No momento, um considerável número de astrólogos tem atribuído a Éris um papel na corregência sobre Libra. Uma fonte paralela de sentido para a natureza libriana se desvelaria mais facilmente com o mito de Éris, sentido este que residiria justamente no fator antagônico contido na cúspide da casa VII, o Descendente. Longe de dar por resolvida a questão – que ainda deve durar alguns anos -, gostaria de levantar, despretensiosamente, algumas possibilidades envolvendo esta teoria.
Éris, representação mítica da discórdia, é um astro com uma órbita longuíssima. No Zodíaco, está em Áries desde a década de 1920 e lá permanecerá por mais quarenta anos. Como a China moderna tem Sol em Libra (e Vênus exilado em Escorpião), seria interessante observar Éris como forma de dar prosseguimento aos debates. Convém lembrar ainda que Mercúrio, Netuno e o Nodo Sul também se encontram no signo da Balança. Não é à toa que a China é um caso excepcional para análises sobre Éris: o país tem Sol em oposição exata a ele.
Na mitologia grega Éris, que corresponde à deusa romana Discórdia, é conhecida principalmente por ter colaborado de modo decisivo para que a Guerra de Troia eclodisse. O famoso pomo da discórdia que envaideceu Juno, Palas e Vênus e colocou Páris diante de uma escolha que teria perigosas consequências, é caracterizado, sobretudo, pela ideia de “divisão”: portanto, a imagem de Éris está inevitavelmente vinculada a rivalidades e embates. Afinal, trata-se da companheira de batalhas de Marte.
Todavia Fernando Fernandse, num ensaio sobre o tema, aponta o seguinte:
O aspecto mais importante do mito de Éris não diz respeito ao comportamento da deusa, e sim de Páris, que simboliza, aqui, o ser humano que se vê subitamente retirado de seu contexto familiar e jogado em outro cenário, onde será obrigado a tomar decisões para as quais talvez não esteja preparado. [trecho de palestra no Simpósio do Sinarj de 2007]
Para pensarmos em possíveis analogias a respeito da oposição chinesa entre Sol e Éris, é preciso voltar no tempo.
Os 300 anos que antecederam a Revolução Chinesa foram de completa submissão a agentes externos. Primeiro, os chineses foram dominados pelos manchus, depois pelos europeus e finalmente pelos japoneses. Não é nenhum exagero dizer que, neste período, o país foi massacrado, espoliado e humilhado. Um quadro que certamente teve como uma das causas principais o longo isolamento voluntário, já que a China sempre evitou e desprezou a influência cultural externa. Num mundo aceleradamente integrado após as grandes navegações do século XVI, isto gerou “atraso” e graves vulnerabilidades para a nação mais populosa do mundo. Afinal, a lógica colonial e imperialista que estava em curso via na China oportunidades tentadoras. Esta fase foi traumática.
A invasão japonesa entre 1937-45 tornou a China uma das maiores vítimas da 2ª Guerra e, por outro lado, fortaleceu o nacionalismo chinês. A capitulação do Japão e a posterior vitória do Exército Vermelho abriram caminho para que uma nova ordem emergisse no país. Nela, os erros e as feridas do passado eram algo a ser superado, mas esquecido jamais. A nova realidade chinesa forçava uma inserção mais profunda no dinâmico campo das relações internacionais, algo que a China sempre evitou – ter de se misturar com os “bárbaros”. Anos depois, a China praticamente isolou-se do mundo. Hoje, o crescimento dinâmico da economia chinesa coloca o país no centro das mais importantes questões globais. Este pêndulo entre inserção e isolamento pode ser um dos possíveis desdobramentos da oposição entre Sol em Libra e Éris em Áries.
Fernando Fernandse sustenta ainda a teoria de que “a oposição é uma espécie de aspecto ‘natural’ para Éris, na medida em que confronto e ampliação de horizontes pela mudança de perspectiva são conceitos inerentes à natureza deste planeta (grifos meus). Oposições de Éris não são necessariamente mais difíceis do que os aspectos fluentes, já que sua principal manifestação se dá através da exacerbação da necessidade erisiana de fazer escolhas dentro de contextos ampliados”.
