercúrio e Urano em conjunção, além de Netuno oposto a Júpiter em Câncer.
Netuno-Júpiter? Eis aí o elfo bonachão, de aparência jupiteriana (gordinho, alegre e barbudo), saído do reino das fantasias medievais para encantar as crianças americanas! Não é difícil perceber também na figura de Santa Claus os ecos distantes dos mitos de Odin, o grande deus nórdico, cujo papel lembra em muito o do Zeus grego.
Contudo, a versão definitiva do mito ganha forma em 1863, pelo traço de um desenhista chamado Thomas Nast.
Thomas Nast, um marqueteiro do século XIX
Thomas Nast é considerado por muitos como o pai da caricatura política americana. É dele o crédito da criação do elefante como símbolo político do Partido Republicano e também do símbolo deo cifrão ($$$), usado hoje no mundo inteiro. Mas fora da arena política, seus desenhos do Papai Noel, que começaram durante a Guerra da Secessão Americana, tiveram um efeito profundo e duradouro em nossa percepção moderna do “velho duende alegre”.
Nascido em Landau, na Baviera, em 27 de setembro de 1840, chegou a Nova Iorque aos seis anos, quando sua família emigrou para os Estados Unidos. Desenhista talentoso, aos quinze anos começou a trabalhar como ilustrador em jornais. Durante a guerra civil americana, foi um fervoroso apoiador de Abraham Lincoln e do Partido Republicano. Em 1862 conseguiu um emprego no prestigioso Harper’s Weekly, cargo que ocuparia pelos próximos 25 anos.
Traduzimos aqui trechos de um texto de Mathew W. Lively, publicado no site Civil War Profiles:
Guiado pela descrição de Clement Moore do Papai Noel em “A Visit from St. Nicholas”, Nast desenhou o Papai Noel pela primeira vez durante a temporada de Natal de 1862. Os desenhos, no entanto, realmente apareceram na edição de 3 de janeiro de 1863 do Harper’s Weekly. O Papai Noel de Nast aparece na capa do jornal em uma ilustração intitulada “Papai Noel no acampamento”.
Seu retrato inicial do Papai Noel foi uma declaração política misturada com um elemento de propaganda de guerra. Nast desenhou um Papai Noel patriótico vestido com calças listradas e um casaco coberto de estrelas sentado em seu trenó sob uma bandeira americana ondulante. Surpreendentemente, Papai Noel é mostrado divertindo os soldados pendurando uma efígie de madeira do presidente confederado Jefferson Davis. Para que ninguém se engane quanto ao seu significado, um texto acompanha as anotações do desenho: “Papai Noel está entretendo os soldados mostrando-lhes o futuro de Jeff Davis. Ele está amarrando uma corda bem apertada em volta do pescoço, e Jeff Davis parece estar rejeitando desesperadamente esse destino.”
Ou seja: Papai Noel faz sua estreia na mídia entretendo soldados num acampamento militar, distribuindo suprimentos para as tropas e fazendo humor negro às custas do presidente dos Estados Confederados!
E prossegue a informação de Mathew W. Lively:
Nast produziria um desenho anual do Papai Noel pelo restante de seu tempo na Harper’s, a cada ano adicionando detalhes à história da vida do Papai Noel por meio de suas ilustrações. Seu desenho de página inteira na edição de 1º de janeiro de 1881 tornou-se tão popular que serviu essencialmente como o retrato oficial do Papai Noel.
Este desenho de 1881 é exatamente o que está no topo deste artigo. Já é o Papai Noel que conhecemos hoje: uma síntese de muitas lendas europeias, agora com uma roupagem americanizada e pronto para estimular o consumo das festas de fim de ano.
Em 1931 a Coca-Cola passa a utilizar a figura de Papai Noel como garoto-propaganda. O trabalho é entregue a um novo ilustrador, chamado Haddon Sundblom, que criará campanhas anuais com o bom velhinho até o ano de 1964. As fontes de inspiração continuam sendo o texto de A Visit from St. Nicholas, de 1823, e os desenhos de Thomas Nast.
Analisando o mapa d0 Papai Noel de 1863
É o desenho de Thomas Nast de 3 de janeiro de 1863 que define para o público a aparência e os traços fundamentais do Papai Noel moderno. A carta solar da publicação da Harper’s daquele dia dá conta de muitas das características deste personagem tão presente no imaginário ocidental. Vamos a elas:
A vinculação com o Solstício de inverno — A tripla conjunção em Capricórnio destaca, como em 1823, a importância deste signo invernal para a construção do mito. É a referência ao frio, às regiões polares, à noite mais longa do ano.
A figura rotunda — A aparência física de Papai Noel, obeso, simpático e bonachão, sugere uma dominante jupiteriana. É Júpiter em Libra em quadratura com Vênus e Mercúrio em Capricórnio. Esta quadratura também guarda relação com a ideia de presentear, agradar e promover trocas.
A roupa vermelha — Nada mais apropriado para responder pela roupa vermelha de Papai Noel do que a presença de Marte em Áries. Este Marte está em oposição quase exata a Júpiter e fecha uma quadratura T com os planetas em Capricórnio.
As renas e o trenó voador — A Lua em Gêmeos, em conjunção com Urano e trígono com Júpiter, está bem de acordo com um personagem que se desloca pelo ar, pilotando um trenó puxado por renas voadoras (um meio de transporte aéreo e absolutamente não usual: Urano puro!). O mapa de Papai Noel também apresenta uma oposição Marte-Júpiter, um aspecto cheio de adrenalina, sempre presente no lançamento de histórias de aventuras, voltadas para o público infantil e juvenil. Basta pensar em Peter Pan, por exemplo, cujo lançamento tem o mesmo aspecto.
A entrada pela chaminé — A chaminé simboliza a ligação entre os níveis mundano e celeste, assim como a possibilidade de conexão entre a realidade do cotidiano e o plano da imaginação. Astrologicamente, pode ter ligação com o eixo solsticial (Câncer e Capricórnio, os pontos mais baixo e mais alto do zodíaco natural), e também com a oposição entre Saturno (realidade) e Netuno (imaginação) na carta de 3 de janeiro de 1863. Esta oposição fala também do sentido de missão e sacrifício de Santa Claus/Papai Noel, que produz presentes o ano inteiro e não descansa enquanto não entregá-los a todas as crianças da Terra!
As grandes viagens internacionais — Papai Noel na cultura popular exerce uma função de popstar, que viaja pelo mundo inteiro, recebe milhares de cartas e tem um fã-clube que não para de crescer. Esta dimensão midiática fica bem evidente na Lua em Gêmeos em aspectos fluentes com Urano, Marte e Júpiter, mas também já em quadratura com Netuno. Este último aspecto fala de fantasia, encanto e estímulo à imaginação. Que criança já não tentou passar a noite de Natal em claro para flagrar Papai Noel com a boca na botija?