Ary Evangelista Barroso, ou, mais simplesmente, Ary Barroso, foi um dos mais bem sucedidos criadores de sucessos musicais do planeta. Basta dizer que, das vinte músicas mais tocadas e mais gravadas de todos os tempos, duas são de sua autoria. Em termos de alcance internacional, só Tom Jobim e João Gilberto chegaram tão perto. O carro-chefe de sua vasta obra é Aquarela do Brasil, é claro. Mas há um samba de Ary que pode ser considerado uma espécie de autorretrato do compositor, ou pelo menos de uma faceta importante de sua personalidade. Vamos à letra:
Encontrei o meu pedaço na Avenida
de camisa amarela
Cantando a Florisbela, oi
A Florisbela
Convidei-o a voltar pra casa em minha companhia
Exibiu-me um sorriso de ironia
E desapareceu no turbilhão da Galeria(Camisa Amarela, samba de 1939)
Isso mesmo: Ary Barroso era, como se dizia antigamente, um sujeito da pá virada. Nascido na pequena cidade mineira de Ubá, às 3h da madrugada de 7 de novembro de 1903, tinha um Ascendente em Libra sob o qual pulsava a enorme energia de viver do Sol em Escorpião aliada a uma disposição descomunal para dividir-se entre dezenas de focos de interesse, típica da Lua em Gêmeos. Com o Sol na aquisitiva casa 2 em trígono com o Júpiter na esforçada casa 6, trabalhou incansavelmente até ser vencido pela doença, sem perder, porém, a capacidade adolescente de divertir-se e de criar um rastro de movimento em torno de si. Com cinco planetas em signos mutáveis, agitação era com ele mesmo…
Falamos em doença, e não é difícil imaginar qual poderá ter sido. Sigamos com a letra de Camisa Amarela:
Não estava nada bom
O meu pedaço, na verdade,
Estava bem mamado
Bem chumbado, atravessado
Foi por aí cambaleando
Se acabando num cordão
Com o reco-reco na mão
Mais tarde, o encontrei num café
Zurrapa do Largo da Lapa
Folião de raça
Bebendo o quinto copo de cachaça
Voltou às sete horas da manhã
Mas só na quarta-feira
Cantando a Jardineira, oi
A Jardineira
Me pediu, ainda zonzo,
Um copo d’água com bicarbonato
O meu pedaço estava ruim de fato
Pois caiu na cama e não tirou nem o sapato
(…)
Tal como o folião que o samba descreve, Ary também era bom de copo e incansável quando se tratava de esticar a noite numa conversa de botequim ou numa roda de amigos nas boates da moda. Fazia uma espécie de ronda diária pelas casas noturnas e, numa mesma noite, podia ser visto sucessivamente em vários lugares. É lógico que não bebia cachaça, mas cerveja, nos primeiros tempos, e scotch puro, a partir dos anos cinquenta (além de fumar três maços de cigarro por dia). É fácil entender essa rendição ao álcool pelo destaque de Netuno em Câncer, planeta mais próxima do Meio do Céu e em fechada oposição com Marte. Netuno é um dos regentes da casa 6 de Ary, que abriga o signo de Peixes, e onde também encontramos Júpiter, planeta significador do fígado e dos exageros. Este Júpiter na casa da rotina de trabalho e das doenças agudas, recebendo uma quadratura da Lua em Gêmeos, regente da 10, mostra como o próprio ambiente profissional de Ary Barroso acabou por deixá-lo mais próximo do álcool que um dia iria levá-lo à cirrose hepática.
Incansável e resistente até quase os sessenta anos (Júpiter na 6 em trígono com o Sol na 2, indicando vitalidade), Ary começou a ver sua saúde declinar a partir de 1961. Daí em diante foram várias crises e internações hospitalares, até a morte, que sobreveio numa noite de carnaval, em 9 de fevereiro de 1964. Mas voltemos à letra de Camisa Amarela, agora em seu trecho final:
Despertou mal-humorado
Quis brigar comigo
Que perigo!
Mas não ligo
O meu pedaço me domina,
me fascina, ele é o tal
Por isso não levo a mal
Pegou a camisa
A camisa amarela
Botou fogo nela
Gosto dele assim
Passada a brincadeira
Ele é pra mim
(Meu Senhor do Bonfim!)
