A tradição astrológica é um campo de conhecimento cuja origem está provavelmente no terceiro milênio a.C., na Mesopotâmia e Caldeia, de onde se expandiu para a China e Índia. Nessas culturas, a identificação entre o homem e as forças da natureza era total; os primeiros calendários com os ciclos do sol e da lua datam desta época.
No Egito, ela evoluiu através de grandes avanços na astronomia, com conhecimento sobre as leis do universo e da medicina. Neste período histórico, religião, astrologia e astronomia eram inseparáveis tanto no conceito quanto na prática.
Em sua famosa obra Tetrabiblos, Ptolomeu (100-178 d.C.), astrólogo e astrônomo da Alexandria, sistematizou pela primeira vez todo o conhecimento astrológico e astronômico da Antiguidade, relativo às posições, aos significados dos planetas e suas influências específicas nos assuntos humanos.
Nos séculos subsequentes, várias gerações de astrólogos expandiram, revisaram e refinaram o sistema de Ptolomeu. Em sua forma grega, completamente desenvolvida, a astrologia influenciou, durante quase dois mil anos, a religião, a filosofia e a ciência da Europa pagã e posteriormente cristã. (Grof, 2003, p.283)
Astrologia da Idade Média ao surgimento da ciência moderna
O conhecimento astrológico foi aperfeiçoado pelos árabes e fazia parte do pensamento ocidental da Idade Média. Até o século XVI era disseminado em almanaques com previsões de plantio e colheita e em estudos de classificação botânica. Nessa época os astrólogos eram consultores especiais dos reis e dos nobres da corte europeia.
Em várias épocas a astrologia funcionou como um mecanismo medidor do tempo e precursor dos calendários, uma linguagem dos deuses, a base para uma cosmologia de algumas das maiores religiões do mundo; um depositário para a imagem projetada dos deuses; um termo sinônimo que abrangeria a astronomia, geometria, matemática e psicologia; um primeiro diagnóstico e ferramenta na medicina; e como mãe das artes mânticas. (Mann, 1979, p.15)
Na Renascença a astrologia recebeu um grande impulso, tendo em vista seu caráter panteísta, que ampliava a visão humanista do mundo. Posteriormente, com as grandes descobertas da astronomia, a repressão da Igreja Católica e a expansão da tecnologia em outros setores produtivos, a astrologia perdeu a sua força e seu pacto inicial com a natureza foi rompido. O antagonismo entre ciência e magia, ou entre racionalismo e esoterismo, foi se delineando de forma crescente até o final do século XVII. Nesta época a visão de mundo passa por grandes transformações e a visão astrológica sustentada em um contexto mais mágico e humanista foi substituído por uma mentalidade cujo Zeitgeist estava se voltando para uma visão mais científica, objetiva e mecânica da natureza.
A astrologia nesse período caiu em descrédito, transformando-se em linguagem hermética e oculta, relegada ao rol das superstições e crendices populares.
Como um sistema esotérico, foi banida das universidades europeias por volta de 1700, época em que estava nascendo o paradigma da ciência clássica, cuja visão racionalista e mecanicista permeou todas as áreas de conhecimento nos últimos dois séculos.
A influência de Jung na Astrologia Psicológica
As incursões no campo da Psicologia começaram a influenciar a astrologia de forma marcante a partir da década de 1930. Essa gradual assimilação começou a tomar forma a partir da publicação do livro A Astrologia da Personalidade, pelo conhecido escritor, músico e astrólogo francês, Dane Rudhyar.
Só me familiarizei completamente com as ideias de Jung no verão de 1933, enquanto estava no rancho do Novo México, onde li todas as suas obras até então traduzidas. Imediatamente me ocorreu que poderia desenvolver uma série de conexões entre os conceitos de Jung e um tipo reformulado de astrologia. (Rudhyar, 1985, p. 12.)
A partir desta importante publicação, teve início um positivo entrelaçamento conceitual com aproximações teóricas entre a astrologia e a Psicologia Analítica. Rapidamente este processo começou a dar frutos e inúmeras obras surgiram, sedimentando, anos mais tarde, o que chamamos de Astrologia Psicológica, e que conta atualmente com renomados estudiosos na Europa e EUA.
A astrologia é uma linguagem que usa uma série de símbolos para criar uma identificação entre o homem e o universo; é o estudo comparado entre o céu e a Terra. Os planetas são a representação simbólica dos impulsos, necessidades e motivações humanas, servindo como agentes catalisadores das várias funções psicológicas. Da mesma forma que os doze signos zodiacais, são energias psíquicas ou princípios arquetípicos presentes em toda a manifestação da vida, seja ela individual ou coletiva.
