Carlos Lyra, do romantismo às letras politizadas
Na bossa-nova, Carlinhos Lyra teve uma importância quase tão grande quanto a de Tom Jobim. Melodista brilhante, foi o autor de alguns dos melhores hinos do movimento, como Minha namorada, Primavera e Coisa mais linda. Como letrista, transitou do lirismo romântico à militância política. Foi um dos fundadores do CPC — Centro de Cultura Popular da UNE, em 1961, e autor da trilha sonora da provocativa peça A mais valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho. Por estas e por outras, optou pelo autoexílio durante os anos mais duros do governo militar iniciado em 1964.
O perfil discreto de Carlinhos Lyra no palco, assim como sua musicalidade refinada, falam da forte concentração planetária no elemento Terra, onde três planetas estão em Virgem e outros três em Touro. O planeta dominante é exatamente Vênus domiciliada no musical signo de Touro e dispondo de quase todo o mapa, com exceção de Saturno em Aquário. Lua em Sagitário em quadratura com Júpiter e Netuno dá o toque de leveza e até mesmo de sintonia com o gosto internacional: Carlos Lyra foi um dos quatro nomes que abriram espaço para a bossa-nova no mercado americano a partir do lendário show no Carnegie Hall, em 1962 (os outros foram Tom Jobim, Sergio Mendes e João Gilberto.
Da bossa-nova romântica à intransigência astrológica
Na edição 2429, de 28 de janeiro de 1978, a revista O Cruzeiro, uma espécie de Veja (ou de Caras?) de meio século atrás, publicou um longo artigo sobre a polêmica envolvendo dois astrólogos: Carlos Lyra, que divulgava a linha sideralista, e um certo Yuri de Nostradamus, defendendo a Astrologia Tropical praticada no Ocidente.
Esse Yuri era nada mais que o pseudônimo de um catarinense chamado Alvaro Thais, que, após exercer diversas atividades, radicou-se em Curitiba nos anos sessenta e passou a assinar uma coluna de jornal e apresentar o programa O Zodíaco e Você, na TV Paraná. Logo obteve uma legião de seguidores, fazendo horóscopos para signos solares e previsões bombásticas que quase nunca se realizavam. Em 1980, após uma “iluminação” ocorrida em Santiago do Chile, Yuri voltou para o Brasil e adotou a nova personalidade de Inri Cristo, supostamente a ressurreição de Jesus Cristo. Desde então, tornou-se uma figura folclórica, angariando seguidores e mantendo uma forte presença midiática.
Segundo O Cruzeiro, Yuri preparava-se para organizar o I Congresso Mundial de Astrologia (que nunca aconteceu) para “desmascarar a pregação errada que se vem fazendo e evitar que a Astrologia, uma ciência divina, seja profanada e deturpada por um artista famoso no cenário musical internacional, porém ingênuo em sabedoria astrológica.” E desafiou Carlos Lyra para um debate público, que o compositor recusou, argumentando: “Não aceito desafios de astrólogos porque eles são charlatães a serviço da indústria das previsões.” Em contrapartida, Yuri ameaçou: “Caso não reconheça publicamente seu erro, Carlos Lyra será severamente punido pelas Leis Cósmicas.” (!)
Zodíaco tropical e zodíaco sideral
Na verdade, tanto Yuri quanto Lyra assumiam posições intransigentes com relação a um debate que não merecia tanto barulho, pois os dois zodíacos — tropical e sideral — não são mutuamente excludentes: ambos são corretos dentro de suas respectivas lógicas. Cabe notar que o zodíaco tropical, utilizado no Ocidente, tem como ponto de partida a intercessão entre os planos da eclíptica e do equador, que marca o início da primavera no hemisfério norte: é o ponto vernal, ou grau zero de Áries. A partir daí, cada novo arco de trinta graus na eclíptica (trajetória aparente do Sol em torno da Terra) corresponde a um signo. Já no zodíaco sideral, comumente utilizado na Astrologia Védica da Índia e também por um pequeno número de astrólogos ocidentais, os signos estão referenciados, grosso modo, às constelações zodiacais com os mesmos nomes.
No zodíaco tropical, os signos estão em estreita correlação com as estações do ano, mas não necessariamente com as constelações, já que a precessão dos equinócios é desconsiderada; já na Astrologia Védica, os signos estão “descasados” das estações, já que sua referência são as constelações zodiacais. São duas técnicas diferentes, mas que não se invalidam mutuamente.
Naquele momento, porém, Carlos Lyra estavam dando voz a uma querela que até hoje tem defensores apaixonados de ambos os lados.
No Brasil, o zodíaco tropical continua gozando de ampla popularidade, e o livro de Lyra acabou caindo no esquecimento. Contudo, é curioso observar que, no mapa calculado pela Astrologia Védica, seus planetas em signos de Terra deslocam-se para signos de Fogo — Áries e Leão — e dão ao compositor um perfil muito mais combativo e assertivo, característica ainda mais acentuada por Saturno em Capricórnio e Lua em Escorpião.
É como se carta tropical explicasse o Carlos Lyra intimista da bossa-nova, enquanto a carta védica falasse do artista politizado e do astrólogo provocativo, que não hesitou em publicar um livro nada lisonjeiro para os outros astrólogos do país.
NOTA: O compositor de Primavera e tantas outras obras-primas faleceu aos 90 anos, no dia 16 de dezembro de 2023. Mesmo tendo sido um astrólogo ativo durante os anos setenta e oitenta, não encontramos ainda na internet qualquer registro sobre seu horário de nascimento.
Zeno Bocardo Pereira diz
Fernando Fernandse escritor e cronista de assuntos astrológicos altamente necessário! Abraços querido!