Quando uma banda de rock se separa, normalmente quebra o encantamento do público em torno de seus integrantes, que nem sempre são bem sucedidos ao tentar desenvolver uma carreira solo. Com George Harrison aconteceu o oposto. Considerado o mais tímido e mais apagado dos Beatles, só conseguiu mostrar plenamente todo seu talento após a dissolução da banda, em 1970.
Mesmo mantendo a reserva e a timidez, levantou bandeiras, reuniu multidões e fez mais do que qualquer outro artista ocidental pela divulgação da cultura indiana. E foi assim até 29 de novembro de 2001, quando deixou a vida discretamente, da mesma forma como a havia vivido. O mapa do momento da morte mostra Peixes no Ascendente e seu regente moderno, Netuno, na cúspide da casa 12, a do silêncio e também do ilimitado.
Marte e Urano fazem conjunção nessa mesma casa 12, em Aquário, em quadratura com a Lua em Touro (signo que rege a garganta), mostrando a morte de George como um mergulho na liberdade depois dos três anos de padecimento com o câncer de laringe (regida por Touro) que depois expandiu-se pelo cérebro e pelo pulmão.
Já a presença de quatro planetas — Sol, Plutão, Mercúrio e Vênus — na casa 9, que simboliza a cultura e os grandes ideais, deixa claro que o legado musical de George Harrison persistirá ainda por muito tempo.
O mais silencioso e doce dos Beatles era um pisciano com Lua e Ascendente em Escorpião. Era um tipo triplamente Água, elemento da emoção e da sensibilidade, do mergulho nas profundezas da alma e do inconsciente. Harrison tinha Júpiter e Plutão natais na casa 9, indicando que cabia a ele exercer um papel na renovação das crenças de seus contemporâneos. Não foi um guru no sentido convencional, mas pouca gente no Ocidente contribuiu mais do que ele para disseminar o interesse pela tradição mística da Índia.
Como integrante do conjunto musical mais conhecido do planeta, qualquer direção que apontasse atrairia de imediato a atenção do público e dos meios de comunicação. E George fez um uso criativo da própria popularidade, utilizando-a como elemento de difusão das práticas orientais de meditação, da intrincada filosofia do hinduísmo e da rica musicalidade das cítaras e mridangas.
Tudo isso faz parte do potencial expansivo de Júpiter na casa 9, um símbolo adequado para alguém que contribuiu positivamente para disseminar a cultura e a religião de um povo distante; está igualmente em Plutão na 9, sendo Plutão o regente moderno do Ascendente em Escorpião: alguém que define sua imagem em função das crenças e ideais que abraça; e está, finalmente, na Lua no Ascendente, sendo esta Lua regente de Câncer na casa 9: alguém que consegue expor e evidenciar (Ascendente) um universo cultural distante (casa 9), transformando-o em algo familiar e assimilável (Lua).
Em resumo, Harrison era um grande divulgador e popularizador de propostas, faceta que se revela claramente em sua canção mais conhecida — My Sweet Lord, que trouxe as divindades da Índia para as paradas de sucesso — e em sua iniciativa de maior impacto, a organização do Concerto para Bangladesh, em agosto de 1971, que reuniu um elenco de estrelas do rock no Madison Square Garden para chamar a atenção do mundo para a dramática situação do povo de Bangladesh, vitimado simultaneamente por uma guerra civil e por uma terrível enchente.
Um músico místico e emotivo
Ao contrário do libriano John Lennon, que se sentia à vontade no plano do discurso provocativo e das declarações instigantes, Harrison trabalhava menos com a palavra e mais com a intensidade da emoção. Sua arte levava a sentir, em vez de levar a pensar. Suas canções oscilam entre a dimensão romântica de Something e o toque devocional de álbuns como All Things Must Pass ou Dark Horse.
O vídeo abaixo mostra uma histórica (e rara) apresentação ao vivo de Here Comes the Sun, nos anos 1970, com George Harrison em inesperada dupla com Paul Simon.
Não era apenas o Sol em Peixes que dava a George Harrison a tonalidade emotiva e mística, mas também — e principalmente — Vênus no último grau de Peixes formando oposição com Netuno no início de Libra. Os dois planetas estão envolvidos num jogo de trígonos e sextis com Urano, Saturno e Plutão, o que significa que Vênus do mapa de Harrison é o único planeta pessoal que sofre ativações simultâneas de todos os planetas trans-saturninos. Como estes atuam antes de tudo num nível geracional e coletivo, é através de Vênus em Peixes (compassividade, amor difuso) na casa 5 (criatividade) que encontrarão um caminho mais pessoal. Literalmente, a beleza e a harmonia (Vênus) foram as armas de Harrison para “fazer a cabeça” de toda uma geração.
Harrison veio à luz no início da longa passagem de Netuno por Libra, que deu a tônica cultural da geração nascida entre o início dos anos 1940 e meados dos anos 1950. Tinham Netuno em Libra, por exemplo, os garotos americanos que queimavam seus certificados de alistamento militar em praça pública, recusando participar da insana guerra do Vietnã. Tinha Netuno em Libra a maior parte da plateia de Woodstock, assim como a maioria dos estudantes que em 1968 saíram às ruas em Paris, na Alemanha, no México, no Brasil e em toda parte para “mudar o mundo” e implementar novos paradigmas.
Netuno em Libra é o melhor símbolo astrológico para a utopia social. Netuno responde pelos projetos utópicos, pelo sonhos e delírios, enquanto Libra é, por definição, o signo das relações sociais e de todo o seu espectro de possibilidades, do entendimento ao conflito.