Esses versos caberiam muito bem na boca de Ivone Arantes Barroso, por quem Ary se apaixonou quando ela tinha apenas 13 anos e com quem se casou – para sempre – em 1930. Um homem com Netuno no Meio do Céu e com uma flanante Lua geminiana em quadratura com Júpiter não é do tipo que encerra o expediente às seis da tarde e vai direto para o aconchego do lar. A mulher que tentasse acorrentá-lo descobriria, provavelmente, como é difícil aprisionar uma bolha de sabão. Mas Ivone deve ter sido uma mulher muito especial, capaz de entender e aceitar a personalidade inquieta e os hábitos boêmios de Ary. Concedeu-lhe a liberdade necessária e nem se dava ao trabalho de trancar a porta da casa, pois sabia que ele não conseguiria encontrar o buraco da fechadura, ao chegar no meio da madrugada.
Ary, o órfão que queimou uma fortuna
A vidinha pacata na interiorana cidade de Ubá nunca mais seria a mesma depois de 1911. Em maio morreu-lhe a mãe, de tuberculose. Dois meses depois, o pai teve o mesmo destino. Ary Barroso tinha apenas sete anos e estava órfão. Plutão em trânsito aproximava-se do Meio do Céu e formava quadratura a Vênus natal, regente do Ascendente. Foi um momento de perda de afetos e de brusca mudança de condições.
Criado pela tia, Ary foi obrigado a submeter-se a longas horas de treinamento no piano, em aulas que detestava. Mas tornou-se um instrumentista competente a ponto de, aos doze anos, já estar trabalhando no cinema local, onde providenciava ao piano a trilha incidental dos filmes mudos. Netuno no Meio do Céu é o indicador maior da vocação musical – o planeta da imaginação e do ritmo na casa da carreira e do “lugar ao sol”. O início da vida profissional do jovem Ary tocando em cinemas também guarda conexão com Netuno, que rege esta arte (cinema é projeção de imagens, algo bem netuniano).
Quando tinha 17 anos, a morte de um tio transformou Ary Barroso no herdeiro de uma pequena fortuna – mais do que suficiente para permitir sua sobrevivência no Rio de Janeiro durante os longos anos de um curso de Direito e do início de carreira como advogado. O que ninguém poderia imaginar é que bastariam dois anos para que o rapaz gastasse toda a herança, até o último centavo, para alegria das prostitutas e dos donos de bares cariocas. Seu lugar preferido era um cabaré no final de Copacabana, chamado Mère Louise. Para resumir: Ary Barroso gastou tudo o que tinha muito antes de completar o curso. Esta alegre imprevidência nas despesas é típica dos aspectos envolvendo sua casa 2, a do sustento, dos recursos e da atitude em relação ao dinheiro: ali está o Sol em trígono com Júpiter e também há o trígono de Sol e Mercúrio a Netuno, no Meio do Céu. O conjunto indica uma atitude otimista, de “vai dar tudo certo” – gastar primeiro e depois pensar em como conseguir mais…
Por outro lado, Mercúrio forma uma tensa quadratura com Saturno na casa 5. Ary Barroso nunca teve dificuldade para ganhar dinheiro, se bem que precisasse antes desenvolver uma disciplina intelectual e criativa (aspecto tenso Mercúrio-Saturno). Uma interessante manifestação deste aspecto na vida do compositor foi sua preocupação permanente com a questão do correto pagamento de direitos autorais. Como artista criador (casa 5) Ary Barroso sempre se sentiu prejudicado por empresários e editores, o que o levou a liderar movimentos pela criação de uma sociedade arrecadadora realmente eficaz.