O Zodíaco era considerado pelos astrólogos e filósofos da Antiguidade como sendo a “alma da natureza”, aquela que dá forma e ordem à vida. A astrologia é uma linguagem de princípios universais, uma maneira de simbolizar a unidade de cada indivíduo com fatores universais. (Arroyo, 1984, p.46)
Para Jung, os arquétipos são princípios universais, idéias estruturantes inatas ou herdadas, a soma de todas as potencialidades latentes na psique humana, que pertencem ao Inconsciente Coletivo.
Este é, portanto, o riquíssimo substrato psíquico, a memória de todas as imagens arcaicas do homem. Os arquétipos são como protótipos de conjuntos simbólicos, modelos pré-formados, ordenados e ordenadores, dotados de extraordinário dinamismo psíquico.
A astrologia psicológica abarca estes valiosos conceitos da Psicologia Analítica, uma vez que o arcabouço intelectual de ambas têm muitos pontos em comum. Outras premissas teóricas abrangem os postulados de vida potencial dada a priori, o aspecto dinâmico do inconsciente e o propósito criativo e finalista da existência, em que o desenvolvimento individual, vale dizer, a própria vida, tem um significado.
Cito Jung numa carta ao astrólogo francês André Barbault, em 1954:
Existem muitos exemplos de notáveis analogias entre constelações astrológicas e eventos psicológicos ou entre o horóscopo [*] e a disposição geral do caráter. É até mesmo possível prever, até certo ponto, o efeito físico de um trânsito astrológico. Podemos esperar, com considerável certeza, que uma determinada situação psicológica bem definida seja acompanhada por uma configuração astrológica análoga. A astrologia consiste de configurações simbólicas do inconsciente coletivo, que é o assunto principal da psicologia; os planetas são deuses, símbolos dos poderes do inconsciente. (Jung, 2002, p.344.)
[Nota do Editor: Jung utiliza a expressão horóscopo não no sentido de previsões para signos solares, como na astrologia popular dos jornais, e sim no sentido original de carta astrológica completa, com horário definido e estrutura de casas.]
Os símbolos astrológicos, sejam eles histórias de deuses, heróis ou sobre a origem das constelações, são projeções de imagens internas do homem, criados pelo coração do homem para serem lançados ao céu a fim de povoá-lo de figuras, visões e significados. Essa percepção nada mais é que a experiência especular humana, a busca de uma ordem e significado para sua existência.
Diz Sicuteri sobre os símbolos:
Julgamos que a vida não poderia ser vivida e expressa na sua mais íntima profundidade – mesmo inconsciente – se os símbolos não viessem em nossa ajuda. E é com a ajuda deles que podemos traduzir em linguagem aquilo que sentimos dentro de nós. Portanto, o símbolo é a imagem que criamos a respeito de um conteúdo interior que transcende a consciência. No caso da astrologia, o símbolo encerrado no Zodíaco e nos planetas é o ponto de encontro, a soldagem dominante entre o mundo psicológico e espiritual do homem (microcosmo) e o universo dos astros no céu (macrocosmo). (Sicuteri, 1994, p. 11)
A astrologia contém uma estrutura mitológica e arquetípica se compreendermos que a essência dessas imagens e padrões pré-ordenados está na base de toda a criação humana. Cada signo pressupõe uma jornada mítica e todas as imagens simbólicas que lhe são inerentes.
Um signo não descreve só um tipo de comportamento ou personalidade; ele contém um padrão de desenvolvimento, uma história dinâmica a ser vivida. Um tema mitológico é também astrológico, uma vez que seus símbolos estão intimamente entrelaçados no Inconsciente Coletivo.
Referências Bibliográficas
ARROYO, Stephen. Astrologia,Psicologia e os quatro elementos. São Paulo: Pensamento,1984.
GROF, Stanislav. Psicologia do futuro. Rio de Janeiro: Heresis, 2003.
JUNG, Carl Gustav. Cartas Volume II. Petrópolis: Vozes, 2002.
MANN, A.T. The Round Art, The Astrology of time and space. Great Britain: Dragon’s World Book,1979.
RUDHYAR, Dane. Da Astrologia humanista à Astrologia transpessoal. Rio de Janeiro, Antares, 1985.
SICUTERI, Roberto. Astrologia e Mito – Símbolos e mitos do Zodíaco na psicologia profunda. São Paulo: Pensamento, 1994.
Este artigo é a primeira parte da série Emoção sob o olhar da Astrologia e da Ciência, produzida originalmente na forma de artigo técnico para publicação na revista Jung e Corpo, ed. Sedes Sapientiae, em 2006. Leia também: