“MITO (do grego mythos, fábula) – história fabulosa sobre um herói ou deus, constituída de forma mais ou menos estruturada que condensa as crenças de um povo.” Com base neste conceito, é possível entender a história de Eva Perón.
Durante o mundial de futebol disputado nos Estados Unidos, estava realizando um curso sobre sonhos e mitos junguianos e minha atenção era atraída pelas frases que se ouviam sobre Diego Maradona. Era impossível fugir do tema, especialmente depois da eliminação da equipe argentina: “Diego é um sentimento”, “É de todos” diziam. Apesar da prova positiva de doping e posterior eliminação da equipe, tudo foi perdoado e, quando o jogador chorava e dizia “me cortaram as pernas…”, seja lá o que quisesse dizer com isto, o coletivo chorava com ele, por ele, e a eliminação passou a ser secundária. Minha reflexão foi: por que algumas pessoas de grande valor caem em desgraça por muito menos do que isso? O que faz com que um simples mortal se converta no sentimento e na projeção de milhões de pessoas? O coletivo deixa de pensar, toda objetividade se perde, os fatos já não são os que realmente tiveram lugar, o coletivo se torna arbitrário.
Este fato se reflete no tema natal da pessoa eleita? Ou o fator causal é a química entre a carta natal da pessoa e a do lugar onde se transforma em mito? O argentino por antonomásia, aquele que “canta cada dia melhor”, “o sorriso de bronze”, é Carlos Gardel, nascido Charles Gardès, originário de Toulouse, França; o arquétipo do francês, Ives Montand, havia nascido em Pistóia, na Toscana italiana. Ou seja, o mito surge como resultado da interação do ser com um determinado país e um ambiente cultural específico.
Parece evidente que cada país cria seus próprios mitos em resposta a suas necessidades mais profundas e, portanto, será na sinastria entre ambos, e não apenas na carta individual, que o potencial se tornará real. É como a teoria aristotélica, potência que se transforma em ato.
Eva Duarte Perón, o maior mito argentino
Mito é uma palavra que deriva do grego mythos, fábula. A pessoa mitificada expressa o inconsciente coletivo. O mito está sempre unido à destruição? Ou pode salvar-se?
Rodolfo Valentino (outro exemplo de mito relocado, o que daria lugar a um interessante artigo vendo a sinastria com o país natal e o novo país), Che Guevara (também trasladado, transformado num mito cubano e em troca rejeitado, negado na Argentina, reconhecido há muito pouco tempo neste país, porém sem alcançar nenhuma altura de mito), Edith Piaf, Marilyn Monroe, Eva Perón, todos eles em sua categoria fabulosa tiveram finais dramáticos ou precoces – os eleitos morrem jovens? Pergunto-me se não guardam relação com Hermes-Mercúrio, na realidade mensageiros dos deuses, viajantes, mutantes, mediadores… em que medida a projeção coletiva não é o que os leva a esse final?
Segundo as teorias junguianas, o coletivo exerce uma pressão psíquica e energética intolerável sobre a pessoa escolhida, sendo então quebrada sua integridade psicológica e física.
Escolhi Eva Perón como exemplo de mito vivo na psique coletiva dos argentinos, e isso sem qualquer intenção política. Gostaria de acrescentar que este artigo foi escrito meses antes de que sua figura se tornasse comercial e pública em função dos filmes que a retrataram, seja o estrelado por Madonna seja o outro, argentino, e que o editor da revista argentina de Astrologia não se animou a publicar o artigo porque pensou que podia gerar controvérsias.
A ideia era que a carta de Eva Perón e a do país deviam ressaltar sua qualidade de mito.
O mapa de Evita Perón
Dois pontos que parecem indiscutíveis são a exatidão de órbitas na sinastria e a função de Quíron-Nodos, porque evidentemente há uma combinação de predestinação e de ferida que se quer curar.
Na Argentina não há neutralidade sobre a figura de Eva. Cada família tem por ela veneração ou ódio. Foi a “abanderada de los descamisados” ou a “puta”, sem qualquer meio termo.
