Em fevereiro de 2001 Constelar publicou, em sua edição 32, o artigo Apenas uma operação de rotina?, sobre o ataque aéreo americano a Bagdá, em 16.2.2001. Neste artigo, levantava-se a possibilidade do envolvimento dos Estados Unidos em uma nova guerra. Efetivamente o conflito veio a acontecer na sequência dos terríveis acontecimentos de 11 de setembro de 2001, quando um ataque terrorista destruiu as torres gêmeas do World Trade Center.
A seguir republicamos na íntegra o artigo de fevereiro de 2001, seguido de alguns comentários atuais, destacados em fundo colorido.
Admitido o horário das 16h50 [ 1 ] para a Declaração de Independência que teve lugar em Filadélfia, a 4 de julho de 1776, a casa 7 é aquela que aparece mais ativada no mapa dos Estados Unidos, reunindo nada menos do que Urano, Marte, Vênus e Júpiter. A presença dominante é a de Urano, por sua posição angular, sendo que este planeta na casa dos relacionamentos não costuma indicar uma disposição conciliadora ou disposta a muitas concessões.
NOTA DO AUTOR, VINTE ANOS DEPOIS
[ 1 ] O horário exato da independência dos Estados Unidos é objeto de enormes controvérsias, inclusive entre os próprios astrólogos americanos. Uma hipótese muito popular é a do Ascendente Gêmeos, o que só seria possível se a Declaração de Independência tivesse sido assinada em plena madrugada. Há os que defendem 16h50, como Vivian Robson, com Urano e Netuno angular; há os que preferem o horário das 17h10, com o Ascendente em 12º Sagitário. E há também os defensores de Ascendentes em Virgem, Libra e Escorpião.
Urano é turbulento, expansionista, “rápido no gatilho” (especialmente em Gêmeos) e muito cioso de seus próprios pontos de vista para permitir-se uma convivência pacífica com o outro. Já Marte em Gêmeos, também na casa 7, reforça a disposição belicosa e faz com que a casa 7 americana enfatize um dos conteúdos que lhe estão associados: a guerra.
Um dado curioso é que, sendo Gêmeos um signo duplo, a presença de Marte ali costuma envolver os Estados Unidos em guerras que se desdobram em duas frentes opostas, ou ainda em duas guerras simultâneas em diferentes regiões do globo. Assim ocorreu, por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, quando os americanos se multiplicaram na frente europeia contra os alemães e nas águas do Pacífico, onde enfrentaram o Japão.
Mais tarde, nos anos sessenta, os Estados Unidos enfrentaram a terrível guerra no Vietnã ao mesmo tempo em que promoviam a invasão da República Dominicana e auxiliavam Israel na Guerra dos Seis Dias, contra uma liga de países árabes.
Marte em Gêmeos fala exatamente desta capacidade de multiplicar-se em situações de conflito, implicando também, pelas características do signo, decisões e deslocamentos rápidos, muita ênfase no papel dos estrategistas militares e na importância da aviação de combate. O auge da manifestação deste simbolismo apareceria, aliás, no projeto “Guerra nas Estrelas”, durante o governo Reagan.
Por trás de tantas manifestações bélicas, está uma atitude defensiva e desconfiada em relação ao resto do mundo (Sol, Mercúrio, Vênus e Júpiter em Câncer, signo da pátria e do instinto de autoproteção) e uma crença idealizada na missão do país como paladino da liberdade e da justiça (Ascendente em Sagitário, Lua em Aquário e Netuno em conjunção com o Meio do Céu).
Já a presença de Plutão na casa 2 em oposição a Mercúrio na 8, casa que também hospeda o Sol da carta americana, consubstancia os fortes interesses corporativos da plutocracia – as grandes empresas com interesses econômicos em toda parte e os fabricantes de armamentos.
O duro pragmatismo com que são conduzidos os interesses ianques aparece na quadratura do Sol a Saturno, sendo Sol o regente da 9, e na já citada oposição de Mercúrio a Plutão, sendo Mercúrio o regente da 7. Estas duas casas, em conjunto, explicam muito das atitudes de um país em relação aos “outros”.
Os trânsitos Plutão-Marte e as guerras americanas
Ao observarmos o que vem pela frente no governo Bush, um trânsito chama a atenção: trata-se da oposição de Plutão ao Marte natal dos Estados Unidos, aspecto que já se encontra numa órbita razoável e que se tornará exato nos próximos três anos. Um ano especialmente perigoso será o de 2003, quando o Marte radical dos Estados Unidos, além da oposição de Plutão já atuante desde agora, estará sendo pressionado também pela conjunção de Saturno em trânsito.
Simultaneamente, Urano em trânsito estará atingindo a posição radical da Lua, no final de Aquário. A análise de ativações da carta americana através da história permite-nos afirmar que em 2003 os Estados Unidos mais uma vez estarão em guerra, que tanto pode ser a eclosão de um novo conflito quanto o ápice da escalada de um conflito pré-existente, iniciado entre 2001 e 2002.
