Não entendi muito bem quando Fernando Fernandse, editor de Constelar, pediu que eu escrevesse “pra ontem” um artigo sobre o mapa de Hebe Camargo. Menos ainda quando explicou que era para incluir numa edição totalmente dedicada a São Paulo. Como sou uma senhora relativamente entrada em anos (o que não tem nada a ver com terceira idade, entendam bem), temi que ele acreditasse que passo as noites acomodada no sofá da sala, assistindo à programação do SBT. “Por que você não convida um astrólogo paulista?”, perguntei-lhe. “Nada disso”, respondeu Fernando: “Como você mora aqui no Rio, fica mais fácil controlar e cobrar. E você não vai dar um ataque quando eu mudar o seu texto.”
Essa resposta foi um primor de desfaçatez plutoniana. E tão furiosa fiquei que já ia bater o telefone, quando ele deu a cartada irresistível: “Se você não escrever o artigo, quem vai falar mal do sotaque das moças do teleatendimento do banco?” Outro golpe baixo plutoniano (mas todos os golpes plutonianos são baixos, o que fazer?).
Fernando sabe que odeio atendentes de telemarketing, todas com aquele horroroso sotaque da Mooca. Nós, cariocas, sempre que ligamos para o banco em que temos conta (qualquer que seja), somos atendidos não por uma pessoa de verdade, mas por uma espécie de mulher-robô que repete indefectivelmente as mesmas frases. Dá vontade de virar Hulk, como diz o Carlos Hollanda.
Digo isso não para irritar leitores paulistanos, mas para estabelecer um termo de comparação com Hebe Camargo. Hebe parece eterna. Desde muito criança, ainda nos tempos dos televisores Telefunken em preto-e-branco com cantos de tela arredondados (devem estar em museus… e ai de mim que ainda me lembro disso!), que me recordo da figura de Hebe Camargo, sempre bem arrumada, bem maquiada, sentada num sofá e perguntando coisas sem importância para algum entrevistado.
O impressionante é que ela sempre parece à vontade. Parece gostar do que faz. E parece morar por ali mesmo, no próprio estúdio da TV. Não consigo imaginar Hebe indo para casa depois do programa. Acho que simplesmente apagam a luz e o sofá vira uma confortável cama até a manhã do dia seguinte.
Hebe Camargo e sua Lua no Ascendente
Vejam o mapa dela e tudo ficará claro. Os dados foram coletados por Marcello Borges em cartório e divulgados na lista de discussão astrológica Databrasil: 8 de março de 1929, às 3h da madrugada em Taubaté, no Vale do Paraíba. Isso significa que Hebe é uma pisciana com o Sol na casa 2 em trígono com Plutão e – impressionante! – a Lua colada no Ascendente, em Aquário.
Plutão na casa 6 em Câncer significa que Hebe é uma trabalhadora obsessiva. Em trígono com o Sol na 2 (recursos) indica que ela usa o trabalho como forma de autoexpressão e sabe ganhar dinheiro com o que faz. A Lua no Ascendente já mostra outras coisas. Lua aquariana é curiosa e sociável sem deixar de ser mãezona (Lua no Ascendente sempre é). Daí aquele jeito afável, protetor, que Hebe adota quando puxa um novo entrevistado para o seu sofá.
Só um parêntese: sofás são regidos por Vênus (conforto, prazer), planeta que forma um estonteante grande trígono no mapa de Hebe. Estonteante por ser exato como poucos, com Saturno, Netuno e Vênus no último grau de cada um dos signos de Fogo. Como Vênus está na “ponta de baixo”, ocupando o Fundo do Céu, e como o Fundo do Céu representa a casa da gente, fica explicado por que o cenário do programa da Hebe lembra uma sala de estar em que nos reunimos com as amigas para comer polenta frita e trocar receitinhas. É um sofá (Vênus) alegre (signos de Fogo) e relaxante (trígonos, especialmente aquele com Netuno).