Voltando à fortuna dissipada: para continuar pagando os estudos e as despesas da pensão em que vivia, Ary precisava trabalhar. Por volta de 1925 já estava empregado como pianista de cinemas. Daí, passou para as jazz-bands que animavam bailes. Começa a compor e, em 1928, tem seus primeiros sambas gravados. O sucesso não seria instantâneo, mas viria aos poucos, no decorrer da década de trinta. Em 1930, aliás, logo depois de formar-se em Direito (profissão que nunca exerceria), casa-se com Ivone. Entre 1931 e 1934 define seu estilo musical e produz uma série de obras-primas de grande sucesso, como No Rancho Fundo, composta em 1931 com letra de Lamartine Babo, e que continua recebendo regravações até hoje:
No rancho fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade…
No rancho fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno conta as “mágua”
Tendo os olhos rasos d’água
(…)
Ainda de 1931 são Faceira, gravada por Sílvio Caldas, e Maria, outra música a merecer, a partir daí, dezenas de regravações:
Maria
O teu nome principia
Na palma de minha mão
E cabe bem direitinho
Dentro de meu coração, Maria
Maria, de olhos claros, cor do dia
Como os de Nosso Senhor
Eu por vê-los tão de perto
Fiquei ceguinho de amor
A título de curiosidade, mãos são regidas por Mercúrio, e Ary tinha tanto a Lua quanto Vênus, planetas estruturadores da imagem feminina, em signos mercuriais (Gêmeos e Virgem). Não é de estranhar que seja ele o autor desta bela imagem da mão que carrega a inicial do nome da mulher amada.
No final desta fase, em 1934, novos sucessos como Caco Velho, Tu e Na Batucada da Vida, esta com letra de Luiz Peixoto:
No dia em que apareci no mundo
Juntou uma porção de vagabundo
Da orgia
De noite teve choro e batucada
Que acabou de madrugada
Em grossa pancadaria
Depois de meu batismo de fumaça
Mamei um litro e meio de cachaça
(…)
A vez de Aquarela do Brasil
Os versos de Na Batucada da Vida lembram Noel Rosa, ou melhor, lembram a temática do samba da época, que sempre girava em torno de vagabundagem, miséria e orgia. Mas Getúlio Vargas já estava no poder e logo daria um golpe para perpetuar-se nele, instaurando, em 1937, a ditadura do Estado Novo. As consequências foram profundas para as artes nacionais. Getúlio cria o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda – não apenas para fazer a censura prévia dos meios de comunicação como também para estimular uma produção artística que fizesse do Brasil uma imagem mais moderna e positiva. Sob o controle severo dos censores do DIP, a exaltação à vagabundagem deveria dar lugar à exaltação do trabalho e das grandezas do Brasil. Por coincidência, em 1939 Ary Barroso compõe um samba totalmente afinado com o espírito da época – Aquarela do Brasil – que daria origem a um novo gênero chamado exatamente de samba-exaltação. A sincronicidade com o momento político é tanta que muitos detratores acusam Ary Barroso de ter composto Aquarela do Brasil por encomenda direta de Getúlio, mas parece ter-se tratado de coincidência mesmo. Ary fez o samba certo na hora certa, e que iria também, mais adiante, chegar aos ouvidos certos: os de Walt Disney, que parte para a América do Sul em 17 de agosto de 1941 como uma espécie de embaixador informal, envolvido no esforço dos Estados Unidos para estreitar uma política de boa vizinhança com seus vizinhos latinos.
Os americanos desejavam obter maior colaboração brasileira no esforço de guerra contra Hitler. E Walt Disney queria encontrar temas nativos que pudessem ser incluídos em futuros filmes, feitos sob encomenda para criar laços de simpatia entre ianques e latino-americanos. Disney ouviu Aquarela do Brasil pela primeira vez em Belém do Pará, em agosto de 1941, e logo percebeu que ali estava uma canção perfeita para seu projeto. Na viagem de avião de Belém para o Rio, idealizou um novo personagem de desenhos animados, o papagaio Zé Carioca. No Rio conheceu Ary e fechou a participação da Aquarela no próximo desenho, mas com o nome simplificado para Brazil.
O resto é história: Alô, Amigos (Saludos Amigos) fez um enorme sucesso. Estreou primeiro na América do Sul, em 1942, e chegou às telas americanas em 6 de fevereiro de 1943. Era um desenho animado de longa metragem formado por quatro histórias: Lago Titicaca, com o Pato Donald; Pedro (ambientado no México); El Gaucho Goofy (com Pateta no papel de um gaúcho argentino atrapalhado) e Aquarela do Brasil, com o Pato Donald e Zé Carioca.
O sucesso de Brazil foi tanto que logo Ary Barroso estaria partindo para Hollywood, onde já estavam radicados outros artistas brasileiros como Carmen Miranda e o Bando da Lua. Participa de alguns projetos e poderia ficar lá para sempre, se quisesse. Em 31 de dezembro de 1944, recebe o Merit Award da Academy of Motion Pictures and Sciences pelo samba Rio de Janeiro, da trilha musical do filme Brazil. Não era o Oscar, mas era quase. Entretanto, encerrado o primeiro contrato, Ary faz as malas e decide voltar, argumentando que não se adaptaria a um país onde “não existia Flamengo”.
