De repente, a letra que Tom Jobim escreveu para Águas de Março, em 1972, começou a virar verdade. Entre paus, pedras e muita lama, a casa onde o compositor residiu na Região Serrana veio abaixo. Outros milhares de construções tiveram o mesmo destino.
A água que caiu do céu em trombas raivosas produziu um cenário que se assemelha às devastações provocadas por terremotos e furacões. Em frente às janelas das casas que resistiram, o que antes era rua tornou-se rio caudaloso, e por ali, segundo relatos de sobreviventes traumatizados, passaram corpos, bichos, pedras, geladeiras, carros, igualados na vulnerabilidade diante de cachoeiras descendo a 100 quilômetros por hora. Tudo era levado pela correnteza. Na escuridão, ouviam-se gritos. Muitos morreram afogados. (revista Época, edição de 15.1.2011)
Levantar um mapa preciso para a tragédia da região serrana é praticamente inviável. Na maioria das localidades vitimadas, moradores e veranistas dormiam. Quem se salvou não teve tempo de olhar o relógio. Com pequenas diferenças de horário, regiões relativamente distantes entre si foram atingidas por chuva pesada, deslizamentos de lama e rios que enchiam rapidamente. Impossível saber exatamente onde e como tudo começou. Segundo relatos divulgados pela TV e pelos jornais, o auge dos acontecimentos ocorreu na madrugada de 12 de janeiro. Na falta de maior precisão, pensemos em termos de faixa de tempo: tomando como referência o centro de Nova Friburgo (cidade mais atingida), o Ascendente entrou em Escorpião às 0h57min40s daquela noite. Das 2h41min31s às 4h43min32s o Ascendente esteve em Sagitário. Portanto, Escorpião e Sagitário são os dois Ascendentes possíveis, com maior probabilidade para o primeiro.
Até por volta das 3h da manhã, o único planeta acima da linha do horizonte era Saturno em Libra, envolvido numa tensa configuração com Sol em Capricórnio e Lua em Áries. Horas antes a Lua ativara por quadratura o grau do eclipse parcial do Sol ocorrido em 4 de janeiro de 2011. O mapa do eclipse, calculado para Nova Friburgo, mostra Saturno como planeta mais elevado, em conjunção com o Meio do Céu. Saturno, um dos maléficos da Astrologia Clássica, é um significador de processos de materialização e condensação, assim como de todos os processos relacionados com massa e peso. O vapor d’água que se condensa na atmosfera e volta ao solo na forma de chuva pesada expressa um mecanismo saturnino.
Tudo o que aconteceu na Região Serrana lembra Saturno em Libra. O que Libra busca é o equilíbrio, o nivelamento. Saturno é um significador de pedras e estruturas geológicas, sendo também a melhor tradução astrológica da Lei da Gravidade. Numa região que há décadas vinha sofrendo com a ocupação desordenada do solo, Saturno desencadeou um processo de nivelamento forçado: o que estava em lugares elevados e sem sustentação despencou para ocupar o espaço vazio nos vales.
O que surpreendeu foi a inesperada violência da enxurrada. Para entendê-la, é preciso voltar um pouco atrás e lembrar que no dia 4 de janeiro de 2011 ocorrera um eclipse parcial do Sol. É bem sabido que eclipses são fatores de aceleração e dinamização das configurações afetadas. Pois o eclipse de 4 de janeiro (uma semana antes da tragédia) apresenta Sol e Lua em Capricórnio formando quadratura com Saturno em Libra. Além do mais, o Nodo Norte estava em conjunção com Plutão, dando um tom deste planeta aos acontecimentos dos meses subsequentes (os efeitos de um eclipse se estendem até o eclipse seguinte, e Plutão em Capricórnio é significador, entre outros temas, de transformações súbitas envolvendo solo e rochas).
Calculado para Nova Friburgo, o mapa do eclipse apresenta um Ascendente em 21º16’ de Capricórnio. As chuvas destruidoras caíram na madrugada do dia 12, quando o Sol transitava sobre o Ascendente do eclipse! A Lua, por sua vez, funcionava como gatilho de toda a situação, formando oposição a Saturno e quadratura ao Sol.
Os críticos de plantão diriam: onde estavam os astrólogos que não previram o desastre antes que acontecesse? Efetivamente, não há notícia de que nenhum astrólogo tenha antecipado em detalhes a catástrofe que se abateu sobre Nova Friburgo, Teresópolis e Itaipava. Contudo, em suas linhas gerais o processo desencadeador de eventos desse tipo já estava reconhecido e delineado há muito tempo, como podem confirmar diversos artigos, aqui mesmo em Constelar. É o que veremos a seguir.
