Filha natural de Rosa Maria de Lima, moça negra e pobre, e de José Basileu Gonzaga, militar de família abastada, seu nascimento já provocou a primeira crise, pois a família de Basileu tentou de todas as formas impedir que ele assumisse a paternidade. Mas, homem digno e severo em questões de moral, Basileu enfrentou a resistência, casando-se com Rosa e registrando como filha a menina Francisca Edwiges Neves Gonzaga.
Nos planos da família, o destino de Chiquinha era o mesmo de todas as sinhazinhas da corte de Pedro II: um bom casamento e uma vida respeitável. Para isso recebeu a educação típica de uma filha de militar do século passado: aprendeu a ler, a escrever, a contar e a tocar piano.
O instrumento, de presença garantida em todas as festas e saraus das famílias educadas, era quase uma obrigação para as moças da época. Representava um sinal de cultura e refinamento, uma entre as muitas “prendas domésticas” que se esperavam da mulher, a quem, aliás, não restava qualquer outro espaço de manifestação além das paredes do lar. Chiquinha acabou apaixonada pela música e, já em 1858, aos onze anos, compôs a primeira canção.
Casou-se aos dezesseis anos com um jovem de família abastada, mas não suportou a tirania do marido, que tentava afastá-la de qualquer atividade pública. Quando o filho João Gualberto era ainda uma criança de colo, abandonou o lar, do que resultou um rompimento definitivo com o pai.
Totalmente excluída do ambiente familiar e rejeitada pelos círculos conservadores, passou por maus pedaços. Durante algum tempo, viveu no interior de Minas com um novo companheiro, com quem teve outros filhos; finda a relação, volta ao Rio, disposta a procurar trabalho e a enfrentar a hostilidade dos que viam nela nada mais do que uma prostituta.
Da amizade com o músico Calado Jr. veio o convite para tocar no conjunto Choro Carioca, que animava saraus por toda a cidade. Chiquinha tornou-se a primeira mulher “pianeira” da história da MPB, ganhando dois mil réis por noite. Mas sua verdadeira vocação era compor para o teatro de revista e para as operetas, gêneros de grande sucesso no final do século XIX.
Até conseguir firmar-se no meio teatral, o que só ocorre por volta de 1885, foi obrigada pelos empresários a adotar um pseudônimo masculino, já que temia-se a reação negativa do público diante desse fato inédito e escandaloso: uma mulher maestrina e compositora.
Chega aos primeiros anos do século XX consagrada como profissional, mas, mestiça, separada e artista popular, ainda vista com reservas pela sociedade da época. Sua definitiva aclamação acontece no governo do Marechal Hermes, quando a primeira dama, Dona Nair de Teffé, leva para os salões do palácio do Catete o “corta-jaca”, uma peça musical de Chiquinha baseada em motivos populares.
Observe-se que a música entrou no palácio presidencial, mas não a própria Chiquinha: o cordão de isolamento que a impedia de manter contato com “pessoas decentes e honestas” jamais seria totalmente rompido.
Nos últimos anos de vida, Chiquinha ainda foi pivô de um novo escândalo. Seu último e definitivo amor era um rapaz jovem, quase adolescente, ainda mais jovem do que os próprios filhos da compositora. Por mais esdrúxula que parecesse aos contemporâneos, a relação durou até a morte de Chiquinha, na década de 1930, já em idade avançada.
Descobrindo o Ascendente de Chiquinha
Chiquinha Gonzaga nasceu em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro. Não temos a hora, mas não é impossível descobri-la: até por volta das 16h30 daquele dia, a Lua encontrava-se em Capricórnio e, a partir daí, em Aquário.
A intensa busca de liberdade que caracterizou toda sua vida, assim como o comportamente rebelde e independente, que levou-a a abandonar o marido e a desenvolver uma carreira profissional numa época em que o mundo da música era inteiramente dominado pelos homens, apontam para um componente aquariano que a simples presença de Netuno naquele signo não explicaria.
Netuno é um planeta lento, que pode demorar duas décadas no mesmo signo, marcando toda uma geração. Já a Lua é um fator de individualização do mapa, dada a sua extrema rapidez. E a Lua no formal, ambicioso e conservador signo de Capricórnio nada tem em comum com essa mulher que rejeitou a segurança do casamento de conveniência e enfrentou todos os preconceitos da sociedade patriarcal.
