Hanna Opitz (1958-2019) foi uma das astrólogas mais transgressivas das últimas três décadas. Não teve medo de experimentar novas formas de conjugar Astrologia e cultura de massa, nem de associá-la a outras técnicas provenientes de diferentes contextos culturais. No final dos anos oitenta, Hanna teve contato com a Astrologia Uraniana, teoria criada por Alfred Witte na Alemanha dos anos 1920. Fez diversos cursos e, ao voltar, logo tratou de introduzir o método no Brasil. A partir das palestras que deu sobre o assunto, conseguiu interessar um bom número de astrólogos e estudantes para o estudo deste método original, que trabalha com oito planetas hipotéticos. Em 2003 produziu um pequeno artigo para Constelar, sob o título O que é Astrologia Uraniana.
Foi também uma pioneira da interpretação criativa de símbolos presentes no cotidiano. Com base na hipótese de que todo acontecimento de grande impacto é antecipado por símbolos – pequenos eventos casuais, fotografias, etc. – tornou-se uma intérprete habitual dos sinais que a cultura de massa nos fornece, como explica neste artigo produzido para Constelar em fevereiro de 2002: Os símbolos que indicam o futuro.
Nos últimos anos, desenvolveu diversas iniciativas (cursos, palestras, artigos e vídeos) sobre o Feng Shui Astrológico, uma técnica de síntese entre o simbolismo da Astrologia do Ocidente e a interpretação do espaço doméstico ou urbano a partir do Feng Shui chinês.
Muita ativa em São Paulo, era figura constante em congressos e mesas-redondas, tendo também contribuído com textos para duas coletâneas, organizadas por Valdenir Benedetti e Maurício Bernis.
Hanna Opitz no Rio: provocando e inovando
Hanna Opitz participou de relativamente poucos eventos no Rio de Janeiro, mas deixou na cidade a imagem de astróloga com propostas provocativas. Participou dos dois primeiros Simpósios Nacionais de Astrologia do Sinarj. No primeiro, em 25 de janeiro de 1997 no Centro de Convenções do Barra Shopping, apresentou a palestra Quando Vou Casar? Um ano depois, em 1º de fevereiro de 1998, voltou ao mesmo local para o segundo Simpósio, desta vez com o tema Feng Shui Astrológico. Uma novidade na época. Cinco anos depois trouxe o tema Previsões São Feitas para Não Serem Feitas, apresentado em 16 de agosto de 2003, no Centro de Convenções do Hotel Flórida. O nome da palestra já era uma contradição.
No Simpósio seguinte, em agosto de 2004, Hanna participou da mesa de abertura, com a astróloga americana Erin Sullivan, e apresentou a palestra Riqueza e Fama – você quer? Durante a exposição, conseguiu colocar a plateia em polvorosa ao defender a hipótese de um improvável Ascendente em Touro para a cidade do Rio de Janeiro.
—Touro??? Como assim? Todo mundo sabe que o Ascendente do Rio é Gêmeos! – reclamaram diversos espectadores.
—De onde vocês tiraram essa certeza? – replicou Hanna – O Rio é uma cidade relaxada, sensual, cheia de curvas, e um horário de fundação por volta das 11h é tão possível quanto o de meio-dia.
Uma senhora chegou a se levantar, vermelha de indignação:
—Nós, cariocas, não somos ruminantes! E o nosso jeitinho? E o nosso jogo de cintura? Jamais teríamos um signo fixo no Ascendente!
Eis no que dá mexer com certezas consolidadas. Mas estava escrito nas estrelas que Hanna ainda daria um susto muito maior na plateia carioca. Depois de alguns anos sem apresentar-se no Rio, ei-la de volta em 28 de novembro de 2009, a convite de Constelar & Escola Astroletiva, para apresentar-se no evento de previsões Presságios 2010. O tema: Um novo mapa para um novo Brasil, que defendia a revolucionária tese de que o verdadeiro mapa da Independência não era o do Grito do Ipiranga, mas o da assinatura do ato jurídico pela Princesa Leopoldina, cinco dias antes! Diante de uma plateia estupefata com a ousadia, Hanna defendeu alegremente uma carta com Ascendente em Sagitário e Lua em Peixes.