Observemos apenas os três últimos trânsitos de Plutão em aspectos tensos com Marte radical dos Estados Unidos, considerando como ponto de partida os momentos em que Plutão chegou a seis graus do aspecto exato. Assim, teríamos:
- Em 1811 Plutão em Peixes chega a 15° de Peixes, a seis graus da quadratura exata com Marte em 21°22′ de Gêmeos. O aspecto torna-se exato em 1816;
- Em 1900 Plutão em Gêmeos entra em órbita de conjunção com Marte. O aspecto exato forma-se em 1906;
- Em 1964, Plutão em Virgem entra em órbita de quadratura com Marte. O aspecto exato forma-se em 1967.
Considerando ainda uma pequena margem de atuação do aspecto após tornar-se perfeito, teríamos três períodos a considerar, que seriam 1811-1817, 1900-1907 e 1964-1968. O que aconteceu em cada um?
Em 1812, os Estados Unidos, então com apenas 36 anos de independência, lançam-se a uma violenta guerra contra a Inglaterra, cujas tropas, baseadas no Canadá, representam ainda uma ameaça para a jovem nação. O conflito é sangrento. Os americanos sofrem severas derrotas, com perda de incontáveis vidas.
A capital Washington é invadida, e tanto a Casa Branca quanto o Capitólio são incendiados. Os ingleses vencem a guerra de ponta a ponta [ 2 ]. Contudo, os diplomatas americanos negociam mais tarde acordos altamente favoráveis aos Estados Unidos, que têm sua independência finalmente respeitada pelos antigos colonizadores.
Na mesma época da guerra, inicia-se a marcha para o Oeste, ainda sem o ímpeto que adquiriria a partir de 1840, com a descoberta do ouro, mas já com a firme intenção de estender as fronteiras do país, restrito então ao território entre o Atlântico e o vale do Mississipi.
O primeiro obstáculo nesta investida é a resistência dos nativos pele-vermelha, o que leva o governo de Illinois a estipular uma recompensa para todo americano que matasse pelo menos um índio. É o genocídio consentido e estimulado, de acordo com o figurino de Marte na 7 recebendo a pressão de Plutão. [ 3 ]
NOTAS DO AUTOR, VINTE ANOS DEPOIS
[ 2 ] Observar o paralelismo: o ano de 1812 foi a única ocasião, antes de 2001, em que a capital americana e seus símbolos de poder sofreram ataques diretos. Em 1812 a cidade foi saqueada e o Capitólio, incendiado; em 2001, as cidades de Nova York (capital econômica) e Washington (capital política) foram atacadas simultaneamente. Lembrar que um avião de passageiros foi sequestrado e arremessado contra o Pentágono, enquanto outro destinava-se à própria Casa Branca (neste, os próprios passageiros entraram em luta corporal contra os terroristas, do que resultou a queda da aeronave nas proximidades de Washington).
[ 3 ] O “genocídio consentido” volta a ocorrer sob o governo Bush, como resposta ao ataque às Torres Gêmeas, quando tropas americanas coordenam violentos ataques no Afeganistão e, a partir de 2003, ao Iraque, com grandes baixas entre a população civil. Neste período, leis de exceção permitem o confinamento de milhares de suspeitos de terrorismo em Guantánamo e outros locais, sem o devido processo.
O grande porrete da polícia do mundo
O trânsito de 1900-1907 é ainda mais exemplar. Corresponde ao governo de Theodore Roosevelt, um presidente ousado e com ímpetos guerreiros, que inicia sua administração promovendo uma guerra com a Espanha pelo controle de Cuba. Roosevelt elabora uma política externa que vai ao encontro dos crescentes interesses de magnatas americanos nos países da América Latina. Em sua mensagem ao Congresso de 1904, Roosevelt anunciou a expansão do conceito da Doutrina Monroe, já em voga desde 1823:
No Hemisfério Ocidental, a adesão dos Estados Unidos à Doutrina Monroe pode forçar os Estados Unidos, embora relutantemente (…), a exercer um poder de polícia em nível internacional.
O símbolo deste novo papel policialesco é o big stick (literalmente, o grande porrete) que os americanos deveriam portar em suas relações externas. A primeira manifestação da política do big stick foi a intervenção americana na República Dominicana, tudo porque o governo da pequena ilha não estava pagando em dia sua dívida externa.
Após a intervenção militar, funcionários americanos assumem o controle da alfândega dominicana e passam a recolher diretamente as taxas aduaneiras, que são confiscadas a título de “ressarcimento da dívida”. A ocupação militar só termina dois anos depois, quando o pagamento dos débitos da ilha havia sido regularizada até o último centavo.
Tudo isso está de acordo com o simbolismo do mapa americano naquela ocasião: Plutão (regente de Escorpião, signo que tem relação natural com taxas e impostos), ocupante da casa 2 (valores econômicos) em trânsito pela 7 (relações com outros países) e formando conjunção com Marte (guerra, invasão – o país armado com um grande porrete).
Outra providência tomada por Theodore Roosevelt foi a de enviar em 1906 – ano em que o trânsito Plutão-Marte tornou-se exato – uma reluzente e superequipada esquadra de guerra numa viagem de dois anos pelo mundo, numa demonstração sem precedentes de poderio naval. O objetivo explícito de tal viagem era exibir a capacidade bélica americana e intimidar eventuais adversários [ 4 ].
