Este artigo faz parte de uma uma série de três, produzida por Dimitri Camiloto e publicada pela primeira vez em Constelar em 2007:
1 – Che Guevara, os primeiros anos
2 – Che Guevara, Fidel e a revolução cubana
3 – Os últimos anos de Che Guevara
Há mais de meio século morria Ernesto Guevara, o “Che”. Assassinado num povoado boliviano por boinas verdes, tinha então 39 anos de idade. O mito criado em torno de sua trajetória revolucionária é tão grande que inúmeras e contraditórias apropriações têm sido feitas por diversos segmentos desde então. Debrucemo-nos, pois, na carta astrológica desta que é uma das personalidades mais populares da América Latina.
O horóscopo causava certa confusão. Se o famoso guerrilheiro revolucionário houvesse nascido realmente em 14 de junho de 1928, como constava em sua certidão de nascimento, seria do signo de Gêmeos – e, além disso, sem nada de extraordinário. A astróloga, uma amiga da mãe de Che, refez seus cálculos em busca de algum erro, mas chegou aos mesmos resultados. O “Che” que aparecia em suas análises era uma personalidade sem brilho, dependente, que levara uma vida que nada tivera de especial. Só havia duas possibilidades: ou bem ela estava certa a respeito de Che ou, como astróloga, não valia nada.
Quando lhe mostraram o horóscopo, a mãe de Che deu uma risada. Revelou então um segredo que guardara zelosamente por mais de três décadas. Na verdade, seu filho famoso nascera um mês antes, em 14 de maio. Ele não era de Gêmeos coisa nenhuma, mas sim um taurino teimoso e decidido. A tapeação tinha sido necessária, explicou ela, porque estava grávida de três meses quando se casou com o pai de Che.
Para manter segredo, o casal resolveu passar a gravidez longe das famílias de ambos. Todavia, apesar de na certidão constar 14 de junho (eles ainda disseram aos familiares que o menino nascera prematuro), a mãe de Che revela que o horário que lá está registrado é o verdadeiro: 03:05AM (Hora Local).
O fato consta no livro de Jon Lee Anderson Che Guevara: A Revolutionary Life, New York: 1997, Grove Press, pp. 3 e 769. Em palestra no Rio de Janeiro em 2007, o astrólogo catalão Juan Estadella apresentou como dados de sua carta astrológica retificada 14.05.1928, 06:54:23AM GMT, Rosário, Argentina.
Che Guevara seria taurino com Ascendente Áries e Lua em Peixes. Tendo o Sol na casa II em sextilha com Marte em Peixes e quadratura com Netuno em Leão, constatamos duas características que o tornaram mundialmente famoso: foi um incansável guerrilheiro conspirador [sextil para Marte na casa XII] e, ao mesmo tempo, um utopista romântico que abriu mão não apenas de uma origem burguesa, mas também de uma confortável posição no governo cubano para morrer como mártir do socialismo [quadratura a Netuno na casa V].
Che e o Ascendente Áries
Tendo Áries ascendendo, Che foi uma pessoa bastante impetuosa e cheia de coragem para lutar pelos seus ideais. Urano, numa estreita conjunção com o Ascendente, revela a dimensão de seu inconformismo e originalidade. Dotado de uma energia impressionante, Che era uma pessoa de atitudes rápidas e agressivas e, se a conjunção entre Marte [regente do mapa] e Urano reforça estas características, também indica que seu destemor foi um dos principais motivos da morte violenta ou, como aponta Juan Estadella, “precipitada”.
Isto é ainda mais evidente pelo fato de Urano estar em quadratura com o eixo Meio do Céu-Fundo do Céu, o que denota uma personalidade imprudente e cheia de exageros. A impetuosidade, aliada à sua persistência [Sol e Vênus em Touro], são indicativos de sua trajetória ímpar.
Rebelde, respondia aos pais e pessoas mais velhas, sendo que na escola era visto como desordeiro incorrigível. Adorava chocar os professores e levava muitas advertências. Seu pai nunca fora capaz de discipliná-lo.
