A ascensão de Juan Domingo Perón
Em 1943, um golpe militar derrubou o corrupto governo argentino e instalou um regime conservador e autoritário. No novo governo, porém, logo começou a destacar-se o coronel Juan Domingo Perón. Ao contrário de seus companheiros de farda, Perón sabia fazer-se presente junto às massas de operários, trabalhadores rurais e desempregados – as camadas sempre excluídas do jogo do poder. Em 1944 um terremoto destrói a cidade de San Juan. Perón assume a liderança da campanha de apoio aos desabrigados e, num show para levantamento de fundos, no Luna Park de Buenos Aires, conhece Eva Duarte. Era uma atriz jovem e bonita, que contava na época menos de 25 anos e desempenhara papéis secundários em diversos filmes, além de atuar como modelo publicitário. Rapidamente tornaram-se amigos e amantes. Nos meses subsequentes, a popularidade de Perón cresceu cada vez mais, a ponto de tornar o coronel uma figura cada vez mais incômoda para os chefes militares conservadores. Ao lado dele, Eva, sempre incansável, passou a desenvolver intensa atividade de mobilização política, utilizando especialmente o rádio, veículo no qual se sentia à vontade pela experiência que acumulara como atriz em programas que dramatizavam a vida de mulheres famosas, sob o patrocínio do sabonete Federal.
Em 1944, assumindo o poder o general Farrel, Perón concentra a vice-presidência, o ministério da Guerra e a Secretaria de Trabalho e Previdência. O presidente Farrel, ultrarreacionário, censura letras de tangos e proclama “as essências hispânicas e católicas do Ser Nacional”. E mais: torna obrigatório o ensino religioso e acusa a democracia de ser “fonte de degeneração de Deus, da Pátria, do Estado e da Família”. Enquanto isso, Perón aprova leis de forte impacto social, implantando a legislação trabalhista, o direito de aposentadoria para todos os trabalhadores, a organização sindical, a justiça do trabalho e a proposta que abria perspectivas para o direito do voto feminino. Estava preparado o caminho para a ascensão à presidência. Em 1945, os militares conservadores, que temiam o crescente prestígio de Perón e condenavam seu relacionamento com o “desclassificada” Eva Duarte, pressionam Farrel e obrigam-no a afastar Perón do governo. Uma inédita marcha popular leva milhares de “descamisados” para os portões do palácio governamental, a Casa Rosada, e a multidão só se acalma quando Perón, reconvocado às pressas, aparece na sacada e faz um discurso populista. Esta data – 17 de outubro de 1945 – marcaria para sempre a história da Argentina, sendo chamada o Dia da Lealdade. Convocam-se eleições, e Perón ganha com facilidade. Um pouco antes, casara-se com Eva Duarte, que chega ao poder na condição de legítima esposa.
Evita no poder
Os primeiros anos de governo de Perón contam com forte apoio popular, liderado pelos sindicatos. Eva Perón, através de uma fundação que leva seu próprio nome, desenvolve um infatigável trabalho social, resolvendo aposentadorias emperradas, inaugurando creches populares e colônias de férias, obtendo vagas para doentes em hospitais e apoiando as conquistas femininas na cidadania e no mercado de trabalho. Para os conservadores, é uma arrivista, uma oportunista, pouco mais do que uma prostituta; para a população simples, é uma santa.
Perón manobra o Congresso para obter a reforma da Constituição que lhe garantirá o direito à reeleição. O povo exige a candidatura de Evita à vice-presidência. Mas a primeira-dama está doente. Portadora de um câncer que avança rapidamente, tenta manter-se em evidência, para apoiar a reeleição do marido. Por ocasião de uma tentativa de golpe para depô-lo, é ela quem vai para o rádio, com voz alquebrada, para levantar o povo contra os revoltosos. Com muito sacrifício, consegue ainda, após as eleições, acompanhar Perón na cerimônia da posse, em 4 de junho de 1952, desfilando em carro aberto pelas ruas de Buenos Aires. Menos de dois meses depois, na noite de 26 de julho, a Cadeia Nacional de Radiodifusão anunciaria que “às 20h25 a senhora Eva Perón, chefe espiritual da Nação”, deixara a vida para “entrar na imortalidade”. Eva, Evita, a “santa”, o “anjo formoso”, a “prostituta”, acabara de falecer. Contava apenas 33 anos.
O que se seguiu foi uma das maiores comoções públicas já registradas na Argentina. Em um ataúde com tampa de cristal, seu corpo foi trasladado para a sede da CGT (a principal organização sindical do país), onde intermináveis multidões de “descamisados”, a gente simples do povo, desfilaram em massas compactas, dias e noites seguidos, para o último adeus.
Três anos depois, Perón seria deposto pelos militares. Passaria 17 anos no exílio antes de retornar à Argentina. Com seu apoio, consegue fazer eleger um partidário, Héctor Cámpora, em 1973. Conforme o esperado, Cámpora logo renuncia em favor de Perón, que assume o poder diretamente e o mantém até sua morte, em 1974. É substituído pela viúva de seu terceiro casamento, Isabelita Perón, que enfrenta crises inadministráveis e acaba derrubada pelos militares em 1976, ano do início da fase mais sombria da história argentina.
Evita e o ciclo Saturno-Netuno
A morte de Evita e sua posterior transformação em mártir do Peronismo e ícone nacional ocorrem no período de formação da conjunção Saturno-Netuno em Libra.
O Ascendente da morte de Evita, não indicado aqui (a estrutura de casas é a do mapa da Independência) está no início de Peixes (2Pis46). Observar que Urano da morte de Evita afeta por conjunção o Meio do Céu e o Sol da Independência da Argentina, além de fazer oposição à Lua do país. E o mais importante: esta recebe também uma quadratura praticamente exata de Netuno transitando pela casa 12 da Argentina. É o retrato da comoção pública e do processo de mitificação que ali se inicia.
Na morte de Evita, Saturno já se encontra a dez graus da conjunção com Netuno, em Libra. Esta conjunção se tornaria exata quatro meses depois, em novembro de 1952, em 22º de Libra, a apenas dois graus do Ascendente da Independência da Argentina.
Entre os muitos significados do ciclo Saturno-Netuno está a necessidade de venerar “salvadores da pátria”, figuras quase sobre-humanas. É exatamente o que ocorre com Evita Perón neste período. A veneração popular raia o fanatismo e passa a ser utilizada pelo regime. Evita é alçada à condição de Jefa Espiritual de la Nación, o que irrita a Igreja Católica e abre um conflito entre o presidente e as autoridades eclesiásticas do país. Mais adiante, este conflito se tornará ainda mais agudo, resultando na deposição e exílio de Perón, em 1955.
O ciclo Saturno-Netuno é de particular importância na História da Argentina, mas suas ativações pode também ser observadas associadas a acontecimentos políticos relevantes em toda a América Latina. Falamos de mártires e figuras sobre-humanas? No Brasil, sem dúvida ninguém ocupa este lugar com mais propriedade do que Tiradentes, o precursor da Independência. E basta levantar o mapa da data do enforcamento do herói mineiro – até hoje comemorada como feriado nacional – para verificar que, em 21 de abril de 1792, Saturno e Netuno se opunham no céu, no eixo Áries-Libra.
Leia também: Eva Perón, o mapa do mito, de Nora Casadellá