O evento Presságios acontece anualmente desde 2005. Foram 12 edições presenciais e três em formato exclusivamente virtual. E, até hoje, nenhuma palestra gerou tanta polêmica quanto a defesa da Princesa Leopoldina como a “mãe” da Independência. Mais uma vez, Hanna vinha ao Rio para contestar certezas e propor novos horizontes.
A última presença de Hanna num congresso carioca parece ter sido no XVI Simpósio Nacional de Astrologia do Sinarj, de 28 a 30 de novembro de 2014. Hanna não apresentou palestra, mas esteve presente o tempo todo, conversando aqui e ali. E acabou dando no autor deste artigo uma das maiores broncas de sua carreira como astrólogo.
Fernando Fernandse confessa: Hanna me puxou as orelhas – e com razão!
A grande atração do Simpósio do Sinarj 2014 foi o americano Robert Hand, considerado, com justiça, um dos melhores astrólogos do mundo. Além de apresentar uma palestra solo e dois minicursos, Hand também tomou parte em uma mesa de Astrologia Mundial, da qual os demais participantes seriam o paulista Henrique Wiederspahn, o argentino Adolfo Gerez e eu. A comissão organizadora (na época Márcia Mattos era a presidente do Sinarj) arrumou o palco na forma convencional: uma mesa, quatro cadeiras e microfones para os palestrantes. Na hora em que vi o lugar que me estava reservado, dei um pulo:
—Querem que eu sente ali? De jeito nenhum.
—Qual o problema?
—Esses americanos só vêm pra cá pra colonizar a gente. Sou contra. Devia ter mais espaço para os astrólogos latinos. Yankees, go home!
A sala já estava quase cheia e a diretoria do Sinarj pronta para apresentar os debatedores. Enquanto os outros três sentavam-se à mesa, fui teimosamente para a primeira fila da plateia. O debate começou sem mim. Na hora de apresentar minha parte, fiquei do lado oposto, bem longe da mesa, para marcar distância daquele representante do imperialismo. Terminado o painel, tivemos um coffee-break. Estava tentando alcançar um pão de queijo quando ouvi aquela voz atrás de mim, num tom bem sério:
—Precisamos conversar agora.
Era a Hanna. Saímos de perto da multidão e ela disparou, num tom muito gentil, mas que não admitia réplica:
—Sei que você só queria marcar uma posição. Mas o que acabou fazendo foi uma desfeita. Uma pirraça, e das mais feias. Imperdoável. Precisa consertar com urgência.
E calmamente me fez entender como eu havia sido grosso, sabotando um momento raro na história do Simpósio. A ficha caiu e nesta altura já me sentia completamente arrependido. Queria voltar atrás, mas não sabia como. Encerrado a programação, um grupo grande foi para o Fiorentina, tradicional restaurante no calçadão do Leme. Formou-se uma mesa enorme, Hand e sua esposa e numa ponta, eu na ponta oposta. Hanna me tirou dali e me arrastou para junto do americano com as mesmas recomendações que uma mãe faria para um filho mal-educado:
—Vê se agora consegue ser simpático. Responde as coisas se ele perguntar.
Funcionou. E descobri que o convidado internacional era um interlocutor de grande simpatia e interessado em conhecer o que faziam os colegas brasileiros. Naquele dia, Hanna não foi a única pessoa a me dar uma bronca, mas foi quem me tocou. A astróloga de propostas instigantes era também gentil e agregadora. Gostava de trabalhar de forma colaborativa e era uma pessoa sempre disposta a trocar informação. Vai fazer falta.
Para conhecer o trabalho de Hanna:
- O que é Astrologia Uraniana
- Princesa Leopoldina: novo mapa para um novo Brasil – com áudio da palestra original, de 2009.
- Os símbolos que indicam o futuro