Não espanta que a geração de Netuno em Libra tenha posto em circulação o conceito de sociedade alternativa e slogans como “paz e amor”. Foi a geração do movimento hippie, das passeatas pacifistas, das experiências de retorno à vida natural, do psicodelismo, da negação dos valores burgueses. Tais ideias e atitudes não eram exatamente novas, mas a geração Netuno em Libra transformou-as em fenômeno de massa — e, isso sim, foi uma novidade.
Dos quatro Beatles, Harrison era aquele cujo mapa mais se identificava com esse quadro astrológico coletivo. Sua influência sobre o público foi menos evidente do que a da dupla Lennon e McCartney, mas não menos importante. A Lua em Escorpião no Ascendente e Plutão próximo ao Meio do Céu indicam uma forma sutil, discreta e ao mesmo tempo tremendamente poderosa de atuar.
Contudo, e antes de tudo, Harrison foi músico, e dos melhores. Sem ser tão técnico quanto outros guitarristas (como seu amigo Eric Clapton), foi inventivo a ponto de criar solos que todo mundo conseguia cantarolar. A aparente simplicidade de seus riffs escondia um alto grau de sofisticação (para comprová-lo, basta ouvir, por exemplo, And Your Bird Can Sing, do álbum Revolver). Além disso, impossível imaginar rock sem guitarra, e Harrison era simplesmente o guitarrista solo dos Beatles. Precisa mais?
Capa de Revolver, o LP que antecede o revolucionário Sgt. Pepper’s, de 1967. Em Revolver, Harrison pela primeira vez mistura rock com temas de cítara indiana.
Within You, Without You
Pela qualidade musical e pelo lirismo, Harrison foi pisciano até a raiz dos cabelos, além de agraciado com os melhores atributos de Vênus. Além do mais, quem rege sua casa 10 é o Sol em Peixes em quadratura exata com Saturno, o que agrega à sua carreira musical um toque de seriedade e melancolia. Vênus-Netuno e Sol-Saturno estão presentes por toda sua obra. Um bom exemplo é a letra de Within You, Without You, incluída no álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de 1967:
We were talking — about (…)
the people — who hide themselves behind a wall of illusion
Never glimpse the truth — then it’s far too late — when they pass away(Falávamos sobre as pessoas que se escondem
atrás de um muro de ilusão
e nunca percebem a verdade.
Quando morrem, já é tarde demais.)
A preocupação com a transcendência e com o esquecimento da humanidade em relação a seu destino espiritual é típica da ênfase pisciana de Harrison. A visão pessimista é saturnina. A imagem do “muro de ilusão” reúne um conceito saturnino (muro) e outro netuniano (ilusão). É bem Sol em Peixes em quadratura com Saturno.
We were talking — about the love we all could share
(…)
With our love we could save the world — if they only knew(Falávamos do amor que todos nós poderíamos dividir
(…)
Com nosso amor poderíamos
salvar o mundo — se eles apenas entendessem)
O que a letra expressa é a utopia do amor universal e compassivo de Vênus em Peixes em oposição a Netuno em Libra.
Try to realise it’s all within yourself no-one else can make you change
And to see you’re really only very small
And life flows on within you and without you.(Tente compreender que tudo está dentro de você,
ninguém pode fazê-lo mudar,
e tente perceber que você é na verdade muito pequeno
e que a vida flui dentro e fora de você)
É a consciência solar e a afetividade de Vênus que se perdem diante da perspectiva do infinito, do ilimitado. É a consciência de um universo inclusivo, no qual a vida humana só ganha sentido quando integrada ao todo. Aí estão as influências filosóficas que George fora buscar na Índia, mas que só encontraram ressonância em sua alma por ser ele um tipo tão netuniano.
We were talking — about the love that’s gone so cold
And the people who gain the world and lose their soul
They don’t know, they can’t see — are you one of them?(Falávamos do amor que se tornou tão frio,
de gente que se deu bem no mundo e perdeu a alma.
Eles não sabem, eles não podem ver — você é um deles?)
Novamente, é a atitude contemplativa de Netuno que alcança vastos horizontes espirituais e lamenta que nem todos sejam capaz da mesma compreensão. O último verso deixa entrever uma disposição “pregadora”. É como um sacerdote a nos dizer: “você não quer salvar sua alma?” Um tanto pretensioso, mas compreensível quando lembramos que George tinha apenas 25 anos quando escreveu estes versos. É Júpiter na 9 recebendo a oposição do impositivo Marte em Capricórnio na casa 3, um aspecto do tipo “vocês precisam descobrir a verdade!”. A propósito, esta mesma oposição Marte-Júpiter também explica a paixão do ex-Beatle pela velocidade, a ponto de levá-lo a correr mundo acompanhando corridas de Formula-1.
Se não fosse um Beatle, George Harrison poderia ter sido um líder pacifista, ou o guru de alguma seita orientalista. Sendo um Beatle, acabou sendo também um pouco de tudo isso.
“George tomou pela mão a rainha das fadas e rumou para Sidhe, as colinas encantadas, deixando para nós, que amávamos tanto os Beatles e os Rolling Stones, a sensação de que este mundo ficou um pouco mais triste.” (Barbara Abramo, no artigo que produziu para a página de Astrologia do Bol no mesmo dia em que soube da morte de Harrison)
Tereza Kawall diz
Amei esse artigo sobre meu beatle preferido. Bjs.
Redação Constelar diz
E o meu também, Tereza. Grande abraço!