- Para entender a técnica, leia Como analisar mapas de posse
- Para uma análise ampla das configurações de 1ºde janeiro, leia Os prefeitos da pandemia e do dinheiro curto
- As posses dos prefeitos 2021 nas outras metrópoles
- Artigos mais antigos: as posses de Marcelo Crivella e João Doria, em 2017, e de Jair Bolsonaro, em 2019
Rio de Janeiro, as muitas cabeças da Hidra
Dos novos prefeitos das grandes metrópoles, Eduardo Paes, no Rio, e João Campos, no Recife, são os dois cujo mapa de posse apresenta maior número de planetas em casas angulares. No caso de Paes, ainda mais, porque a iniciativa de Áries caracteriza o Ascendente enquanto a disposição gestora de Capricórnio ocupa o Meio do Céu. No Rio, não faltará ação, e o novo prefeito encontrará condições para exercer o protagonismo. Será um desafio e tanto, pois, em primeiro lugar, o novo governante terá de “domar” as estruturas de poder do município, onde grupos impessoais e solidamente encastelados tendem a querer impor sua pauta (Plutão, Saturno e Júpiter na 10). É um governo de tudo ou nada, cujo desafio pode ser comparado ao combate entre Hércules e a Hidra de Lerna: ou cortar todas as cabeças da Hidra (que, no mito grego, podem regenerar-se) ou entregar os pontos e deixar-se devorar, como ocorreu com todos os últimos governantes do Rio de Janeiro.
De que armas dispõe o prefeito para este combate? Em primeiro lugar, precisa reconhecer que o município vive uma crise inédita que não pode ser enfrentada com os meios convencionais. Éris no Ascendente fala de problemas que surgem numa escala ainda desconhecida, e que só podem ser administrados com uma visão inclusiva, preferencialmente agregadora e suprapartidária. A quadratura com Plutão na 10 mostra o tamanho do desafio.
De todos os mapas de posse, o do Rio é o que mais enfatiza a importância do planejamento estratégico e a necessidade de apostar em quadros técnicos altamente profissionalizados. Basta observar que Mercúrio, regente da casa 6, está em conjunção com o Meio do Céu e em sextil com Netuno na cúspide da 12 (a imaginação, a utopia social). O prefeito terá melhores resultados se escolher um secretariado totalmente formado por servidores de carreira (casa 6) que saibam dialogar com ONGs e com instituições que pensam a cidade criativamente (Netuno). Uma das melhoras apostas do novo mandato pode ser no uso da arte como uma forma de fomentar a autoestima do carioca e a retomada econômica (o Rio é um polo produtor de cinema, TV, música e espetáculos, como o carnaval)
Por outro lado, gastos excessivos com a saúde pública e com a rede hospitalar municipal podem ser um problema sério, seja em decorrência de má gestão, seja de decisões do Poder Judiciário desfavoráveis ao Executivo. Problemas de descontinuidade administrativa e confrontos com a população por causa de arroubos de autoritarismo também são possibilidades a evitar.
São Paulo com Netuno na cabeça
Netuno na casa 10 mostra o que a população paulistana espera de seu prefeito: uma administração humanizada e um governante disposto a sacrificar-se pela cidade. As perspectivas, porém, não são boas. O Ascendente está no último grau de Touro, apontando um mandato onde mudanças de cenário podem ocorrer muito rapidamente. Vênus, regente do Ascendente, ocupa a casa 7 e forma quadratura com Netuno, regente e ocupante da 10. É a indicação de um titular com fortes limitações para governar, ainda agravada pela conjunção de Vênus com o Nodo Sul.
Como Bruno Covas vem enfrentando problemas de saúde, seria tentador fazer uma leitura pessoal da carta de posse, enxergando nela um prefeito fragilizado (Netuno na 10). Contudo, cabe lembrar que o mapa da posse diz respeito ao mandato (algo de natureza institucional), e não à figura de quem o exerce. É preciso, então, fazer uma leitura mais cautelosa e generalizante, abrindo o leque de possibilidades.
A configuração Netuno-Vênus-Nodos parece indicar que as melhores oportunidades da nova gestão estão em desenvolver um olhar mais sensível para questões tipicamente netunianas: Cracolândia, moradores de rua, favelização, poluição atmosférica, desemprego e enchentes deverão dividir a atenção com a questão do enfrentamento da pandemia.
Um ponto muito positivo no mapa da nova gestão paulistana é a possibilidade de encontrar saídas para a gestão orçamentária: Mercúrio rege a casa 2 (recursos) e está na casa 8 (tributos) em sextil com Netuno na 10. Ou seja, a administração tem condições de arrecadar o que necessita para cumprir as metas orçamentárias. Por outro lado, não são nada favoráveis as relações entre o legislativo municipal (Marte), o judiciário (Saturno em quadratura com Urano) e o funcionalismo público: Marte e Plutão, corregentes da casa 6, estão em quadratura entre si, mostrando possíveis desgastes em função de greves e reivindicações salariais.
Apesar de São Paulo ser o estado brasileiro com melhores condições de deslanchar um programa local de vacinação independente do governo federal, os indicadores de saúde pública da carta não indicam que a prefeitura tirará pleno proveito desta vantagem estratégica. Tanto os significadores da casa 6 quanto da 12 – o eixo da saúde pública, das epidemias e dos hospitais – encontram-se tensionados e pesadamente aspectados. Os aspectos com Saturno, em especial, parecem apontar entraves na esfera legal ou burocrática, que tanto podem vir de instâncias superiores no próprio país quanto de dificuldades de suprimento de insumos provenientes do exterior.
Um mapa de posse não mostra dificuldades intransponíveis (até porque não pode sobrepor-se ao mapa da cidade e ao do próprio governante), mas a carta da posse de Bruno Covas indica que a superação da pandemia enfrentará dificuldades maiores do que as esperadas.
Na Holanda, é muito conhecida a lenda do menino Hans Brinker que, ao perceber uma rachadura no dique que protegia sua aldeia da invasão das águas do mar, ali enfiou o dedo, assim permanecendo até o dia seguinte, até ser encontrado pelos adultos da comunidade. Com este pequeno gesto, Hans Brinker enfrentou uma noite de fome e frio mas salvou sua aldeia da inundação. A lenda fornece uma boa imagem para a compreensão do desafio que o mapa de posse propõe ao prefeito da maior cidade do país. Esperemos que ele possa dar conta do desafio.
Rio e São Paulo: uma comparação
Não se pode valorizar excessivamente os mapas de posse de autoridades públicas. São mapas complementares, que não dão conta das intenções e dos atos dos titulares dos cargos, mas sim do contexto em que se dará sua atuação. Neste sentido, diríamos que o mapa da posse no Rio de Janeiro mostra um quadro bem mais definido: o prefeito não terá dificuldades para identificar quais são os desafios a enfrentar (até porque eles se revelarão de forma bastante ostensiva) e as armas com que contará para combatê-los: planejamento estratégico, ação rápida e equipe técnica blindada contra interferências. É uma batalha pesada que pode resultar numa grande vitória ou num esmagamento acachapante. Não há meio termo.
Já em São Paulo, o desafio que a carta de posse propõe ao prefeito é encontrar o caminho tateando no escuro, sob neblina pesada e removendo pedras que, se não impedem a caminhada, sempre provocarão atrasos e desgastes. Pequenos ganhos podem ser obtidos em programas pontuais, voltados para o atendimento de necessidades específicas, especialmente nas áreas social, sanitária e ambiental. A gestão no Rio exigirá mais coragem e decisão; em São Paulo, mais resiliência e capacidade para contornar obstáculos.