Alegorias

Carro alegórico da sociedade carnavalesca Democráticos, em 1920.
São carros decorados com temas referentes ao enredo. Os carros têm a função de explicar ou ilustrar visualmente alguns aspectos do enredo, assim como de separar as diversas seções do desfile. As alegorias funcionam como verdadeiros cenários ambulantes. Sua origem perde-se nos tempos, remontando a épocas arcaicas. Carros alegóricos já faziam parte de procissões religiosas egípcias, assim como de desfiles militares assírios, persas e romanos. No carnaval carioca, a tradição remonta ao desfile das Grandes Sociedades, agremiações surgidas na segunda metade do século XIX (Tenentes do Diabo, Fenianos, Pierrôs da Caverna e outras) que utilizavam os carros como recurso de sátira política e social.
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Todo carro alegórico tem sempre uma dimensão linguística e outra metalinguística. A dimensão linguística diz respeito ao processo narrativo, ou seja, ao conteúdo do enredo em si. Porém, a escola que conta uma história também aproveita a ocasião para contar alguma coisa sobre si mesma. É uma forma de dizer ao público: “Olhem como somos competentes, capazes, criativos e geniais!” A magnificência das alegorias foi exatamente o grande trunfo de Joãosinho Trinta em seus desfiles vitoriosos pela Beija-Flor de Nilópolis, nos anos setenta. Os carros alcançaram alturas colossais, como verdadeiros edifícios sobre rodas. Esta conotação arquitetônica dá às alegorias um sentido Touro-Capricórnio. E, quanto mais altas e verticalizadas forem as alegorias, mais forte será o componente libriano na sua concepção. Libra, além de ser o signo da exaltação de Saturno (estruturas), também é significador de cúpulas e das partes altas das edificações, em geral. Ainda podem participar como cossignificadores das alegorias os planetas Júpiter (quando os carros são enormes e magnificentes – um indicador de hipertrofia) e Urano (quando os carros são dotados de recursos computadorizados e efeitos especiais, uma tendência recente).
Um carro alegórico que merece regência própria é o abre-alas, aquele que abre o desfile, sendo precedido apenas pela comissão de frente. O abre-alas está duplamente vinculado ao Ascendente, à casa 1 e ao primeiro signo, Áries, seja porque é o portador da identidade da escola – como no caso da Portela, que sempre traz a águia, seu símbolo tradicional – seja porque é o que vem na frente, iniciando a apresentação do enredo.
O carro abre-alas forma uma polaridade com a comissão de frente. O abre-alas tem um sentido afirmativo (“estamos aqui”), enquanto a comissão de frente “negocia” a relação entre a escola e o mundo exterior (Libra, casa 7). É o corpo de embaixadores que anuncia, diplomaticamente, a passagem do rolo compressor.
Empurradores de carros alegóricos
Os carros utilizados pelas escolas são enormes e extremamente pesados. Como o regulamento dos desfiles tende a mudar de ano para ano, há ocasiões em que se permite a utilização de veículos motorizados, solução que tende a prevalecer daqui para o futuro. Durante décadas, porém, os carros não podiam ter recursos próprios de locomoção, o que tornava obrigatória a figura do empurrador. Enquanto todos se divertiam (ou pareciam divertir-se), lá estava aquela meia dúzia de indivíduos atrás do carro, cabeça baixa, olhos no chão, fazendo força. Não desfilavam com fantasias. Na verdade, não faziam parte do desfile, nem tinham lugar no enredo. Podiam ser pessoas da comunidade ou trabalhadores contratados, e havia que ser forte para aguentar o tranco até o final da avenida.
Trabalhadores são assunto de casa 6 e de Virgem. Trabalho braçal pesado pode ser associado a Saturno e ainda a Marte, pela força física exigida. E se pensarmos nos empurradores como os “animais de carga” do desfile, é possível também pensar em Touro, signo de resistência e de trabalho paciente.