Ninguém sabe ao certo o dia do surgimento de Aquarela do Brasil. Acredita Sérgio Cabral que tenha sido numa noite de fevereiro de 1939. Nesse dia, Ary não saiu de casa por causa de um forte temporal. Depois de um ameno bate-papo com a mulher e o cunhado, dirigiu-se ao piano dizendo que ia compor um samba num estilo novo e diferente. O que saiu o mundo inteiro conhece:
Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versosO Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingar
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso SenhorBrasil, prá mim, prá mim, prá mim
A combinação do mapa de Ary Barroso (interno) com o da Independência do Brasil (externo) mostra a sintonia do compositor com determinados aspectos da cultura nativa.
Aquarela do Brasil virou uma espécie de segundo hino nacional – especialmente em nível internacional. Ou seja, este samba é parte constituinte da imagem do país no exterior, e imagem, naturalmente, tem a ver com Ascendente. Se combinarmos o mapa de Ary Barroso com o da Independência, quatro interaspectos logo se destacam:
– Urano e Netuno, regentes da casa 1 do Brasil, estão no Fundo do Céu de Ary, em oposição ao Netuno do compositor e conjuntos a seu Marte;
– Plutão do Brasil está em oposição ao Ascendente de Ary;
– As duas Luas estão em conjunção, num aspecto que também envolve o Júpiter do Brasil;
– Mercúrio de Ary está em conjunção com o Marte do Brasil, regente do Meio do Céu da carta da Independência.
O que significa tudo isso? Que Ary Barroso tinha plena identificação emocional com a gente do país e com suas raízes (seja pelos aspectos de Lua, seja por Netuno-Urano do Brasil no Fundo do Céu do compositor). Daí vêm as referências nostálgicas:
Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o Rei-Congo no congado
Brasil, prá mim
Deixa cantar de novo o trovador
A merencória luz da lua
Toda a canção do meu amor
São imagens que se sucedem como num caleidoscópio, imagens onde a Lua desempenha sempre um papel importante:
Esse coqueiro que dá coco
Onde amarro a minha rede
Nas noites claras de luarAh ouve essas fontes murmurantes
Onde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
“Ah, ouve essas fontes murmurantes”… Este é um dos versos mais sugestivos de toda a MPB, e está carregado do simbolismo do elemento Água. Como o trígono Sol-Júpiter do próprio Ary, ou como a Lua pisciana do Brasil Colônia.
O resto – incluindo o tom épico de Aquarela do Brasil e o exagero de uma declaração de amor em grande estilo – fica por conta conta dos interaspectos de Plutão e Júpiter. Plutão costuma aparecer com muita frequência como significador daquilo que é reiterado na arte até não deixar dúvida nenhuma. É a repetição com efeito intencionalmente estético, tal como em “meu Brasil brasileiro”, ou “esse coqueiro que dá coco” (o que mais um coqueiro poderia dar?). Plutão do Brasil no Descendente de Ary é o interaspecto que explica o impulso do compositor para cantar seu país de forma tão grandiloquente.
Aquarela do Brasil foi composta ao piano, segundo o próprio Ary, em apenas meia hora. Na mesma noite, Ary ainda compôs outro samba que também fez sucesso.
Um sucesso atrás do outro
Inacreditável é pensar que Ary Barroso teve sérios problemas com a censura (o famigerado DIP) para liberar a letra de Aquarela do Brasil. A culpa foi da última estrofe, aquela que diz:
Ah esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Os censores oficiais implicaram exatamente com o último verso, a “terra de samba e pandeiro”, que, segundo eles, transmitia a imagem de um país atrasado, folclórico, distante da modernidade que o Estado Novo queria enfatizar. Ary, com sua enorme capacidade de argumentação, saiu-se bem na sabatina com os censores e conseguiu a liberação integral da letra.
Na mesma linha de alegre celebração das belezas e mulheres nativas, Ary também compôs sambas como No Tabuleiro da Baiana, de 1936:
No tabuleiro da baiana tem
Vatapá, oi
Caruru
Mungunzá, oi
Tem umbu
Pra ioiô
(…)
Ou como Na Baixa do Sapateiro, de 1938:
Ô Bahia, iaiá
Bahia que não me sai
do pensamento(…)
E o que dizer desta, de 1957, que foi uma de suas últimas canções de grande sucesso?