Marte é um importante símbolo de referências paternas. Sobre Puerto Caraguatay, onde o pai de Che levou a mulher para passar o período de gravidez e criarem o menino nos primeiros anos de vida, escreveu:
Lá, na misteriosa Missiones, tudo atraía e prendia. Atraía como tudo que é perigoso e prendia como tudo que é apaixonante. Lá, nada era familiar – nem o solo, o clima, a vegetação, nem sua selva cheia de animais, e menos ainda seus habitantes. Do momento em que se pisava em suas margens, sentia-se que a segurança da vida de uma pessoa estava no facão ou no revólver.
Ora, Che possuía Marte, Urano e o Ascendente em conjunção, e certamente herdara este temperamento do pai.
A Lua em Peixes de Che Guevara aponta para sua humanidade e compaixão em relação aos pobres e desfavorecidos. Se a conjunção entre Marte e Urano, que envolve o Ascendente, diz respeito ao guerrilheiro que matou muitos inimigos em combate e condenou vários dos colaboradores do ditador Fulgêncio Batista à morte, sua Lua na casa XII, somada ao trígono partil entre Júpiter e Netuno, revelam a generosidade e a natureza caritativa do homem que é símbolo da justiça social.
Sobre as atribuições lunares relativas à natureza materna, a Lua de Che é coerente: sua mãe era religiosa e havia sido educada num colégio católico, era distante e solitária, mas inquisitiva e aparentemente desprovida de medo, além de boa nadadora que gostava de praticar o esporte diariamente [Lua em Peixes na casa XII: em especial o trígono para Plutão na casa IV).
As quadraturas que a Lua aplica a Saturno na casa IX e a Mercúrio na casa III, além da quadratura entre Sol e Netuno insinuam os problemas respiratórios de Che, que o acompanhariam a vida toda, desde os dois anos de idade quando, após sua mãe levá-lo para nadar junto a ela num dia frio e ventoso do inverno argentino, o menino teve uma crise de tosse durante a noite. O médico foi chamado e diagnosticou bronquite asmática, prescrevendo o tratamento normal. Entretanto, em vez de ceder, o ataque durou vários dias.
Seus pais buscaram conselhos médicos e tentaram em vão todos os tratamentos conhecidos, sem sucesso. A própria mãe de Che era altamente alérgica e também sofria de asma. Outros irmãos de Che, que nasceram depois, também desenvolveriam a doença.
A asma, desde cedo, impôs a Che uma série de restrições alimentares e uma férrea disciplina que limitavam sua vida [Lua quadratura Saturno]. Seu pai conta que uma de suas primeiras frases balbuciadas foram “papai, a injeção”.
Mais tarde, incapaz de andar e confinado ao leito durante dias seguidos fazendo inalações, ele passava longas horas solitárias jogando xadrez com o pai ou lendo livros [Lua quadratura Mercúrio]. Com isto, tinha de faltar regularmente às aulas da escola (uma vez chegou a ausentar-se por três semanas), com sua mãe ocupando-se de sua educação, chegando a aprender francês com ela [Lua trígono Plutão na casa IV].
Seu pai era um empreendedor frustrado e seus negócios nunca davam certo [Sol quadratura Netuno]. Ele vivia tendo casos conjugais e as brigas com a mãe eram constantes [Lua na casa XII em quadratura para Saturno na IX].
A quadratura entre Lua e Saturno na casa IX, especificamente, serve de referência para a sua insatisfação e descontentamento em relação às condições das pessoas humildes, que vieram à tona principalmente quando Che saiu em viagem pelos países da América do Sul. Por outro lado, o trígono que a Lua forma com Plutão, na casa IV, fazia com que ele não se acomodasse na indignação e visse a si mesmo como um instrumento na redenção dos injustiçados.
Che mudava-se de residência com frequência e tinha disposição mais do que suficiente para suportar bravamente [trígono com Plutão] a vida na selva, escondido, deslocando-se incessantemente e pondo em prática técnicas de guerrilha [Lua e Marte na casa XII].