A Lua no início de Aquário encontra-se ainda em quadratura com Plutão no final de Áries, sendo que Plutão também recebe a oposição do Sol em Libra. A configuração aponta para uma atitude de tudo ou nada, em que o indivíduo conduz sua vida de forma intensa, séria, passional, às vezes autodestrutiva, não se permitindo voltar atrás das decisões tomadas. Em muitos momentos, Chiquinha foi exatamente a concretização desse retrato. Percebe-se em sua biografia um traço de extremismo, de “murro em ponta de faca” típico de contatos tensos de Plutão com Sol e Lua.
Se tomarmos como ponto de partida que a Lua está nos primeiros graus em Aquário, ainda em quadratura com Plutão, o nascimento deve ter ocorrido entre 16h44 (hora local do Rio de Janeiro) e 22h30, o que resulta em três possibilidades de Ascendente: Áries, Touro ou Gêmeos. Das três, parece-nos mais adequada a primeira hipótese, Áries, o signo regido pelo enérgico e combativo Marte.
Chiquinha era uma mulher objetiva, que dizia claramente o que pensava e não trepidava em comprar uma briga, quando a causa era justa. Sua trajetória pessoal apresenta uma impressionante sucessão de combates difíceis contra adversários poderosos, a começar pelo próprio pai e pelo primeiro marido. Foi uma guerreira, o que bem condiz com o arquétipo ariano.
Existe uma técnica de retificação de horários de cartas astrológicas com base na imagem simbólica do grau do Ascendente. A versão mais conhecida é a dos símbolos sabeus, desenvolvida por Marc Edmund Jones e aperfeiçoada por Dane Rudhyar. A que usaremos aqui, porém, é a antiga tradição da Volosfera, que foi resgatada no Brasil pelas pesquisas do astrólogo paulista Raul V. Martinez e hoje tem sido usada por Rê March em suas análises das luas novas e cheias.
Dos trinta graus do signo de Áries, o que melhor descreve Chiquinha é o símbolo correspondente ao décimo-quinto grau (de 14°00’ a 14°49’ de Áries):
Áries 15 – Um homem em perigo de se afogar debate-se contra a corrente; um pouco acima, vê-se a passarela que desmoronou sob seus passos.
A imagem fala de uma situação perigosa e sem retorno. Não há meio termo, mas apenas a alternativa de enfrentar a violência das águas ou morrer. Chiquinha, ao separar-se do marido e assumir publicamente as atividades de compositora e “pianeira” (expressão da época), cortou simbolicamente a passarela que lhe permitiria retornar à respeitabilidade da vida de pequeno-burguesa: foi longe demais, levantando a hostilidade da opinião pública (a correnteza). Nadar contra a corrente é uma imagem que descreve de forma bastante precisa a vida dessa mulher notável.
Construamos, pois, o mapa de Chiquinha Gonzaga para o horário das 17h21 LMT, de que resulta um Ascendente em 14°42’ de Áries. O que vemos? Na casa 1, da identidade, estão Urano, colado ao Ascendente, Plutão e Marte.
Urano é o planeta da rebeldia e do comportamento inconvencional. No Ascendente, expressa uma atitude individualista, que não abre mão do direito de conduzir a própria vida da forma como considera mais acertada. Urano rege Aquário na casa 11, a dos projetos, das associações e das amizades. Nos anos difíceis, Chiquinha teve o apoio decisivo de alguns amigos, o primeiro dos quais foi o músico Calado Jr., um dos melhores da época. Foi ele que, ao convidá-la a ser a pianista do conjunto, introduziu-a profissionalmente no meio artístico.
Mais tarde, a partir de 1895, Chiquinha torna-se íntima de vários dramaturgos, como Arthur Azevedo e o excêntrico João do Rio, o maior cronista dos costumes do Rio de Janeiro da belle-époque. A partir de 1889, incorpora a seu círculo o maestro Carlos Gomes, e há quem afirme que chegou a existir um envolvimento romântico entre os dois.
