
Ares em combate. Detalhe de cerâmica grega.
É muito legal pensar nas várias faces de Marte. O Marte em queda, como quer Morin de Villefranche, o Marte em regência… Tenho visto campeões de natação com Marte em Peixes. Nada de campeões nacionais; em nenhum dos casos – poucos, uns cinco ou seis nestes anos – o cara chegou a ir pra frente, a ampliar o território da vitória na natação. Mas foram pessoas que usaram a natação pra crescerem.
Marte em Câncer, a meu ver, é o mais difícil: tendência a querer que a mulherada em volta empurre pra ação, no caso do homem, e no caso da mulher, já vi algumas com problemas de procriação, outras que odeiam cozinhar – ao contrário do que eu, incauta, poderia imaginar… Parece que há uma inversão no modo da pessoa viver esse Marte: os homens e as mulheres agem diferentemente com a energia, integram-na diferentemente. No caso dos nadadores, tanto homens como mulheres nadavam pra valer durante um tempo, mas não faziam disso uma profissão depois.
Ah! e nem todo Marte em Escorpião que vi é como descrevem os manuais: nem vingativos, nem ases na cama, às vezes já vi alguns clientes com dificuldade pra lidar com grana, – com uma casa 2 legal, ou nada de complicado com o regente da 2 – alguns realmente tinham problemas com grana, que é uma coisa maluca de se pensar com Marte em Escorpião, que a rigor deveria saber gerir dinheiro – pelo menos dos outros. Marte em Escorpião também não quer dizer necessariamente uma vida sexual ativíssima… ao contrário, o pé atrás escorpiônico produz a tal da “demora na ligação”.
Mais contribuições para se pensar em Marte:
Ares tem origem na palavra grega arcaica ara, que significa maldição e, ao mesmo tempo, oração. Nas versões – como nos relatos etruscos, anteriores aos gregos da época clássica – Ares não tem pai, nasce direto de sua mãe Hera. Esta, muito enraivecida com o fato de seu marido, Zeus, ter dado à luz Atena, pediu para ter um filho sem ajuda de Zeus. Chateada, ia procurar a ajuda do Oceano, mas passou no caminho pelo palácio da deusa Flora – uma das formas de manifestação de Gea, a mãe Terra. Esta deu a Hera uma erva que, quando tocada, dava fertilidade a qualquer um. Hera então engravidou de Ares, ao tocar a planta. Hera volta à Trácia e dá à luz Ares.
Quem educou Ares? Príapo, aquele que depois sofreu um castigo divino de nunca mais perder a ereção – primeiro ensinou Ares a dançar e depois as artes da guerra.

Moeda em circulação na Grécia no início do século III, representando, numa das faces, Príapo em estado de ereção. Estatuetas de Príapo eram utilizadas em hortas e jardins, pois acreditava-se que estimulavam a fertilidade da terra e espantavam aves predadoras.
Marte: energia feminina duplicada
Muito interessante é pensar que Marte é filho de uma mulher frustada, carente, que consegue ajuda de outra mulher. Marte como fruto de duas forças femininas, sendo uma delas a própria Gea, a Terra.
Marte como filho da energia feminina duplicada em seu aspecto não apenas de esposa que mantém a família e a ordem familiar – Hera – como também da própria vida: da Terra. A energia feminina que prova sua autonomia e potência diante da energia procriadora masculina. Hera tem muito a ver com uma função feminina arcaica, nascida no tempo do matriarcado, que topa a aliança com o patriarcado pra poder manter um pouco seu território, seu poder. Tanto que Hera fica sinônimo de defensora das tradições do casamento e da família. Uma energia atuante do feminino, ligada por sua ancestralidade à polimorfia da Terra, mais anterior ainda do que o matriarcado. As energias de sobrevivência femininas nascem da junção de Hera e Gea, neste ponto.
Ares aprende quase tudo com um mestre que passou a significar, na historiografia mitológica, a personificação de uma exacerbação doentia do falus, da potência masculina, incapaz de procriação, pois a ereção contínua impedia a finalização do ato de potência criativa: Príapo. A primeira coisa que Ares aprende é a dançar e, muito depois, as artes da guerra.
Príapo-dança-guerra são atos ligados aqui pela conexão com a energia masculina e suas formas de manifestação. Guerrear “é” uma arte, bem diferente das artes de Afrodite, sua irmã, ou de Apolo e sua música. A música do deus Apolo, também entidade masculina, faz o fundo para a dança de Ares: a da conquista e dos festejos e a da guerra. Como se na guerra, além de sua arte marcial, houvesse também a música, a dança. Todas ligadas a formas de simbolização de uma virilidade incompleta: Príapo de novo, que é quem ensina. Marte é desenhado por Homero, que escreveu a Ilíada e a Odisseia, como um gigante inculto que se imiscuía em muitas ações com seus arroubos e sua intemperança.
Será em Roma que Ares, agora transformado em Marte, mais “civilizado”, substitui o primitivismo animal deste Ares nascido e criado por impossibilidades de gênero, cada uma a seu modo. O que nos pode esclarecer que Marte nasce da frustração e da raiva por sermos impedidos de exercer nossa potência criadora com nossos parceiros complementares e opostos, por uma impossibilidade psíquica pessoal.
Nesta série de cinco artigos, a importância e o significado de Marte são passados a limpo a partir de diversas abordagens. Publicada originalmente por Constelar em março de 1999, registra um debate que se estendeu de 2 a 7 de fevereiro de 1997, através da lista de discussão Solstix. Foi o primeiro grande debate astrológico da Internet brasileira – e um dos melhores.
Leia a sequência inteira:
O amor de Marte diante da morte – Ana Ocampo e Marcus Vannuzini
Da virilidade ao projeto de vida – Valdenir Benedetti
A ereção eterna do tutor de Marte – Barbara Abramo
A guerra do desejo e a hora do sexo – Barbara Abramo e Valdenir Benedetti
O que vale a pena ler sobre mitologia – Barbara Abramo