O menino Che revelou-se desde cedo uma pessoa inteligente. Possuía Mercúrio e o Nodo Norte numa conjunção em Gêmeos, que envolve ainda a Parte da Fortuna. Estudou grande parte do ensino fundamental com sua mãe, dentro de casa, onde havia uma biblioteca de cerca de três mil volumes com obras de Marx, Engels e Lenin, com os quais se familiarizou em sua adolescência [novamente Lua trígono Plutão].
Por volta dos 12 ou 13 anos lia frequentemente. Sabe-se que leu Júlio Verne, Alexandre Dumas, Baudelaire, Neruda e Freud aos 15 anos [Mercúrio sextil exato com Urano e também com o Ascendente].
Vênus em Touro em sextilha exata para a Lua em Peixes e em trígono com o Meio do Céu dá a medida de sua fama e popularidade, sendo que as mulheres, em geral, sempre o consideraram um homem bastante atraente. Já Saturno, em Sagitário e na casa IX, numa conjunção de órbita longa com o Nodo Sul, atesta seu caráter peregrino: mudou-se com menos de seis anos de idade para a região de Córdoba, numa estação de veraneio, em virtude de suas crises asmáticas. Lá morava perto de uma favela, tendo feito amizade com muitos meninos pobres.
Aos 18, novamente com a família, radica-se em Buenos Aires, onde é dispensado do exército por inaptidão para o serviço militar pelos seus problemas com a asma. Uma ironia do destino, já que Che foi reconhecido justamente pela sua bravura e desempenho como combatente, tempos depois.
Aos 21 anos percorre 4.700 km pelo norte da Argentina, numa bicicleta motorizada que ele mesmo montou. É quando escreve seus primeiros pensamentos políticos. É que, apesar da conjunção entre Marte e Urano no Ascendente insinuar a pecha de andarilho louco por aventuras, Saturno na casa IX indica que suas viagens eram, para ele, coisa séria: Che preocupava-se profundamente com as condições de vida das populações que encontrava.
No ano seguinte, já cursando Medicina, inscreveu-se como enfermeiro na marinha mercante e viajou por vários países, inclusive o Brasil. É importante ressaltar que Saturno é o regente do Meio do Céu, indicador de sua projeção mundial, que foi costurada fora do país de origem [casa IX].
“Iniciação” numa Motocicleta
A despeito de suas viagens anteriores, em 04.01.1952 Che começa, junto ao amigo Alberto Granado, a grande peregrinação pela América do Sul que mudaria a sua vida. A bordo de uma motocicleta, Guevara percorreu mais de 10.000 km, cruzando 5 países em quase oito meses, e percebeu o subcontinente como uma única entidade econômica e cultural cujas desigualdades sociais somente poderiam ser erradicadas, em sua opinião, pelo marxismo.
Visitou minas de cobre, povoações indígenas e leprosários, interagindo sempre com a população, especialmente os mais humildes. Esta viagem dá prosseguimento a sua crescente politização diante da pobreza e da exploração dos povos da América Latina.
A data da partida é emblemática: Júpiter em Áries aplicava conjunção exata a Urano natal e também ao Ascendente. Uma viagem radical, posto que cruzou a América do Sul numa simples motocicleta. Como é sabido, esta jornada influiu decisivamente em seu engajamento revolucionário, com Júpiter ampliando filosoficamente sua rebeldia e inconformismo naturais de Urano conjunto ao Ascendente Áries.
Outro trânsito relevante envolvendo a viagem é a conjunção de Urano a Plutão natal em Câncer. Pode-se dizer que, ao cruzar o subcontinente, Che transforma sua própria noção de “pátria” [Plutão na casa IV], identificando-se instantaneamente com as populações que visitou [trígono de Urano para a Lua natal]. É possível perceber ainda, pela quadratura que Plutão formava com o Sol natal, o quanto a realidade de miséria e abandono que viu pelos países onde andou violentou a ele, transfigurando o papel que desempenharia a partir de então.
Na verdade, esta viagem épica de Che e Granado mereceria por si só uma análise mais concisa. De todo modo, há dois momentos que gostaria de mencionar. O primeiro é de ordem romântica, quando Che, já na região de Bahia Blanca, encontra-se com uma rica namorada que morava por lá. Chegou até mesmo a levar, na moto, um pequeno cão de presente para ela. Che encontra-se com ela em 13.01.1952.
