Uma rápida investigação sobre o mapa da Síria confunde mais do que ajuda o pesquisador. Trata-se de um daqueles países com diversas opções de carta nacional, exigindo uma análise mais detalhada de cada uma das possibilidades.
Qual o critério para definir o mapa de um país?
Nicholas Campion, astrólogo e historiador inglês, autor da coletânea de cartas mundanas The Book of World Horoscopes, propõe como mapa do país a data da transferência de todos os poderes da administração colonial francesa para uma administração local, em 1º de janeiro de 1944. Poderia ser um bom começo. Contudo, não é a data que os sírios reconhecem como sendo o de sua própria independência.
O grande senão do trabalho de Nicholas Campion — no mais um pesquisador de primeiro nível — é utilizar um critério etnocêntrico para o levantamento de mapas nacionais. Para Campion, o fator determinante da formação de novos países (ou da fase histórica atual de países milenares) é sempre um ato jurídico formal, normalmente consubstanciado na assinatura de um documento ou na vigência de um tratado.
Trata-se de um critério bastante eficaz no mundo anglo-saxão, onde a ordem jurídica desempenha um papel preponderante como eixo articulador da vida social e econômica. Assim, privilegiar a assinatura da Declaração de Independência como marco do surgimento dos Estados Unidos é uma escolha basicamente correta, já que os próprios americanos reconhecem naquele ato uma força simbólica e uma legitimidade que o tornam o verdadeiro ponto de partida da autonomia nacional.
Contudo, fora do mundo anglo-saxônico a coisa muda de figura. Para nós, latino-americanos, pronunciamentos teatrais em praça pública, de espada em riste, como o Grito do Ipiranga de Pedro I ou a Proclamação da República de Deodoro da Fonseca, valem mais do que os documentos formais que dão legitimidade ao novo regime. Para os povos africanos e o mundo árabe, não é muito diferente.
O importante não é adotar para o resto do mundo os mesmos critérios de autonomia jurídica que seriam reconhecidos na Inglaterra, mas sim tentar entender o que cada povo, em vista de sua cultura e de seus valores locais, considera marcante como indicador do surgimento de uma identidade nacional.
O caso da Síria é um bom exemplo do labirinto de opções a que um astrólogo está sujeito. A região é povoada desde tempos imemoriais, e o termo Síria remonta à época clássica dos gregos, que o aplicavam provavelmente para identificar a região antes ocupada pelo império assírio. Mais precisamente, as origens da Síria atual podem remontar à época da conquista islâmica, em 640 d.C. Daí até o ano 750 Damasco foi a capital do califado Omíada, primeiro grande momento de esplendor cultural do Islã.
Contudo, para que um mapa nacional seja válido, deve corresponder a um organismo político autônomo e com existência contínua. Neste sentido, a Síria da época dos califas Omíadas não é certamente a mesma dos dias atuais: durante séculos, a autonomia desapareceu por completo, em vista da anexação do território por outras potências, as últimas das quais foram o Império Otomano (dos turcos) e a França, que controlou a região após a Primeira Guerra Mundial.
Assim, tratemos de procurar a carta do país após a recuperação da autodeterminação, algum momento depois da saída dos franceses.
Síria: as várias alternativas de carta nacional
Os próprios sírios consideram como data nacional o dia 17 de abril de 1946, quando as últimas tropas francesas deixam definitivamente o país. Esta é a carta que apresentamos abaixo, sem estrutura de casas e calculada para o horário-padrão do meio-dia.
Contudo, esta não é a única possibilidade. Em 22 de fevereiro de 1958 Síria e Egito se unem para formar a RAU (República Árabe Unida) sob a presidência do líder egípcio Gamal Abdel Nasser. Em 28 de setembro de 1961 um golpe restabeleceu a autonomia da Síria, que abandona a união com o Egito. Contudo, o novo governo durou pouco. Em 8 de março de 1963 o partido Baath, de orientação nacionalista e socialista, promove novo golpe de estado e assume o poder, numa convulsão que provocou a morte de mais de 800 pessoas.
Em 1966 outro golpe de estado levou ao exílio os Baathistas de 1963 e elevou ao comando do país uma dissidência do partido Baath. Em 1970 um novo golpe de estado foi perpretado pela ala militar do partido Baath, que defenestrou os governantes civis e colocou no poder o Ministro da Defesa, Hafez al-Assad.
Hafez governou ditatorialmente por trinta anos. Após sua morte, em 2000, assumiu um governo de transição que, finalmente, em 10 de julho de 2000 entregou o poder nas mãos do filho de Hafez, Bashar al-Assad, que permaneceu na presidência até 7 de dezembro de 2024.
Desta rápida exposição, destacamos quatro mapas que podem ser válidos para a compreensão das turbulência da Síria contemporânea:
- Mapa da Independência, em 17.4.1946;
- Revolução do partido Baath, em 8.3.1963;
- Revolução que pôs no poder a “dinastia” Assad, em 12.11.1970; e
- Tomada de Damasco e queda da “dinastia” Assad, em 8.12.2024, por volta das 5h, Damasco (horário a confirmar).
Cabe destacar que o governo de Bashar al-Assad é ao mesmo tempo uma continuação do regime de seu pai e da própria revolução Baathista, já que o Partido Baath continua no poder ininterruptamente desde 1963.
Na carta da Independência, em 1946, o destaque fica por conta de uma quadratura T entre o Sol em Áries, Marte em Câncer e Júpiter em Libra. Trata-se de uma configuração dinâmica, turbulenta, expansiva, com um toque adolescente e um forte impulso para a ação imediata. A quantidade de golpes de estado e de conflitos externos vividos pela Síria desde 1946 confirmam claramente essas características, ainda mais reforçadas pela quadratura da Lua em Escorpião com Plutão em Leão.
A carta da Revolução Baath em 1963 confirma em parte a da Independência ao apresentar uma conjunção Sol-Júpiter, desta vez em Peixes. Por outro lado, acrescenta um dado novo: uma quadratura Saturno-Netuno, que tende a trazer à tona a temática do fanatismo, da defesa do Estado e da restrição dos direitos individuais. Efetivamente, a partir daí a Síria sempre será um regime ditatorial.
A carta do início do golpe de estado que colocou Hafez al-Assad no poder, em 1970, traz — surpresa! — uma nova conjunção Sol-Júpiter, desta vez em Escorpião e oposta a Saturno em Touro.
Já a carta da queda da família Assad, em 8 de dezembro de 2024, apresenta mais uma vez um forte contato Sol-Júpiter — desta vez uma oposição — fazendo parte de uma quadratura T que tem Saturno e Lua em seu ápice.
O “tema de fundo” da questão síria
As quatro cartas importantes para a compreensão da Síria de hoje reforçam-se mutuamente. Na carta da Independência, o tema dominante é a quadratura T entre Sol, Marte e Júpiter, indicando que a república viveria uma permanente tensão entre a legalidade (Júpiter em Libra) e o poder autoritário (Sol em Áries), tudo isso envolvido com a questão da violência étnica (Marte em Câncer, signo de raízes familiares). Os contatos Sol-Júpiter se repetem nas outras três cartas, sempre associados a aspectos tensos entre o Sol e um dos maléficos tradicionais (Marte e Saturno), reiterando a questão central da história síria em quase setenta anos: o dilema entre autoridade e legalidade, sempre com o tempero da repressão e da violência.
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