Mas Urano, como regente da 11, expressa também as várias associações e bandeiras ideológicas que levaram Chiquinha a mobilizar-se, como a campanha abolicionista, de que foi ferrenha defensora, e a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, que ajudou a fundar. Aliás, a luta pelo respeito ao direito autoral no Brasil começa em 1913 exatamente quando a maestrina vê, numa loja em Berlim, várias composições suas gravadas e editadas sem a devida autorização.
O auto-retrato no Abre Alas…
Apesar de ter composto centenas de polcas, maxixes e choros, Chiquinha sempre será lembrada por uma singela marchinha de carnaval. Por volta de 1899, Chiquinha mudou-se para o bairro do Andaraí. Um dia, ao ouvir de sua casa os ensaios do cordão Rosa de Ouro, sentou-se ao piano e compôs uma marcha em homenagem ao grupo. Assim nasceu a primeira música de carnaval. Vejamos os dois primeiros versos da letra:
Ó abre alas, que eu quero passar,
eu sou da lira, não posso negar.
A expressão “eu quero” é típica da afirmação do ego ariano. A idéia de “querer passar”, de seguir adiante, expressa a atividade inquieta desta mulher com cinco planetas em signos cardinais e sete em casas angulares (indicadores clássicos de iniciativa e ação). Como boa libriana (Sol e Vênus em Libra), Chiquinha educadamente pede licença (“Ó abre alas…”). Mas, se a “licença” fosse negada, como muitas vezes realmente o foi, ela abriria caminho de qualquer forma, com todo o ímpeto de seus planetas de casa 1.
“Eu sou da lira” significa afirmar “eu me assumo como instrumentista e compositora”. “Não posso negar” tem uma conotação Áries-Urano-Plutão: Chiquinha simplesmente não se permitia a hipocrisia, a concessão à moralidade alheia em troca da aprovação pública.
É claro que, ao compor o “Abre Alas”, a maestrina não tinha a menor intenção de fazer uma confissão autobiográfica ou uma afirmação de princípios. Mas, involuntariamente, acabou por sintetizar nesta pequena marchinha o que havia de mais essencial em seu mapa astrológico. E não há como esquecer que temos aqui outra vez um sentido de Aquário, Urano e casa 11: o grupo, a associação, representados no caso pelo cordão Rosa de Ouro.
O último planeta da casa 1 é Marte em Touro. O planeta do combate no signo da paciência. Chiquinha estava preparada para enfrentar longas lutas, lutas de uma vida inteira. Venceu pelo esforço pessoal e pelo próprio esgotamento dos adversários.
A presença da Lua na casa 10, a da atividade pública e da máxima visibilidade, indica o potencial de sucesso da compositora. O trígono – aspecto fluente – da Lua com Vênus em Libra na casa 6 expressa a origem deste sucesso: o domínio dos recursos estéticos obtido no trabalho rotineiro com a arte e no constante aperfeiçoamento do dia a dia. Antes de chegar aos melhores palcos da cidade, Chiquinha passou anos na estafante rotina de animar os bailes e saraus da classe média. E, muitas vezes, sendo convidada a entrar pela porta dos fundos…
O belo trígono entre Netuno (planeta da música e do ritmo) e o Sol (em Libra, signo da harmonia e da expressão estética) completa o quadro dos recursos artísticos da maestrina. Não por acaso, o Sol rege, neste mapa, a casa 5, significadora da criatividade e da atividade teatral.
Uma das mais conhecidas obras de Chiquinha é Lua Branca, composta para a burleta Forrobodó, de 1912, e neste vídeo interpretada por Maria Bethânia.
Não há que esquecer que, apesar de toda a força de Áries e de Urano, Chiquinha tinha o Sol no amável e gregário signo de Libra. Foi guerreira por necessidade, mas, nas palavras de um biógrafo:
…na sua casa recebia todos com o maior carinho, sempre risonha e satisfeita. Quando pedia-se para tocar um choro, não se fazia de rogada, abria o piano e com seus dedos hábeis e admirados principiava com um choro composto por ela… (PINTO, Alexandre Gonçalves. O Choro. Rio de Janeiro: Funarte, 1978)
O arquétipo feminino no mapa de uma cidade
Uma última forma de analisar o mapa de Chiquinha Gonzaga é compará-lo com o da cidade do Rio de Janeiro, onde desenvolveu toda a sua carreira. Na carta natal de uma cidade, os planetas considerados femininos – Vênus, Lua e, em certa medida, Netuno – assinalam um padrão arquetípico com o qual as mulheres nativas tendem a identificar-se. O mesmo quanto aos homens, envolvendo os planetas masculinos Marte e Sol.