A partida de Buenos Aires se dera apenas 9 dias antes, mas os trânsitos de seu reencontro com “Chichina” são significativos. Vênus está sobre a conjunção entre Saturno e o Nodo Sul na casa IX, representando o compromisso que tinha assumido consigo mesmo em revê-la. Note que era uma moça que morava longe dele. Seu roteiro em direção à Patagônia incluía necessariamente este reencontro. A Lua, em Leão, aplicava trígono a Vênus de sua casa V [júbilo e romantismo]. Finalmente, o Sol aplicava conjunção exata ao Sol de Che. Ele deveria estar muito feliz mesmo.
1952: Che e a travessia do Amazonas
O outro momento que gostaria lembrar ocorre no dia 14.06.1952, quando ele pensava que se tratava de sua data verdadeira de nascimento. Che vive nesta noite fortes emoções, posto que estava passando um período como voluntário no leprosário de San Pedro, Peru. Lá ele não tinha receio de tocar os leprosos com as mãos, abraçá-los etc. Criou enorme intimidade com eles. Mas o preconceito estava presente no próprio leprosário, onde as freiras só tocavam nos doentes com luvas, e mantinham-nos separados do resto do pessoal na outra margem do Rio Amazonas, que naquela região peruana ainda não é tão largo, mas de dimensões e correntezas consideráveis.
Depois de um baile em sua comemoração promovido no lado “são” do leprosário, Che faz talvez o seu primeiro discurso político, pregando a unidade do povo sul-americano. Depois, ele resolve cometer uma verdadeira loucura: atravessa o rio a nado para poder comemorar a data junto aos leprosos.
Neste dia, havia uma conjunção entre Sol e Vênus em Gêmeos, muito propícia para se passar bons momentos com amigos e se divertir. Júpiter, sobre Vênus natal, amplifica sobremaneira o aspecto anterior, indicando que naquela época Che estava fazendo amigos num lugar distante, amigos esses de que nunca viria a se esquecer. Mais que isto: Che sentia necessidade de ser mais do que nunca generoso com eles. Todos eles.
Eis que depois de seu “discurso político”, o jovem estudante de medicina, numa atitude desvairada mas perfeitamente compreensível e muito nobre, resolve cruzar o rio a nado e ter com os doentes. Naquela noite, a Lua em Peixes aplicou conjunção exata a Marte natal, enchendo-o de afeto e compaixão para com os leprosos, dando o impulso emocional para que se superasse fisicamente e nadasse de uma margem à outra do Amazonas.
Ao retornar, em 31.07.1952, escreveu em seus “diários”.
Creemos, y después de este viaje más firmemente que antes, que la división de América en nacionalidades inciertas e ilusorias es completamente ficticia. Constituimos una sola raza mestiza, que desde México hasta el estrecho de Magallanes presenta notables similitudes etnográficas. El personaje que escribió estas notas murió al pisar de nuevo tierra argentina. El que las ordena y pule, “yo”, no soy yo; por lo menos no soy el mismo yo interior. Este vagar sin rumbo por nuestra “Mayúscula América” me ha cambiado más de lo que creí.
Quando analisamos os trânsitos de seu retorno à Argentina, vemos o real impacto de todo aquele périplo sobre ele. Júpiter estava sobre o Sol, sugerindo justamente a ampliação de horizontes e experiências que uma jornada deste tipo proporciona.
Os aspectos tensos, porém, são perturbadores: Lua e Marte, em Escorpião, enchiam-no de indignação e revolta; o Nodo Norte, na casa XI, apontava como única direção o caminho da irmandade com os povos latino-americanos; finalmente, as quadraturas de Mercúrio, Vênus e Plutão ao Sol natal revelam a intensidade de sua metamorfose pessoal durante a viagem. Che já era realmente um outro que não aquele de antes; sua origem aristocrática no país mais europeu da América do Sul era um passado distante do qual não tinha nostalgia alguma.
Este artigo é o primeiro de uma sequência de três. Leia tambem:
2 – Che Guevara, Fidel e a revolução cubana
3 – Os últimos anos de Che Guevara