A expressão grande dama é usada com frequência para definir a importância de Fernanda Montenegro no teatro, cinema e televisão. A impressionante postura cênica da atriz, que transmite ao mesmo tempo altivez, nobreza, força e energia disciplinada, revela de imediato o papel de Saturno em sua vida. Fernanda tem o Ascendente em Capricórnio, e Saturno ocupa a incompreendida casa 12, vinculada ao imaginário e às correntes mais profundas das emoções coletivas.
Fernanda consegue corporificar e tornar visíveis (Saturno) as mulheres anônimas (casa 12), trágicas e fortes, com quem esbarramos por toda parte sem lhes dar atenção. Este Saturno na 12 tem a ver com Dora, a mulher seca e amarga de Central do Brasil; ou com Bibiana Terra Cambará, a forte matriarca de O Tempo e o Vento.
O Sol de Fernanda está em Libra, na casa 10 – naturalmente associada a Saturno, diga-se de passagem. O Sol na 10 é uma indicação de visibilidade pública, entre outras possibilidades, o que mais se reforça pelos aspectos: o sextil com Saturno, unindo dois símbolos de autoridade; o trígono com Júpiter e a quadratura com Plutão em Câncer na casa 7 – a casa do outro e, para um artista, aquela que representa os espectadores, a plateia.
Sol-Plutão não é um aspecto suave nem leve. É um indicador de intensidade, profundidade e força telúrica, exatamente a sensação que temos ao ver Fernanda Montenegro no palco.
A grande atriz tem total domínio (Plutão) sobre a plateia (casa 7), com a qual estabelece uma relação de absoluto controle. Ao longo da carreira, Fernanda deu vida a alguns personagens especialmente densos e inesquecíveis, como a sobrevivente de campo de concentração no tribunal de Nuremberg (O Interrogatório, 1972) ou a Fedra de Racine, uma das tragédias mais encorpadas da história do Teatro.
Júpiter em Gêmeos: rigorosa, mas sem perder o humor
O lado leve deste Sol libriano aparece no trígono com Júpiter em Gêmeos na casa 6, um aspecto que ajudou Fernanda a projetar-se através de obras de maior sucesso comercial, até mesmo no gênero vaudeville francês (comédias ligeiras baseadas em situações equívocas, sem um pingo de profundidade), como em Com a Pulga Atrás da Orelha, de Georges Feydeau, ou espetáculos de fácil digestão voltados para um público aburguesado e pouco exigente, como O amante de Madame Vidal.
Cabe lembrar que Fernanda e seu marido, o também ator e diretor Fernando Torres, viveram por décadas do teatro e foram também produtores de espetáculos, trabalhando duro para obter retorno financeiro. Júpiter em Gêmeos na casa 6 foi, neste sentido, uma mão na roda, ajudando a atriz a trazer jovialidade e brejeirice para a rotina dos palcos e também dos estúdios de TV.
Esta mesma alegre jovialidade geminiana está por trás de alguns papéis que representou em novelas bem próximas do estilo pastelão. O trígono Sol-Júpiter ajudou-a a dar verossimilhança e humor a personagens como a Charlô, de Guerra dos Sexos e a Naná de Cambalacho, sem falar da impagável Dona Picucha de Doce de Mãe, uma minissérie de 2014 que chegou a obter prêmios internacionais.
Com a Lua em Peixes na casa 3, próxima do Fundo do Céu, oposta a uma perfeccionista Vênus em Virgem na casa 9, Fernanda tem o dom do mimetismo, somando a sensibilidade emocional à técnica apurada. Lua e Vênus fecham uma quadratura T com Saturno em Sagitário, mostrando que esta síntese é filha do rigor e da disciplina.
Mais ainda: Lua em Peixes e Saturno na 12 têm uma conotação em comum, a do imaginário, o oceano das emoções indizíveis. O universo em que Fernanda Montenegro reina não é da objetividade. Talvez por isso tenha recusado a indicação para o Ministério da Cultura, no governo Sarney.
Fernanda enfrenta Saturno e Plutão
Apesar de todo o reconhecimento público, Fernanda não é uma unanimidade nacional. Por suas posições políticas e em defesa da liberdade de expressão, chega aos noventa anos enfrentando pesadas críticas de integrantes do governo e seus apoiadores.
Uma rápida olhada em seus trânsitos mostra que a fase dos 90 a0s 92 anos não será fácil, com Plutão e Saturno na casa 1 e prontos para formar uma quadratura exata ao Sol em fevereiro de 2020.
Em 1979, ainda durante o regime militar no Brasil, Fernanda e seu marido foram alvo de um atentado perpetrado por um grupo radical. Saíram ilesos, mas precisaram cancelar apresentações. Fernanda passou a atuar com as luzes do teatro acesas e amparada por seguranças durante algum tempo.
Na época, Plutão em trânsito cortava a casa 10 e formava conjunção com o Sol natal. Agora, num aspecto ainda mais duro, a veterana atriz já foi chamada de “sórdida” pelo Diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte.
Num outro aspecto igualmente difícil, Netuno em trânsito na casa 3 fecha quadratura com Júpiter na 6, indicando riscos à saúde e à reputação profissional. A voz poderosa e a figura densa de Fernanda ainda incomodam. E eis que este ícone Sol-Saturno-Plutão continua sendo, aos 90 anos, uma antena e um espelho de seu tempo.
Ernesto Neto diz
Muito bom artigo. Mas temos de considerar suas últimas declarações “esdruxulas” e sem sentido na política, o que confirma a questão artística sendo influenciada por netuno – péssimo analista politico – iludindo seus influenciados e nadando conforme a maré do senso comum e do mais fácil.
Angela Schnoor diz
Muito bom este texto. Leve e serio como a atriz. Em minha opinião pessoal, a primeira dama dos palcos brasileiros foram “algumas” – acima de todas Cacilda Becker. Fernanda hoje está sob holofotes por seus 90 anos e pela situação politica em que vivemos! :C
Redação Constelar diz
Obrigado pelo comentário, Angela. Creio que, antes dos anos setenta, havia pelo menos outras cinco atrizes que podiam pleitear a condição de primeira-dama dos palcos – se bem que todas estivessem sempre sempre tão ocupadas trabalhando que não dessem muita importância a esses rankings: Cacilda Becker, Glauce Rocha (que morreu muito jovem), Bibi Ferreira, Dulcina de Moraes e Henriette Morineau. Destas, só vi em cena Bibi e Morineau (fantástica em Harold & Maude). As outras vi em pequenas participações em filmes. A partir dos setenta, certamente Marilia Pera e Bibi estão no mesmo nível de Fernanda, cada uma com seu estilo próprio. E sem falar na Marieta Severo de “No Natal a gente vem te buscar”. Pena que não tenhamos os mapas dessa gente toda…
Amanda Martins diz
Maravilha de texto! Ótimo saber um pouco mais dessa atriz que para mim é exemplo de força, profundidade e seriedade. Ela sempre falou que foi tomada e é tomada pelo teatro. Com essas posições natais, não poderia ser diferente, vive intensamente os papéis que interpreta. Marieta Severo certamente é outra atriz de grande porte. Será que tem o mapa dela?