Olha, essa mulata quando dança
É luxo só
Quando todo o seu corpo se embalança
É luxo só
Porém, seu coração quando se agita
E palpita mais ligeiro
Nunca vi compasso tão brasileiro
(…)
Mas o talento de Ary não se restringiu ao samba-exaltação. A Lua em Gêmeos, o Sol em trígono com Júpiter (jovialidade é, literalmente, a qualidade de ser jupiteriano) e o bicho-carpinteiro da configuração Marte-Vênus-Netuno não permitiam que ele abandonasse a linha do humor irreverente ou da alegre crítica de costumes. Como nesta marchinha de 1937, cujos versos, em forma de diálogo, são cantados por Carmen Miranda e pelo Bando da Lua:
–Eu dei
–O que foi que você deu, meu bem?
–Eu dei
–Guarde um pouco para mim também
–Não sei
(…)
O que Carmen Miranda dera fora um simples beijo. Mas isso só é revelado na última estrofe… Em 1938 veio Boneca de Piche, na mesma linha, com música de Ary e letra de Luís Iglésias.
Venho danado com meus calo quente
Quase enforcado no meu colarinho
Venho empurrando quase toda a gente, Eh! Eh!
Pra ver meu benzinho. Eh! Eh! Pra ver meu benzinhoNego tu veio quase num arranco
Cheio de dedo dentro dessas luva
Bem que o ditado diz: nego de branco (Eh! Eh!)
É sinar de chuva. Eh! Eh! É sinar de chuvaDa cor do azeviche, da jaboticaba
Boneca de piche, é tu que me acaba
Sou preto e meu gosto, ninguém me contesta,
Mas há muito branco com pinta na testaTem português assim nas minhas água
Que culpa eu tenho de ser boa mulata
Nego se tu borrece minhas mágoa (Eh! Eh!)
Eu te dou a lata. Eh! Eh! Eu te dou lataNão me farseia ó muié canaia,
Se tu me engana vai haver banzé
Eu te sapeco dois rabo-de-arraia, muié (Eh!, Eh!)
E te piso o pé. Eh! Eh! E te piso o pé
Quem não se lembra de Boneca de Piche interpretada por Grande Otelo, de casaca branca e cartola, a cantar todo lânguido para uma mulata duas vezes maior do que ele? No vídeo, a “mulata é Xuxa, numa gravação de 1992.
Ary também sabia rir – e como! Nesses momentos, exibia a sociabilidade do elemento Ar presente em seu Ascendente Libra e em sua Lua geminiana.
Mesmo tendo uma permanente implicância com os sambas de dor-de-cotovelo, especialmente com aqueles que se descaracterizavam a ponto de perderem o ritmo (o telecoteco, como dizia Ary) e parecerem boleros, Ary Barroso também compôs algumas pérolas românticas. Era um homem de sete instrumentos, que remédio? É dele, entre outras, Pra machucar meu coração, de 1943:
Está fazendo um ano e meio, amor
Que o nosso lar desmoronou
Meu sabiá, meu violão
E uma cruel desilusão
Foi tudo que ficou
Ficou
Prá machucar meu coração
E também Risque, um enorme sucesso em 1952:
Risque
Meu nome de seu caderno
Pois não suporto o inferno
Do nosso amor fracassado
Enfim, o homem realmente não parava quieto. Foi o Escorpião ciumento, briguento, intransigente, radical, que levou suas lutas às últimas consequências. Teve a impulsividade de Marte angular e a musicalidade de Netuno no Meio do Céu, sem falar nos exageros de Júpiter. Mas o que parece mais típico de Ary Barroso foi sua forma pessoal de vivenciar a combinação Escorpião-Gêmeos, fazendo a difícil síntese da profundidade com a ligeireza, da versatilidade com a perícia, da seriedade com o humor. Às vezes, ao encontrar os amigos, dava para recitar um texto sem nenhum sentido, por pura galhofa:
–Eu sou aquele que saiu do bosque e toca a flauta amena. Oh! Tu que tens tranquibérnia da vida. Toda sarapintada de azul. Não me venhas de senaclitas, sapelbélzias, tchin, tchin.