Quanto mais rara um evento astrológico, maior seu alcance no tempo. Como regra geral, podemos considerar que os efeitos de uma configuração se estendem no tempo até que ocorra uma configuração da mesma natureza. E um dos mais raros fenômenos possíveis é o alinhamento dos sete planetas visíveis no mesmo signo. Esse tipo especial de stellium pode ocorrer apenas uma ou duas vezes em cada século e, por envolver o Sol, recebe o nome de doriforia.
Este raríssimo fenômeno ocorreu em 4 e 5 de fevereiro de 1962, quando sete planetas se agruparam em Aquário; e voltou a ocorrer 38 anos depois, de 3 para 4 de maio de 2000, quando os mesmos planetas tiveram um encontro em Touro. Como outro encontro desses só terá lugar no século XXII, lidamos até hoje com os processos desencadeados em 2001, os quais, por sua vez, representam uma resposta aos processos de 1962. Estamos falando, portanto, de um amplo movimento histórico que engloba diversas décadas.
A doriforia de 1962, em Aquário, sinaliza um momento de euforia com as conquistas da tecnologia e de sua capacidade para tornar melhor a vida humana. No artigo O encontro marcado, publicado na edição de Constelar de maio de 2000, descrevemos o alinhamento em Aquário da seguinte maneira:
Pela primeira vez, a capacidade humana de transformar o ambiente natural conseguiu superar amplamente a capacidade da própria natureza em reconstituir-se. (…) A década de 60 vê surgir a consciência ecológica e o movimento hippie, sintomas de que uma parcela da população começava a acordar para o potencial destrutivo do rompimento do “pacto com a natureza”. Esta consciência está hoje plenamente disseminada, mas não se transformou em ações concretas de reversão do caos. O modelo atual da sociedade industrial – e isso é fato mais que sabido – é inviável a médio prazo, e levará a uma perda brutal da qualidade de vida em todo planeta em menos de cinquenta anos.
E o artigo prossegue lembrando que o modelo de desenvolvimento econômico e o estilo de vida enfatizados com a doriforia de 1962 destacam valores do mental e impessoal signo de Aquário no que este tem de pior:
a excessiva cerebralização e tecnicidade, que fizeram com que a cabeça do planeta – a humanidade pensante – aprofundasse o processo de divórcio com o corpo – a natureza e o ambiente físico da Terra.
Se Aquário, signo de Ar, define um momento em que o homem aposta na tecnologia e se esquece cada vez mais de sua dependência visceral à mãe-terra, o alinhamento de maio de 2000 em Touro traz de volta – e nem sempre de forma tranquila – a consciência de quanto nosso destino está vinculado ao que acontecer com o ambiente natural. Touro, não custa lembrar, forma com Escorpião o eixo dos ciclos da natureza: Touro simboliza os biomas e sua preservação; Escorpião, por sua vez, responde pelos processos de reciclagem e regeneração. Por isso afirmamos no artigo de maio de 2000:
O novo alinhamento ocorre em Touro, signo que, ao contrário de Aquário, traz de volta para o primeiro plano as duas preocupações básicas da humanidade, desde seus primórdios: alimentação e segurança. Em torno destes dois conceitos centrais, articulam-se outros, como o de valor (atributo de Vênus, regente de Touro), território, relação com o mundo físico e vida econômica. (…) Considerando que Touro é signo vinculado à Terra e à natureza, a presença ali dos sete planetas clássicos coloca em evidência a questão ambiental em escala planetária. (…) Há duas possibilidades: o início real de ações de grande porte com vistas a deter a degradação ambiental e preservar a biodiversidade (preservação é um atributo taurino) ou o aprofundamento do atual quadro de crise, com o risco de comprometimento permanente de solos e florestas, avanço da desertificação, queda na produtividade da agropecuária e aumento das áreas de fome endêmica.
Esta é, portanto, a realidade que passamos a viver a partir de 2000. Como as oportunidades de construir um acordo mundial em torno da questão ambiental sofreram sucessivos revezes (o Protocolo de Kioto e a Cúpula de Copenhague são apenas dois exemplos), os fatores de risco foram agravados, levando ao aumento do aquecimento global e ao aprofundamento dos transtornos climáticos. A Terra também tem-se manifestado no plano geológico: 2010 foi um bom exemplo disso, com a atividade sísmica que destruiu a capital do Haiti e o sul do Chile e com os vulcões da Islândia que paralisaram todo o tráfego aéreo europeu.
Nesse contexto, o tragédia da Região Serrana deve ser entendida como um passo a mais na escalada de processos negativos desencadeada pela recusa humana em trabalhar o processo taurino da sustentabilidade. Como não se tem investido nas melhores possibilidades do signo – preservação, valorização da biodiversidade, proteção dos ambientes naturais contra o artificialismo da vida moderna – acabamos sofrendo as consequências do mais negativo dos processos taurinos: a quebra da resiliência ambiental, ou seja, da capacidade de um ecossistema retomar suas características originais após sofrer a ação de fatores de desequilíbrio.
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