É por esta razão que mulheres cariocas e paulistanas, por exemplo, expressam uma tônica diferente, nem sempre compreensível mas facilmente identificável no dia a dia. No mapa de cada uma dessas cidades, Lua e Vênus ocupam signos diversos e estão envolvidas em aspectos diferenciados, gerando moldes específicos de comportamento coletivo.
Qualquer visitante é capaz de perceber o oceano de diferença que há entre a sóbria e sensível curitibana (Lua em Capricórnio, Vênus em Peixes em conjunção com Netuno) e a atirada e possessiva recifense (Lua em Áries, Vênus em Touro em quadratura com Plutão). Isso não significa que todas as mulheres dessas cidades sejam assim. Mas é um modelo coletivo que, quando incorporado e explicitado por uma mulher formadora de opinião, tende a ser subliminarmente reconhecido e imitado. É, enfim, um padrão de referência compartilhado.
No caso dos homens, a cultura brasileira sempre deu mais espaço para que expressassem de maneira mais plena os valores dos mapas de suas respectivas cidades ou regiões. Já no caso das mulheres, o patriarcalismo e o conservadorismo que imperaram até bem pouco tempo inibiram em parte os modelos coletivos que fugissem do padrão recatado e submisso. Um caso típico é o Rio de Janeiro, cujo mapa apresenta a Lua em Peixes (a mulher hiperfeminina, sensível, rítmica e musical), mas em quadratura com Netuno e Urano.
Quanto a Netuno, nenhum problema: a carioca sempre teve a permissão cultural para manifestar sua dimensão mística, psíquica e seus dotes de boa dançarina (Lua-Netuno). Mas, e quanto ao contato Lua-Urano, que coloca em evidência uma certa rudeza e um extremado amor pela liberdade? E Vênus em Aquário, em conjunção com Marte, como a indicar que a mulher carioca quer ser tratada em bases igualitárias (Aquário) e tende a conjugar sem maiores conflitos o desejo (Vênus) e o sexo (Marte)?
É lógico que tais facetas permaneceram razoavelmente ocultas ou reprimidas durante boa parte da história da cidade, já que os valores da cultura hegemônica, fundamentalmente machistas, não davam espaço para sua manifestação.
Na mulher carioca, o componente arquetípico de comportamento determinado pela conjugação Aquário-Marte-Urano expressa independência, liberação, igualdade sexual, franqueza, objetividade e uma certa aversão ao compromisso. Uma das primeiras mulheres a assumir publicamente todo este conjunto de conteúdos foi Chiquinha Gonzaga. E por quê? Em primeiro lugar, porque ela própria tem em seu mapa uma ênfase Áquario-Urano-Marte; em segundo, porque a oposição Marte-Mercúrio do mapa de Chiquinha faz quadratura praticamente exata à oposição de Marte e Vênus a Saturno no mapa do Rio de Janeiro.
O desenho resultante é uma Grande Quadratura, ou seja, um quadrado unindo todos os signos fixos. Tais contatos planetários fizeram de Chiquinha uma espécie de canal privilegiado para expressar conteúdos que jaziam latentes do imaginário coletivo de toda a comunidade. Ela é uma das primeiras cariocas a viver plenamente tal modelo e, da mesma forma que era hostilizada em público, despertava também um secreto fascínio.
Foi a precursora da profissional bem sucedida que vai tomar chope com os colegas do sexo masculino no final do expediente. Foi a precursora da mulher separada que cria os filhos sozinha. E pagou muito caro por isso.
Chiquinha Gonzaga foi uma espécie de símbolo vivo da Lua uranizada e da Vênus aquariana do mapa do Rio. E, considerada a enorme influência do Rio na moldagem do comportamento do Brasil como um todo, a velha “pianeira” representou um marco importantíssimo na progressiva transformação do status da mulher brasileira, de mero utensílio doméstico para a condição de ser humano pleno.
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