Aí entendemos por que Ary Barroso e o Brasil se deram tão bem. O país e o compositor que o exaltou em tantas músicas são um pouco Gêmeos, um pouco Escorpião. A Lua de ambos está lá, no signo traquinas de Mercúrio, enquanto o Marte do Brasil, fazendo par com o Sol e o Mercúrio de Ary, carrega a energia fixa do domicílio de Plutão. Quando juntamos esses signos tão díspares, o que acontece? Ary Barroso parece ter dado a resposta ao compor Isso Aqui o Que É?, em 1942:
Isto aqui ô ô
É um pouquinho de Brasil, á á
Deste Brasil que canta e é feliz
Feliz, feliz
É também um pouco de uma raça
Que não tem medo de fumaça ai, ai
E não se entrega não
Um pouquinho do Brasil e um pouquinho de Ary. Um pouquinho de Escorpião e um pouquinho de Gêmeos. Cantar e não entregar os pontos, eis o segredo.
Vera Miranda diz
Fernando,
Leio sempre a/o Constelar e amo a profundidade com que os temas são tratados, aprendo muito com tais leituras.
Gostaria de ressaltar “o quanto me foi agradável ” ler e conhecer Ary Barroso sob sua análise e perspectiva astrológica.
Neste artigo você se superou em tudo: pesquisa, conhecimento, clareza e humor! Parabéns!
Abs,
Vera
José A. Baptista diz
Segundo minhas análises, utilizando-se o método CAL (Código Astral Natal), o signo Ascendente no nascimento de Ary Barroso é Aquário, à 02 graus e 16 minutos (02º 16’ ou 302º 16’), hora do nascimento: 10h. e 41m., um sábado. Aqui, a concepção ocorreu em 28/01/1903/05h. 18m., Ascendente Lunar (posição da Lua mais o Ascendente [ou Descendente] da concepção conjuntos), à 02º 16’. O interessante aqui é que no MAC (Mapa Astral Concepcional) do Ary não consta nenhum aspecto negativo entre os elementos no MAC, somente uma fraca oposição entre Plutão (em Gêmeos) e Urano (em Sagitário). Já aqui o MAN (Mapa Astral Natal) de Ary Barroso, tem o signo de Aquário regendo a CA1 (Casa Astral 1), com Saturno (em Aquário) posicionado na Cúspide da CA1, negativo com Mercúrio e com o MC (Ary não se comunicava através de sua aparência e posição, e sim, através de suas letras e talentos musicais). E também devido à essa posição de Saturno e de Ary ter nascido num sábado, ele era desprovido de beleza física desde sua infância.
Outro ponto importantes que chamou a minha atenção no MAN do Ary com Ascendente em Aquário, foi que Netuno (em Câncer) posicionado na Cúspide da CA6 e mesmo positivo com Mercúrio (na CA10), mas em oposição à Marte (em Capricórnio) impulsionava Ary para cometer abusos e prejudicar a sua saúde, e Quíron na CA12 contribuía diretamente para que sua saúde ficasse pior 50 anos depois, acabando por morrer em 09/02/1964.
José A. Baptista diz
Eu vejo o nosso Brasil – principalmente no que se refere ao mundo artístico musical – como um grande pomar de árvores frutíferas que por longos anos deu frutos que alimentavam nossas almas. E Ary Barroso era uma dessas árvores que, infelizmente morreu, e infelizmente também, nada em nosso planeta Terra fica para semente para ser replantada. Além dessa árvore (Ary Barroso), milhares de outras árvores morreram e outras que estão morrendo e que, num futuro bem próximo, neste grande pomar só veremos folhas secas, pois não estão nascendo outras árvores como Ary Barroso, Elis Regina, Inezita Barroso, Mazzaropi, Tonico e Tinoco – e uma enorme quantidade de árvores artísticas que morreram para nunca mais voltar à nascer. Num futuro bem próximo não quero estar neste grande pomar de folhas secas e sem vida artística. O Ary, por si só – numerologicamente falando – era um mestre (11), e somando o Barroso (7 – sensibilidade para a música) ao mestre 11 temos 18>9 (o batalhador incansável) mais 1 (do destino), resultou no 10>1 – o único, que brilhou na música como o nosso único Sol brilha para o nosso planeta Terra.