Os relatos sobre a origem da Umbanda não são totalmente concordantes, variando nos detalhes. A versão mais aceita destaca a importância de Zélio de Moraes, um adolescente recolhido ao leito em função de uma estranha paralisia, que os médicos não conseguiam explicar. Um dia, Zélio levantou-se do leito e anunciou: “Amanhã estarei curado” — o que efetivamente aconteceu.
Para melhor entender o fenômeno, um amigo da família sugeriu uma visita à Federação Espírita de Niterói, que teve lugar em 15 de novembro de 1908. O dirigente dos trabalhos convidou-o a ocupar um lugar à mesa, mas o jovem Zélio, tomado por uma força desconhecida, levantou-se e disse: “Aqui está faltando uma flor!” Retirou-se da sala, para espanto dos demais participantes, e voltou trazendo uma rosa.
A atitude insólita foi entendida como um ato de indisciplina e quase causou um tumulto na reunião. Assim que as coisas acalmaram, diversos médiuns começaram a manifestar espíritos de antigos escravos, índios e caboclos. O presidente da mesa, considerando estar diante de entidades “atrasadas”, advertiu-as e convidou-as à retirada.
Ocorre que o jovem Zélio foi novamente tomado por uma força que não controlava e iniciou uma argumentação com o presidente da mesa, instando para que não julgasse o grau de evolução daqueles espíritos apenas pela sua condição social na última encarnação. E anunciou:
Se julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei em casa deste aparelho (o médium Zélio) para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar a sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E, se querem saber o meu nome, que seja este : “Caboclo das Sete Encruzilhadas”, porque não haverá caminhos fechados para mim”.
Às 20h nasce a Umbanda
No dia seguinte, uma compacta multidão compareceu à casa de Zélio. Lá estavam lideranças espíritas e católicas, curiosos e — já na primeira reunião — uma grande quantidade de enfermos do corpo ou da alma, em busca de ajuda. Às 20h em ponto o Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se e lançou as bases de uma nova religião destinada a alcançar milhões de brasileiros nas décadas seguintes.
Era uma segunda-feira, 16 de novembro de 1908. Nascia a Umbanda numa casa humilde da rua Marechal Floriano Peixoto, no bairro de Neves, São Gonçalo, município vizinho a Niterói. Nos trinta anos seguintes a nova expressão religiosa se espalharia pelas colinas das duas cidades, para depois atravessar a baía de Guanabara, chegar aos subúrbios do Rio de Janeiro e daí irradiar-se para todo o país.
Uma análise no escuro
Possível mapa de instituição social e sem fins lucrativos — Netuno na casa 2, em Câncer, signo de cuidado, oposto a Urano na cúspide da 8, significador da possibilidade de uma gestão financeira alternativa.
Instituição religiosa, talvez ligada ao Espiritismo — Peixes no Meio do Céu e Netuno como regente da casa 10.
Trabalho de ajuda à população carente ou de rua — Lua em Virgem (pessoas simples e subalternas) na casa 3 (vias públicas). Sol na casa 6 em Escorpião, sugerindo uma tarefa de Hades: alguma forma de morte, no sentido social, emocional ou espiritual.
Energia voltada para a atenção ao povo necessitado? — O Sol iluminando os mais carentes e os mais simples na casa 6.
Envolvimento com alguma forma de crise de saúde ou decorrente do relacionamento com o poder (militar?) — Escorpião na casa 6 e Saturno em Áries na 10 em quincunce com Lua na 3, regente da 2 (os valores da instituição).
Transformação da percepção espiritual? — Plutão na casa 1 em recepção mútua com Mercúrio na casa 5. Plutão conjunto ao Nodo Norte.
República Velha: preconceitos e perseguição
Os insights de Rê March — todos compatíveis com a proposta e a história do movimento umbandista — mostram que o mapa para as 20h do dia 16.11.1908 é bastante adequado para descrever a nova religião. Efetivamente as casas de Umbanda enfatizam a prática da caridade e acolhem a população mais humilde, tanto em suas necessidades espirituais quanto materiais.
Mesmo a observação de possíveis “problemas com a polícia” revelam-se corretas, pois, durante a República Velha e mesmo durante a ditadura de Vargas, os terreiros enfrentaram a desaprovação social e foram severamente reprimidos, sofrendo frequentes incursões policiais. Uma consequência destes preconceitos foi o surgimento de uma literatura umbandista que tenta desvincular a religião de suas origens africanas, atribuindo-a a remotas influências orientais.
A recepção mútua entre Plutão em Gêmeos na casa 1 e Mercúrio em Escorpião na casa 5 fala muito de uma religião que valoriza a prática mediúnica ostensiva. Afinal, são as almas dos mortos que habitam o mundo invisível (Plutão) que vêm-se corporificar (sentido do Ascendente) através do trabalho dos médiuns (intermediários que emprestam sua voz: Mercúrio). Acrescente-se que Mercúrio na casa 5 em Escorpião pode ser traduzido literalmente por filho de santo!
Apesar da desaprovação das elites, os terreiros de Umbanda foram, desde os primórdios, um espaço acolhedor para pessoas socialmente excluídas, que ali encontravam a possibilidade de ressignificar seu papel na comunidade. No mapa, esta característica pode ser vista na conjunção de Vênus e Marte em Libra na casa 4.
Vênus rege a 12 e Marte é corregente da 6, um belo retrato de como a Umbanda subverte hierarquias e permite a convivência harmônica de pessoas de todas as origens e mesmo de todas as orientações sexuais. Isto sem falar que muitos médiuns de Umbanda eram pessoas que sofriam a pecha de loucas ou lunáticas. Quando lembramos que a Umbanda já fazia tudo isso em 1908, entendemos que não é pouca coisa!
Isabel Redig diz
Uau, Fernando! Amei. Importantíssima contribuição para os umbandistas amantes da Astrologia!
Gratidão!
Alexandre diz
Olá!
Eu gostaria de saber se o primeiro evento, do dia 15, tem horário conhecido?
E, em relação ao segundo evento, os quincúncios estão traçados com uma órbita estreita, mas não seria o caso do considerar um Yod Saturno-Lua-Mercúrio?
Gratidão,
Alexandre.
Redação Constelar diz
Olá, Alexandre, não encontrei referência ao horário da reunião de 15/11. Quanto ao Yod, você pode considerá-lo, se estender a órbita um pouco mais. Costumo trabalhar com órbitas bem estreitas para aspectos menores.