Ora, a China emergiu como um novo país ganhando destaque no cenário internacional através da disputa entre os dois blocos que pontuavam a Guerra Fria. Incondicionalmente, o país viu-se diante de uma acirrada luta – da qual teve de participar -, aderindo ao lado soviético. Seu peso, nunca desprezado, adquiriu entretanto um valor infinitamente maior a partir de então.
Baseando-se em estudos de caso a respeito de Éris, Fernando Fernandse chega à conclusão provisória de que os aspectos tensos provavelmente indicam alguma “resistência ou falta de talento para aproveitar oportunidades em novos cenários”. Não devemos nos esquecer, contudo, que para o autor as oposições de Éris, especificamente, não envolvem necessariamente as “dificuldades” tradicionalmente contidas nesta qualidade de aspectos.
Entre 1949 e 1955, a oposição de Éris ao Sol, que já era partil, se intensificou. Como vimos acima, é provável que Éris indique questões relativas a condições envolvendo mudança de ambiente e de perspectivas. A vitória de Mao e do ELP não representou uma simples troca de grupos no controle do poder, mas, antes, um novo país, uma nova ordem interna e uma nova forma de inserção no cenário internacional. De acordo com as ambições do projeto revolucionário chinês, desafios inerentes a uma situação inteiramente nova – tanto no plano interno como no externo – teriam de ser assumidos. Em princípio, a teoria de que nas oposições envolvendo Éris existe uma natureza que colabore para uma assimilação positiva de suas características parece estar certa: é durante o período da intensificação da oposição de Éris ao Sol natal da China moderna que o país lança as bases de seu projeto revolucionário, avançando na coletivização da agricultura, na industrialização de sua economia, na criação de uma estrutura política e burocrática e na aliança com a União Soviética.
Em outubro de 1951, todavia, houve uma conjunção de Júpiter a Éris e de Saturno ao Sol da China. Um mês antes a China anexara o Tibet. A ocupação chinesa foi marcada pela destruição sistemática de mosteiros, pela opressão religiosa, pelo fim da liberdade política e pelo aprisionamento e assassinato de civis em massa. Ao governar o Tibet, as autoridades chinesas comunistas introduziram a reforma agrária e reduziram significativamente o poder das ordens dos mosteiros, apesar da forte oposição do povo tibetano. Temos, nesta época, uma intensificação da oposição de Éris ao Sol que, acompanhada de uma oposição de Júpiter e Saturno, levava à ocupação e incorporação de território e povo alheios. Um ano antes, a China entrava na Guerra da Coreia mudando decisivamente os rumos do conflito.
No início de março de 1953 dá-se a morte de Stalin, quando a oposição era matematicamente precisa. Os anos após a morte de Stalin viram prosseguir o intercâmbio com a União Soviética. É quando Éris começa a afastar-se gradualmente da oposição ao Sol e surgem as famosas “campanhas” de Mao, dando sequência à ideia de uma “revolução permanente”. Em tese, a diminuição da intensidade da oposição entre Éris e o Sol estaria associada ao isolamento progressivo. Em 1956, Saturno estava sobre o Meio do Céu (busca de maior autonomia nas decisões e sucesso relativo sendo atingido) e Urano na cúspide da casa VII (mudanças envolvendo parcerias) marcavam o caminho da Revolução até ali. A partir de então, o quadro iria alterar-se drasticamente, com a China tornando-se cada vez mais estranha ao mundo, e o mundo estranho à China.
Como procurei demonstrar acima, o fim da oposição exata de Éris progredida ao Sol radical da China moderna marcou, junto com outros ângulos planetários, uma mudança de rumo na China, tanto no plano interno como externo. A partir de então, haverá uma série de campanhas confusas, além do afastamento gradual da União Soviética.
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