E, no princípio, existia a Noite e o Vazio.
E houve um tempo em que eu morava no caos de mim mesma. Completa desconhecida, sem bússola e sem espelho.
E a Noite gerou um grande Ovo. Da casca partida em duas metades, nasceram o Céu e a Terra, também chamados Urano e Gaia.
E, neste tempo, eu tinha um espírito e um corpo, que se batiam sem se dar conta de suas existências, sem centro.
E, do meio deste Ovo, surgiu uma grande força de união, também chamada Eros Primordial que uniu Urano e Gaia.
E encontrei-me comigo mesma, corpo e espírito, pela força do Amor, através da Astrologia, que me fez uma unidade com um sentido.
E a partir daí toda a vida foi criada.
O Amor Primordial e a Astrologia – Urano e Gaia
Eros (o amor) é o mais belo entre os deuses imortais. E, apesar de seus múltiplos disfarces, aparências e indumentárias, continua, em todos os tempos, a se constituir na força fundamental do mundo, não apenas por garantir a continuidade das espécies, mas, sobretudo, pela manutenção da coesão interna do cosmo.
Preenchendo o vazio, estando no núcleo de toda a criação, é o elo que une o Todo, a busca eterna de completude, a união dos opostos.
O Amor é a pulsão fundamental do ser, a libido, que impele toda existência a se realizar na ação. É ele que atualiza as virtualidades do ser, mas essa passagem ao ato só se concretiza mediante o contato com o outro, através de uma série de trocas materiais, espirituais, sensíveis, o que fatalmente provoca choques e comoções. Eros procura superar esses antagonismos, assimilando forças diferentes e contrárias, integrando-as numa só e mesma unidade. Nessa acepção, ele é simbolizado pela cruz, síntese de correntes horizontais e verticais e pelos binômios animus-anima e Yang-Yin. Do ponto de vista cósmico, após a explosão do ser em múltiplos seres, o Amor é a “dýnamis”, a força, a alavanca que canaliza o retorno à unidade; é a reintegração do universo, marcada pela passagem da unidade inconsciente do Caos primitivo à unidade consciente da ordem definitiva. A libido então se ilumina na consciência, onde poderá tornar-se uma força espiritual de progresso moral e místico. O Ego segue uma evolução análoga à do universo: o amor é a busca de um centro unificador, que permite a realização da síntese dinâmica de suas potencialidades.
Nessa descrição de Eros, encontram-se perfeitamente delineados os principais aspectos de um mapa astrológico: a multiplicidade de “seres” que encontramos em nós pelas expressões planetárias, a cruz inscrita na ótica terrestre do nascimento que nos mostra os caminhos para a integração entre o Ascendente e o Descendente, entre o Zênite e o Nadir e as oposições complementares dos signos.
Quando vi o Céu, projetado sobre a Mandala do meu nascimento, comecei a compreender que o mapa me falava de um momento único de amor, entre o céu e a terra, do qual eu era um fruto. A Astrologia desenhava este encontro e o mito me contava suas histórias. Só me restava compactuar com este amor, me compreendendo e me aceitando, e, afetuosamente, viver da melhor, da mais plena, da mais consciente e da mais humilde forma possível, todo o potencial ali inscrito. Aceitando as mutações necessárias e colaborando com elas, indo aos poucos integrando as metades, os opostos e, a partir desta auto-aceitação, amar e compreender o outro e, sabendo-o parte de “nosso” todo, não expectar e não julgar.
Mapas para o encontro do Amor
A Astrologia traça os mapas para o encontro com o Amor.
Suas possibilidades se fazem presentes no Céu projetado sobre a cruz terrestre e sobre as casas astrológicas quando:
- na busca e confronto com o “outro” em nós, encontramos nosso próprio amor;
- em nossa relação com aquele que nos orienta na leitura destes mapas, pelo amor com que somos compreendidos, aprendemos a aceitação de nossos paradoxos;
- nas sinastrias com nossos companheiros de existência, e
- em todas as situações onde estivermos caóticos, divididos ou perdidos.
Assim como no mito, considero o Amor Primeiro como o princípio de tudo, ou seja, o momento quando, através de nosso mapa de nascimento, começamos a busca da consciência e a integração deste centro, que a psicologia chamou de Ego. Aí, iniciamos o encontro com nós mesmos e com nosso adversário principal, aquele que nos habita os porões da inconsciência.
Acredito que, diante desse mapa, temos uma trajetória a percorrer:
Primeiro, aprendendo a nos conhecer como potenciais perfeitos, inigualáveis e completos, quando então podemos abandonar imagens idealizadas e preconceitos contra qualidades que, quase sempre, indicam nossos próprios potenciais rejeitados.
Em seguida, aprendendo a aceitar os recursos de que dispomos para nos tornarmos, apenas e o melhor possível, o que podemos vir a ser.
Conseguimos, então, a possível liberdade, do modo como formulou Jung, quando afirmou: “O livre-arbítrio é a capacidade de fazer com alegria aquilo que eu devo fazer”.
A partir daí, quando não mais pretendemos ser isto ou aquilo, e conseguimos a aceitação do que antes rejeitávamos porque nos era sombrio, passamos a integrar as partes abandonadas que projetávamos fora de nós.
Neste momento, o Amor pode existir de dentro para fora. É o instante em que, sendo amorosos com nossas “imperfeições”, a síntese se faz e tornamo-nos uno.
Mas, de forma dinâmica, a Astrologia também nos ensina, através de sua sabedoria, que estamos em perene mutação. As progressões, os trânsitos, as revoluções e todos os movimentos celestes, na harmoniosa dança amorosa com a Terra, nos pedem flexibilidade e nos contam que o nosso Centro (Ego) é um ponto que, sendo permeável, nos introduz em campos nunca imaginados.
Deste modo, podemos ampliar nossos limites e experimentar novas formas de ser que permitem tornarmo-nos maiores que nós mesmos, mais próximos do conceito de Self. Essa experiência pode abrir espaço para um entendimento mais abrangente, onde o outro não é mais um estranho.
Quando esse Amor pessoal se instala, nossas projeções se tornam mais conscientes e, longe de prescindirmos de parceiros, conseguimos trocar com eles, aprendendo, partilhando e intercambiando, com respeito e admiração pelas características pessoais do outro, sem críticas negativas, competições, defesas, intolerâncias ou agressões. O Amor Maior vai tomando conta de nossa vida até que o vazio esteja pleno de possibilidades afetivas. A este processo chamo de ACOLHER.
Nota: o texto inicial, em negrito, relata o mito do nascimento de Eros.
(Cosmogonia)
dulce diz
Muito grata pela partilha destes conhecimentos que me ajudam a evoluir
Erulos diz
Sou leitor de Constelar e quero agradecer Angela por compartilhar …