Asfalto
É o piso por excelência dos desfiles de escolas de samba. Qualquer chão, de maneira geral, e pisos, em particular, são regidos por Saturno. O asfalto é derivado de petróleo, substância regida por Netuno e Plutão.
O asfalto da passarela é um chão sacralizado. Pisar na passarela tem o sentido hierático de penetrar no templo. Participar do desfile é tomar parte num ato litúrgico, e a entrada da escola na passarela é uma cerimônia pagã eivada de elementos ritualísticos. Este simbolismo agrega um toque jupiteriano, transformando o asfalto em espaço investido de significado religioso. Cabe, pois, atribuir-lhe uma regência conjunta Saturno-Júpiter.
Evolução
É a capacidade de uma escola de samba percorrer a pista do desfile sem atropelos ou falhas de continuidade, o que significa manter um fluxo regular e compassado no desfile de foliões. A ideia da escola de samba como um espetáculo em movimento tem uma associação imediata com o eixo casa 3-casa 9, especialmente com esta última e com o signo de Sagitário, que lhe corresponde no zodíaco natural. Sagitário rege o aparelho locomotor, os processos de deslocamento, os percursos e trajetórias. Evoluir, porém, não é apenas caminhar pela avenida, mas deslocar-se (Sagitário) com ordem (Virgem) e graça (Libra). A evolução graciosa não chega a ser exatamente difícil, já que Sagitário e Libra mantêm entre si uma relação de sextil, aspecto de facilidade. Mas deslocar-se com ordem – o que significa não romper a rígida setorização das alas (Virgem) – é o grande desafio a ser vencido. Acrescente-se que a escola precisa ainda manter o samba no pé (Peixes, significador dos pés e da dança) e, ao mesmo tempo, contar uma história de forma compreensível para o público (o enredo, Gêmeos). Os quatro signos foram uma quadratura, a grande cruz mutável das escolas de samba. A agremiação que consegue conjugar harmoniosamente os significados contidos nesses quatro signos tende a chegar ao final da avenida com grandes possibilidades de vitória.
Fantasia
O uso de fantasias é algo tão antigo que seria impossível localizar-lhe a origem. Nas escolas de samba, a fantasia tem um sentido diferente do carnaval de rua, dos cordões do início do século XX ou do entrudo do século XIX. Nestas manifestações mais espontâneas, a fantasia tem a função de esconder a identidade do folião e permitir-lhe um temporário estado de anonimato irresponsável. Usá-la significa negar Saturno (o senso de realidade, o “pé no chão”) para assumir Netuno (o simulacro, a substituição, a mistificação, o onírico). O fim do carnaval, na quarta-feira de cinzas, representa o momento de deixar de lado a fantasia (Netuno) e voltar à realidade. Não por acaso, a quarta-feira é o dia de Mercúrio, planeta que rege Virgem, signo oposto a Peixes. Em Virgem temos a diferenciação: ao indivíduo estão associados um nome, um número de CPF e documentos que lhe são próprios e específicos. O indivíduo pode ser identificado, cobrado e responsabilizado. Este mundo cinzento das obrigações e limites, que recomeça na quarta-feira de cinzas, é regido por Mercúrio (Virgem) e por Saturno (Capricórnio). Já no carnaval, em vez de individualidades, temos a massa amorfa e irresponsável, sob o manto protetor das fantasias. É o domínio de Netuno (Peixes) e Lua (Câncer), planetas regentes dos signos opostos a Virgem e Capricórnio.
No caso dos desfiles de escola de samba, o ato de fantasiar-se não se reveste, porém, desta dimensão lúdica: é um recurso de padronização, que transforma, como num processo de clonagem, todos os membros de uma ala em reproduções de um mesmo modelo, com a finalidade de transmitir uma informação. Este sentido de unidade de informação remete a Mercúrio e casa 3 (linguagem). Já a padronização, fruto da repetição da mesma fantasia em todos os integrantes da ala, tem uma conotação plutoniana (clonagem) e de casa 11 (processo grupal). Há, contudo, os que fazem contraponto à uniformidade das alas e portam fantasias únicas e luxuosas: são os destaques.
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