Voltando à Lua, no final dos anos 60, ou início dos 70, saiu um livro de um pesquisador de comunicação chamado A noite da madrinha. Alguém adivinha sobre o que era? Acertou quem disse Hebe Camargo. A obra analisava os mecanismos de identificação e projeção que faziam com que a dona de casa frustrada e insatisfeita realizasse algumas fantasias (inclusive de ascensão social) através do programa da Hebe. Projeção, identificação, fantasia, tudo isso faz pensar nos planetas mais femininos, que são Lua, Vênus e Netuno. Lua e Vênus são os dois planetas mais angulares da carta de Hebe. Apenas eles, aliás, são angulares. Seria por acaso que essa mulher tem uma penetração tão grande entre o público das donas de casa de classe média?
A Lua no Ascendente está em quadratura com Júpiter. Toda quadratura de Júpiter fala de excesso e de expectativas irrealistas. Lua-Júpiter, em particular, lembra aquele ditado: “Quero que o mundo acabe em açúcar para eu morrer doce.” É um aspecto preguiçoso, esparramado. O excesso, no caso, é de processos aquarianos e taurinos, em função dos signos envolvidos. Joga-se conversa fora, fala-se de tudo, faz-se de conta que todo mundo entende de tudo (é o lado aquariano da quadratura) e tudo isso num ritmo descansado, com muitas referências ao dia a dia da família comum, às comidinhas gostosas, ao detalhe do brinco, da sandália (“Que gracinha, onde comprou?”) – e isso, sem dúvida, faz parte do lado taurino do aspecto.
A leveza, a ligeireza fica a cargo de Marte em Gêmeos (inacreditavelmente, também no último grau do signo!) que forma, na casa 5, uma configuração absolutamente regular, como se fosse uma pipa, com os três planetas do grande trígono.
O que Marte em Gêmeos faz? Fala em vez de agir, ou melhor, age pela palavra, fala muito, às vezes provoca, às vezes agride, e sempre com o pensamento muito ligeiro, muito esperto. Não é a cara da Hebe?
A sinastria de Hebe com sua cidade
Se fizermos uma sinastria colocando os planetas de São Paulo na carta da apresentadora, o resultado é de impressionar. A Lua de São Paulo fica em conjunção com o Meio do Céu da Hebe, enquanto os quatro planetas em Aquário do mapa de Sampa ficam contidos na casa 1 da apresentadora. A tradução pode ser: Hebe ajuda a materializar a identidade, a linguagem, a energia e até as representações inconscientes de São Paulo.
Ela dá um canal para que a cidade se revele, mostre-se melhor e seja mais ela mesma. Não está em questão como Hebe faz isso, ou se seu programa contribui ou não para formar espectadores mais alienados e conformistas. O essencial, do ponto de vista astrológico, é que ela tem a faca e o queijo na mão. Para deixar mais claro, o queijo em questão é o público paulistano e, num nível mais amplo, todas as pessoas que não estão vivendo plenamente seu Sol. O Meio do Céu de Hebe sobre a Lua paulistana é, neste sentido, muito eloquente. É a intimidade da cidade, é a vida da gente comum (Lua) que se transforma em atração e ganha um significado (Meio do Céu).
O segredo de Hebe – e também sua grande arma – é a Lua. E ela tem duas sob controle: a sua e a da cidade em que vive.
Lua é a mulher, de uma forma geral. São Paulo foi a primeira cidade do país a ter grandes contingentes de mulheres trabalhadoras, e isso há quase um século. Elas encheram as fábricas, especialmente as tecelagens. Depois lotaram os escritórios, viraram secretárias, telefonistas, digitadores, e muitas agora são atendentes de telemarketing. Na busca da segurança financeira deixaram alguma coisa pelo caminho. É a falta de viço e a despersonalização que fazem as atendentes de telemarketing parecerem robôs.
Não, o sotaque paulista não é feio (ou, pelo menos, não é tão digno de piadas quanto acham os cariocas). Feia é a falta de de Sol e Lua no mapa dessas mulheres que atendem nossas chamadas mecanicamente. Elas são um Mercúrio seco e automático que fala sem alma enquanto dura o expediente. O Mercúrio em Aquário de São Paulo queimado pelas conjunções dos tórridos Sol e Marte. É por isso que Hebe é tão longeva, resistindo no ar há quase cinquenta anos. Ela devolve, a cada programa, a Lua que o mulherio de Sampa não tem tempo de viver. E todo mundo precisa de uma Lua, nem que seja pra sentar no sofá e jogar conversa fora com as amigas entre dois pedaços de polenta frita.