Assumindo o poder no Chile em 11 de setembro de 1973, na esteira do golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende, o até então discreto general Pinochet logo se revelou um governante adepto de métodos radicais. Ao longo de seus 17 anos de governo, deixou um rastro de milhares de prisões políticas, execuções sumárias e desaparecimentos.
A tentação da visão determinista
O mapa natal de ditadores como Pinochet sempre desperta a tentação de procurar os “sinais astrológicos” do mal que viriam a causar, como se algumas pessoas já nascessem marcadas para este ou aquele destino. Trata-se de uma visão determinista sem respaldo nos fundamentos da Astrologia, que, enquanto linguagem, sempre propõe múltiplas possibilidades de manifestação e leitura.
Nenhuma configuração astrológica condena, de antemão, à violência, nem indica, ao contrário, qualquer qualidade especial. A superioridade ou inferioridade moral simplesmente não está na carta, dependendo muito mais de outros aspectos da formação do nativo — educação, cultura, ideologia — que interagem com as características especificamente astrológicas. O mapa de nascimento não existe no vazio, mas sempre dialoga com a História.
Tudo isso vem bem a propósito quando tentamos entender o mapa do ex-dirigente chileno, onde um forte Júpiter de casa 9 exerce o papel de protagonista.
Há, é claro, outros aspectos que se destacam na carta do ditador chileno. Chamam a atenção, por exemplo, os dois quincunces entre Câncer e Sagitário: do Sol de casa 6 para Plutão na casa 1 (este quase exato) e da Lua na casa 2 para Vênus na 7. O Plutão de casa 1, em especial, remete de imediato à aparência dura e crispada de Pinochet, sempre escondido atrás de lentes escuras, assim como ao fato de ter-se tornado o “rosto do regime”, caracterizado por um fortíssimo aparato repressivo.
Já o regente do Ascendente, Mercúrio, está em Escorpião, na casa 6, e envia uma quadratura a seu dispositor clássico, Marte na casa 3. Este aspecto dissonante interage com Sol-Plutão para falar de um pensamento moldado pelos valores da força e de uma disposição para atuar de maneira profunda e fulminante na eliminação daqueles que considerava como os inimigos do novo regime.
O intrigante papel de Júpiter
O que pode parecer intrigante à primeira vista é que o homem que liderou um dos regimes mais violentos da América Latina tivesse um Júpiter tão fortemente dignificado. Este planeta, além de dispor do Sol e de Vênus, rege dois ângulos da carta (o Meio do Céu está no final de Peixes), está domiciliado por signo (Peixes) e por casa (a nona) e forma um belo Grande Trígono com Lua e Mercúrio em signos de Água.
À primeira vista, poderia ser o mapa de um pensador místico ou mesmo de um líder religioso — uma autoridade eclesiástica, por exemplo. Estranho? Nem tanto: um dado biográfico pouco conhecido é o lado supersticioso e místico do ditador, que alimentava um grande interesse pelo culto católico mariano, pela numerologia e por fenômenos paranormais.
Citam-se a seguir trechos do artigo El oculto y sorprendente lado esotérico del general Augusto Pinochet, da autoria de Héctor Fuentes e publicado num site chamado guioteca.com, mantido pelo mesmo grupo que controla o jornal El Mercurio. Depois de contar o episódio em que Pinochet, ainda jovem, teria tido uma visão reveladora da morte de seu pai no momento em que este falecia, o autor revela outro episódio de contato com espíritos:
O jornalista César Parra (…) relata que em 1974 o fantasma do general Carlos Prats, ex-ministro do governo de Salvador Allende, teria começado a assombrar Pinochet após seu assassinato em Buenos Aires, em setembro daquele ano. “Pinochet começou a sentir a presença noturna do ex-comandante-em-chefe do Exército.
No início eram apenas barulhos estranhos na casa. O general, supersticioso por herança materna, fez questão de atribuir esta manifestação sobrenatural ao seu antecessor no cargo. Mais tarde, a alma de Prats instalou-se aos pés de sua cama e não permitia que nem Pinochet nem a esposa dormissem.