Eva Duarte de Perón nasceu a 7 de maio de 1919 em Los Toldos, Província de Buenos Aires, às 4.56:51 AM AST (-4:00), 059W05′, 35S11′. Resumidamente, foi filha natural de um estancieiro casado e de uma mulher que era puestera (na Argentina denomina-se assim a alguém que cuida de parte de uma estância e vive numa pequena casa ou rancho no mesmo lugar – uma caseira, portanto). Esta mulher teve vários filhos com o homem casado, que não reconheceu a nova família. Eva sofreu intensamente com o não reconhecimento paterno e com a ilegitimidade, correndo a história de que, no velório do pai, não puderam prestar-lhe as últimas homenagens porque a família legítima o impediu. Logo que ela chegou ao poder, fez algumas manobras envolvendo papéis e “assumiu o sobrenome paterno Duarte”. Também os irmãos de Eva tiveram acesso ao mesmo (vemos ressaltada a importância dos irmãos em sua carta natal, sendo eles, inclusive, os herdeiros da grande fortuna que deixou (Plutão e Júpiter, regente da VIII, na III). Ademais, o irmão predileto de Eva, Juan, suicidou-se logo depois da morte dela (o regente da casa da morte na casa dos irmãos).
Muito jovem, Eva partiu de sua vila natal, dizem que acompanhando um cantor que estava excursionando pela região, para triunfar como atriz em Buenos Aires.
A carta de Eva nos mostra alguém que quer (Marte) a sua terra (Sol), que foi ferida por esta (Lua quadrando Marte), mas que escolhe elevar, levar em si, representar esse povo como consequência de um profundo complexo de pai, de falta de identidade.
Mercúrio posicionado sobre o Ascendente parece confirmar esta hipótese de ser emissária dos deuses em sua face de Hermes. Parece ter sido levada também a defender os direitos da casa V, mulheres e crianças. [Nota do Editor: Observar o Sol, regente da casa 5, na 1, em conjunção com Marte e em quadratura com a Lua e Saturno.]
Do ponto de vista cármico, temos clássicos sinais da falta de reconhecimento: Saturno na IV junto à Lua, quadrando Sol-Marte. Já a personalidade mostra uma grande complexidade, porque temos o simbolismo de pai e mãe a indicar que havia entre estes uma mútua aceitação da situação (Lua-Saturno estão em conjunção), e os componentes de raiva e rejeição foram passados à filha (Marte na I em quadratura com a Lua), ou seja: as queixas ostensivas da mãe ou talvez sua atitude passiva eram percebidas por Eva como injustiça. Revalorizar suas origens e sua identidade parece ter sido a base dos movimentos de Evita.
O mapa de Evita e o mapa da Argentina
Tomamos a carta de Argentina correspondente a 9 de julho de 1816 (Declaração da Independência), 12:00 PM 26s49 65w13 (Ascendente em 24°02′ de Libra, Meio do Céu em 16°07′ de Câncer).
O Ascendente de Eva faz conjunção exata com o Descendente da Argentina (24º02′ de Áries, e a exatidão em minutos reforça a importância do personagem). Ela é o espelho perfeito, “a amada”, e, num outro sentido, a inimiga da ordem estabelecida pelo Ascendente. Outra leitura é que o Descendente da dama faz conjunção ao Ascendente do país, ou seja, é como se Eva tocasse o país através de seu cônjuge (Perón).
O Meio do Céu de Evita a 27°13′ de Capricórnio, na casa IV do país, em conjunção com a mal posicionada Lua da Argentina a 19°10′ de Capricórnio, indica que sua missão foi “elevar os oprimidos” e especialmente as mulheres (foi a interferência de Eva que levou à promulgação da lei do voto feminino). Foi chamada a “abanderada de los humildes” e, em contrapartida, é o povo (Capricórnio na IV da Argentina) que se eleva na casa X de Eva e também a eleva. Com o Fundo do Céu de Eva a 27º13′ de Câncer, sobre o Meio do Céu da Argentina (vemos a inversão exata dos quatro ângulos), e no mesmo signo do Sol do país, ela teve de superar os obstáculos representados pelos homens de sua vida e, sempre como sombra do Sol-Perón, tampouco chegou à vice-presidência que postulava, porque morreu antes disso.
Não obstante, não existe nenhuma afinidade entre o Ascendente de Eva e o Sol e a Lua da Argentina. Sua personalidade encontrou muitos obstáculos para expressar-se, e temos a sensação de que é a estrutura angular da sinastria que mantém o mito, mais do que as energias planetárias.