Diga-se de passagem que um fato pouco observado na literatura astrológica, mas do qual não faltam exemplos históricos, é a tendência de indivíduos e instituições ao exibicionismo nada sutil do próprio poder durante trânsitos críticos de Plutão.
Entre 1964 e 1967, os Estados Unidos estavam de novo envolvidos em mais de uma guerra. De um lado, centenas de milhares de soldados lutavam na malfadada Guerra do Vietnã, um conflito desnecessário e só compreensível pela exacerbação do clima de guerra fria então existente. Para não fugir à tradição, os americanos promoviam, de outro lado, a ocupação (mais uma vez) da República Dominicana e imiscuíam-se ativamente em assuntos internos de dezenas de nações latino-americanas e africanas.
A Guerra do Vietnã foi um duro fracasso para a política externa americana, que só começou a diminuir o ritmo de sua participação após 1968, em parte por causa da pressão cada vez maior da opinião pública.
Falar da opinião pública exige falar do papel da imprensa. Em 1812, os jornais americanos tinham ainda um alcance pouco expressivo, mas nos trânsitos Marte-Plutão do início do século XX e da década de 60, exerceram um papel expressivo no convencimento da população sobre a necessidade do papel de polícia dos Estados Unidos no mundo.
Desde 1895, Randolph Hearst, magnata dono de um império jornalístico, engajara-se na mobilização do país para uma guerra contra a Espanha. A ocupação espanhola em Cuba era pintada como cruel, despótica e perigosa para o continente, ao que se contrapunha o papel dos americanos como defensores da justiça e da liberdade.
Hearst faria a mesma coisa mais adiante, durante a invasão da República Dominicana, e tal comportamento serviu de inspiração para o famoso filme Cidadão Kane, de Orson Welles. Na Guerra do Vietnã, a situação se repetiu, e a imprensa, nos primeiros anos do conflito, contribuiu para disseminar a noção de que a intervenção era imprescindível para conter o avanço russo e chinês no Sudeste Asiático. Era a teoria do efeito-dominó: se o Vietnã caísse, logo viriam o Laos, o Camboja, a Tailândia, a Índia… Os fatos provaram que o risco era muito mais imaginário que real. [ 5 ]
Os mesmos ingredientes deverão estar presentes nos próximos dois anos. O vilão da ocasião pode ser Saddam Hussein ou qualquer outro ditador de um país do terceiro mundo. O essencial é que os Estados Unidos correm o risco de assumir mais uma vez o ônus de uma guerra de grandes proporções, em nome de uma missão de polícia do mundo que deveria ser exercida, por direito, apenas por decisões soberanas das Nações Unidas [ 6 ].
George W. Bush candidata-se a repetir as aventuras bélicas de Theodore Roosevelt e de Lyndon Johnson. Talvez, dentro de alguns anos, o mundo venha a sentir saudades dos bons tempos em que a maior potência mundial era governada pelo simpático mentiroso Bill Clinton.
NOTAS DO AUTOR, VINTE ANOS DEPOIS
[ 4 ] Esta mesmo exibição ostensiva de força ocorreu a partir do ataque às Torres Gêmeas, com pesados ataques a países do Oriente Médio e da Ásia Central. Desde que assumiu, Bush, aliás, desde sua posse, vinha ameaçando a reativação de um bilionário projeto de defesa antimísseis.
[ 5 ] Em analogia com ativações anteriores de Plutão, as invasões do Afeganistão e do Iraque foram antecedidas por uma forte campanha de propaganda, envolvendo o próprio governo e veículos de comunicação favoráveis à administração Bush. Esta campanha é retratada, por exemplo, no filme Vice, de 2018, dirigido por Adam McKay, que destaca o papel do vice-presidente americano Dick Cheney na montagem da máquina de propaganda de guerra.
[ 6 ] Efetivamente, além da Al-Qaeda, o ditador do Iraque Saddam Hussein acabou se transformando no vilão do período de guerras pós-atentado às Torres Gêmeas. O Iraque foi invadido em 2003 e o ditador acabou enforcado em 2006. O ataque ao Iraque baseou-se em suposições duvidosas de que o país dispunha de armas de destruição em massa e não contou contou com o respaldo da ONU.
Conclusão
O estudo cuidadoso de ciclos de planetas lentos sobre cartas nacionais permite projetar, a partir da análise de reiterações históricas, a ocorrência de processos análogos quando da ocorrência de novas ativações da mesma natureza. Não se trata de prever fatos, mas de projetar cenários e tendências com base na compreensão do passado.
A partir das conexões estabelecidas por este artigo, parece claro que os trânsitos desafiadores de Plutão aos ângulos e, em especial, ao Marte da carta americana estão associadas aos períodos em que os Estados Unidos tomaram iniciativas que conduziram o país a seus conflitos mais destrutivos. Por sorte, teremos de esperar até meados da década de 2050 para vermos de novo ativações como a de 2001-2003.
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