Iansã, ou Oiá, é um orixá feminino, deusa do Rio Níger, na África, cujo nome iorubano é Odo Oya. Considerada em alguns mitos como filha de Iemanjá, é a divindade dos ventos e das tempestades, sendo, na tradição africana, o único orixá capaz de enfrentar os egungun (espíritos desencarnados, em geral, e, em especial, os mais atrasados). No Brasil é mais conhecida como Iansã, termo que significa mãe dos que habitam os nove espaços do plano espiritual.
Há, em verdade, uma série de lendas que mostram Iansã, uma das esposas de Ogum, como uma guerreira ardente e impulsiva, mãe de nove filhos, o que provocou o ciúme das outras esposas de seu marido. Tendo de enfrentá-las, Iansã transformou-se em búfalo e matou-as. Em seguida, entregou os chifres a seus filhos, orientado-os para que, em caso de necessidade, batessem os chifres um contra o outro, para que ela viesse socorrê-los.
O dom de Iansã para transformar-se em búfalo, ou proteger-se sob a pele deste animal, pode ser entendido, em termos míticos, como uma referência à capacidade de criar uma couraça de guerra. As falanges de entidades que atuam na linha de Iansã são descritas na Umbanda como aquelas que descem às regiões inferiores para enfrentar, em seus próprios redutos, os espíritos mais perigosos e sombrios, com vistas a realizar trabalhos de resgate e de neutralização do mal. Nessa descida, o espírito precisa proteger-se e adaptar-se ao ambiente mais pesado, criando em torno de si uma capa vibratória de natureza mais densa.
A descida aos infernos, um mito universal
Neste ponto, o mito africano não difere em essência daqueles encontrados em outras tradições religiosos — do Egito ao Cristianismo, passando por Grécia e Roma. Em todas, são recorrentes os relatos de descida aos infernos, de resgate de almas perdidas no inframundo e de libertação de seres aprisionados. Na própria literatura espírita de orientação kardecista, que tem uma base filosófica europeia e profundamente racional, estes exemplos também são recorrentes. Basta lembrar a obra do espírito André Luiz, psicografada pelo médium Chico Xavier, que contém inúmeros relatos desta técnica de atuação socorrista.
Já na tradição brasileira, a identificação de Iansã é com Santa Bárbara, uma figura cuja existência histórica jamais foi claramente comprovada. Segundo a lenda, seria uma virgem filha de um cidadão romano da província da Bitínia (atual Turquia), no século III, que afrontou o próprio pai e as autoridades do império ao aceitar a fé cristã.
Seu destino teria sido o martírio e, quando sua cabeça foi cortada e rolou no chão, um poderoso trovão fez tremer a terra enquanto um relâmpago cortava o céu, fulminando o pai da condenada. Por isso, é invocada em Portugal e no Brasil como protetora contra tempestades, relâmpagos e trovões. Na verdade, os únicos pontos de contato entre os mitos africano e cristão são as tempestades e e o espírito de independência, que não admite imposições.
O papel de Iansã no universo religioso
Iansã faz parte, portanto, da tropa de choque dos orixás que conduzem as lutas pela redenção dos espíritos estacionados no mal e responsáveis pelos chamados processos obsessivos e atos de magia negra. Por isso, é tão comum na Umbanda cantar para Iansã no decorrer de trabalhos de desobsessão.
Há outra lenda iorubá que explica de maneira diferente a relação entre Iansã-Oiá e o número nove. Ogum, marido de Oiá, possuía uma vara mágica, feita de ferro (metal que lhe está associado), que tinha a propriedade de dividir em sete partes os homens e em nove partes as mulheres que tocasse. Em sua oficina de ferreiro, Ogum confeccionou outra vara idêntica e deu-a de presente a Oiá. Algum tempo depois, porém, Oiá fugiu com Xangô e foi perseguida pelo furioso marido traído. Quando se encontraram, entraram em combate com suas varas mágicas, dividindo-se Ogum em sete parte e Oiá em nove. Por isso ela é chamada de Iansã, termo composto de duas palavras iorubanas: Iá ou Inhá (mãe) e messan (nove).
É o conhecimento dessas lendas que explica por que, no Brasil, Ogum Mejê (termo iorubano que significa o Ogum que é sete, ou o Ogum de Sete Partes) é considerado guardião dos cemitérios e colaborador de Iansã.
Na mitologia grega, há relatos da mesma natureza que opõem dois deuses que também viviam aos tapas: a poderosa Atena, que reunia força e inteligência, e o brutal Ares, um guerreiro que se lançava cegamente ao combate, com fúria incontrolável. Não é preciso lembrar que Atena sempre levava vantagem sobre Ares, havendo, inclusive, variantes do mito que se assemelham ipsis litteris aos detalhes da narrativa iorubá.
Os bantos de Congo e Angola e os iorubás da Nigéria e do Benin tinham divindades de sentido análogo, se bem que cultuadas com nomes diferentes. Matamba é o nome da divindade dos povos bantos que corresponde à Oiá-Iansã dos iorubá. O culto a Matamba praticamente desapareceu no Brasil, sobrevivendo, porém, em alguns pontos (cantigas) de Umbanda e nos candomblés da nação angola-congo.
Quer a chamemos de Oiá, Iansã ou Matamba, não faz diferença: ela será sempre o orixá dos ventos e das tempestades, que promove a limpeza através de poderosas descargas de energia através do elemento Ar.
Correspondências astrológicas: Urano e elemento Ar
Astrologicamente, existe uma forte correspondência entre Iansã e o planeta Urano, regente moderno de Aquário, cuja ação está ligada, entre outros conceitos, ao despertar da consciência. São os trânsitos de Urano que levantam a poeira na vida dos acomodados e provocam o ímpeto necessário para a realização das grandes transformações. Urano simboliza o rompimento com a mesmice, com o conservadorismo, e a abertura para o novo. Urano e Iansã têm muita afinidade com momentos em que as velhas e carcomidas estruturas sociais criadas pelo egoísmo, pelo sectarismo e pelo apego à tradição dão lugar a formas de vida mais fraternas e solidárias.
É um processo que tanto pode acontecer de forma violenta e destrutiva (Revolução Francesa, por exemplo) quanto através das ações mais elevadas, no espírito do ideal cristão do amai-vos uns aos outros.
Não há como traçar correlações automáticas entre o simbolismo astrológico e o dos orixás, mas é inegável que há muitos pontos de contato entre o arquétipo africano e os valores associados a Urano e aos signos de Ar, especialmente Aquário e Libra. Por outro lado, o modus operandi de Iansã tem também um toque taurino: é um orixá encouraçado.
No sentido estrito, nem todos são filhos de Iansã. Contudo, ela representa um princípio universal, que faz parte da psique da humanidade. Todos precisamos da energia que ela representa, para que possamos crescer interiormente. Essa energia, quando vivenciada de maneira pouco amadurecida, não passa de turbulência e de rebeldia sem sentido. Contudo, quando bem direcionada e utilizada de forma construtiva, torna-se o vento que espalha as sementes do futuro e a tempestade benéfica que, ao limpar a atmosfera contaminada com o entulho do passado, permite-nos vislumbrar o sol do crescimento interior.
Marcelo Parker diz
Boa tarde, Fernando. Em dezembro também tem o dia de Oxum (8) e Obaluaê (17).
Redação Constelar diz
O de Oxum já está na pauta, Marcelo, obrigado por lembrar!