Outro ponto interessante é o Quíron de Eva a 5º19′ de Áries e em sua casa XII, sobre a VI do país, em trígono com Urano da Independência da Argentina. Eva deu a partida em profundas mudanças trabalhistas a partir de sua ferida existencial. A quadratura ao Mercúrio da carta argentina assinala não somente a oposição dos legisladores, como também algo no inconsciente coletivo representado pela XII, que rejeitava a cura proposta. A Argentina é um país que passa da rigidez (eixo Capricórnio-Câncer) ao caos, com profundo medo da mudança (Urano). Pode-se também conjecturar que a não aceitação plena de seu próprio Quíron levou Evita à autoimolação.
Seu Sol e Marte na casa VII do país levaram-na a realizar estranhas alianças. Todavia, o trígono do Descendente do mapa da Independência à Lua de Evita permitiu-lhe elevar a mulher.
Da relação com o pai à relação com a pátria
Plutão de Eva na casa IX da Argentina, em conjunção com o Mercúrio desta, em trígono a Júpiter do país na I; Júpiter de Evita na IX da Argentina, conjunto a Vênus-Mercúrio da carta da Independência: o mito cataliza as obscuridades e o latente. Vênus, regente da casa VIII do país, pode supurar e aflorar, encontrando expressão.
Os nodos são outro ponto que aponta para o mítico. Vejamos o Nodo Sul de Eva Perón a 5 graus de Gêmeos: temos em princípio uma inversão nodal em relação ao país, sacrifício para redimir o “Carma” da coletividade argentina, à custa da negação de seu caminho particular e expressivo.
O vertex (ponto de encontro por destino) da Argentina sobre o Nodo Sul de Eva indica que ela é “aquela que tinha que chegar”. Já o Nodo Norte de Eva a 5° de Sagitário, sobre Urano da Argentina, mostra que ela veio trazer mudanças. Netuno de Eva a 6°38′ de Leão faz trígono com Urano do país, marcando serviço.
A conjunção Lua-Saturno de Eva em Leão nos leva a observar a Lua em Capricórnio na IV do mapa do país, tão pobre e triste, do povo submetido à oligarquia dos grandes proprietários (esta Lua da carta nacional está oposta ao Sol ligado à casa XI, dos interesses grupais e partidários). Já a Lua de Eva no oligárquico signo de Leão, junto a Saturno, fala do ressentimento em relação ao pai, também dono de terras, que não a reconheceu, de seu frustrado desejo de pertencimento, de sua raiva contra ambos os genitores (quadraturas de Marte a Saturno-Lua, regentes do eixo X-IV). Por pobre que fosse a mãe, parece ter tido uma tendência tão hierarquizante e buscadora de status quanto o pai… A carta mostra Eva tentando lutar contra esses grupos oligárquicos (com armas parecidas?) e pela ascensão do povo, buscando um nivelamento por cima.
As experiências vividas por ela na infância parecem indicar uma abertura a soluções criativas, em que atua como mediadora (casa V, Mercúrio corregente em trígono com Lua-Saturno).
[Nota do Editor – Há uma ressonância entre a Lua da Argentina, em Capricórnio, e a Lua de Eva, conjunta a Saturno (regente de Capricórnio). Ambas colocam em evidência o tema da ascensão social.]
Evita e o outro mapa da Argentina
Se observarmos a carta da Argentina correspondente à chamada Revolução de 25 de Maio de 1810 (12h PM, 058w26, 34s36, Ascendente em 19°31′ de Leão), temos a conjunção Lua- Saturno de Eva no grau quase exato do Ascendente da Revolução e o Nodo Sul de Eva em conjunção exata com o Meio do Céu da Revolução; na perspectiva da Astrologia Cármica, isso marcaria alguém que já atuou de forma contundente no passado do país. O Nodo Norte de Eva em conjunção com a casa IV da Revolução indica atuar no sentido de expandir os horizontes do povo, ao que se soma o eixo vertex-antivertex de Evita em conjunção com o eixo Fundo do Céu-Meio do Céu da carta da Revolução.
Vemos com clareza que o papel que ela devia ocupar era o de protetora envolta em sombras, e não um perfil de muita evidência.
Os nodos da carta da revolução estão a 13 graus de Libra-Áries, na casa XII de Eva, em conjunção a seu Mercúrio, regente do Nodo Sul.
Leia também: Evita, de atriz a mártir dos descamisados, de Fernando Fernandse