O escritor e cronista Antonio Gil acrescenta que Pinochet era movido por um profundo respeito pelos fenômenos paranormais, que se manifestava, por exemplo, no rubi com sinal astral que usava no dedo anular esquerdo. “Sua principal “bruxa” durante muitos anos foi uma senhora italiana que vivia no Chile chamada Eugenia Pirzio-Biroli, nomeada prefeita de Puerto Cisnes.
O artigo informa que Pinochet dispensou sua vidente quando ela falhou na previsão de um atentado. Porém, logo substituiu-a por outra, que “realizava frequentes sessões de espiritismo no Palácio de La Moneda” (aqui, o autor do texto original utiliza erroneamente a expressão “sessões de espiritismo”, quando caberia melhor falar em “sessões mediúnicas”). Havia também uma terceira conselheira espiritual, que, por revelar que o número de Pinochet era 5, influenciara o general a escolher a data de 5 de outubro para o plebiscito de 1988. E o artigo acrescenta:
César Parra, em todo caso, em vez de falar de um “Pinochetismo esotérico”, assegura que na realidade o fenômeno foi reduzido “a um catolicismo fundamentalista, às vezes sectário, que se manifestou na fé mariana. Ele confrontou o Jesus operário com aparições da Virgem Maria, onde ela atacava a Igreja operária ou defensora dos direitos humanos.
Seja como for, décadas após o golpe de Estado de 1973, a figura do governante falecido continua a dar o que falar. Afirma-se, por exemplo, que após a sua morte surgiram pequenos grupos de “iniciados” que se reuniam em segredo para contactar o seu espírito, incitando-o a manifestar-se no mundo dos vivos.
E o famoso escritor e pesquisador ufológico espanhol Juan José Benítez, autor da famosa saga do “Cavalo de Troia”, chegou a afirmar que um objeto voador não identificado visitou Pinochet um dia antes do ataque que sofreu em 1986. “Uma nave pairou sobre o refúgio do general na cordilheira e todos os policiais e guarda-costas o viram. “Eles sacaram as armas e começou toda uma bagunça”, disse ele.
Júpiter, a confiança na própria missão — seja qual for
Pinochet passou para a História como um genocida sobre cuja memória pesam as mortes de milhares de perseguidos. À primeira vista não parece um legado compatível com aquele Júpiter elevado e exaltado. Cabe lembrar, contudo, que Júpiter é um planeta de confiança às vezes exageradas nas próprias crenças e ideologias.
Se bem que carregue um simbolismo essencialmente positivo, Júpiter com frequência pode significar uma disposição de impor a ferro e fogo sua própria percepção de bem comum. Basta lembrar dos sacerdotes que mandaram Joana d’Arc para a fogueira a pretexto de evitar que ela permanecesse em pecado.
Numa de suas últimas pesquisas, a astróloga Lydia Vainer, falecida em 2020, levantou os mapas de dezenas de generais do Terceiro Reich e fez uma descoberta desconcertante: muitos daqueles que tiveram papel relevante no Holocausto eram tipos fortemente jupiterianos.
Para eles, a participação no maior genocídio dos tempos modernos não era necessariamente uma questão de crueldade, mas de convicção de que agiam da melhor maneira possível de acordo com seu sistema de crenças. Conduzidos pela confiança cega na própria missão, não conseguiam mais sentir empatia pelas próprias vítimas.
Sob este aspecto, é possível entender que o Pinochet com ásperos aspectos Sol-Plutão e Mercúrio-Marte era o mesmo Pinochet orientado por videntes e devoto de Maria, que via seu papel na presidência como uma cruzada (Júpiter em Peixes na 9) para purificar o país. Cinquenta anos depois, as cicatrizes permanecem.
NOTA: este artigo contou com preciosas sugestões bibliográficas de Lilian Garate, psicóloga e astróloga nascida no Chile e radicada em Belo Horizonte.