O mapa
Não admira que Chico Buarque de Hollanda tenha uma afinidade tão grande com o universo da mulher: nascido no Rio de Janeiro, às 11h35 da manhã de 19 de junho de 1944, Chico tem o Meio do Céu enquadrado entre Lua e Vênus, enquanto Netuno é o único planeta da casa 1. São exatamente os três planetas significadores do feminino, sem falar que o Ascendente está em Virgem.
A Lua é a mulher em sua condição de mãe, que nutre e protege; Vênus é a mulher em sua dimensão de amante e companheira, além de simbolizar o desejo, o senso de valor e os ideais estéticos. Tanto a Lua das emoções quanto Vênus, planeta dos sentimentos e escolhas, estão em Gêmeos, signo da palavra, o que dá a Chico a capacidade de ser o porta-voz de encontros e desencontros, afetos e carências, fantasias e paixões.
Mas a Lua no Meio do Céu, além de falar da sensibilidade num nível pessoal, expressa também uma identificação com as correntes emocionais do coletivo, com as flutuações da massa, com as expectativas e o imaginário de um país inteiro. Estando em conjunção com Mercúrio, regente do Ascendente e do Meio do Céu, esta Lua dá a Chico a condição de ser o canal privilegiado dos sentimentos de toda uma nação. Exatamente o que ele foi ao longo dos últimos sessenta anos.
Netuno na casa 1: o homem que deu voz a Geni
Vamos aos fatos: ao contrário de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rita Lee e Raul Seixas, Chico nunca foi preso — e muito menos torturado. Também não foi o compositor mais censurado da ditadura: este triste pódio coube a Taiguara, um compositor que teve nada menos que 48 letras de música proibidas e outras 36 vetadas pelo Serviço de Censura.
A perseguição a Taiguara era tão implacável que chegou a tirar de circulação dois discos inteiros: um deles, gravado em Londres, é o único caso de proibição de um álbum brasileiro produzido no exterior (em Londres). O outro é o lendário Imyra, Tayra, Ipy, recolhido 72 horas depois de seu lançamento e até hoje desconhecido no Brasil. Mesmo assim, é Chico quem encarna, mais do que qualquer outro, a imagem do artista perseguido, vítima do arbítrio, impedido de exercer plenamente seu potencial criativo.
Para entender esta fama, é preciso lembrar que Virgem é um dos Ascendentes que melhor administra o impacto que projeta no mundo. Chico é discreto, cuidadoso, e parece cultivar conscientemente sua imagem pública. Além do mais, Netuno está na casa 1, evidenciando a vocação para dar voz àqueles que foram perseguidos ou calados à força. Chico não realiza isso em sua vida pessoal, mas nos inúmeros personagens que povoam suas canções. É só pensar na sofrida Geni, ou no personagem-título de Vai Trabalhar Vagabundo, que
(…) Vai terminar moribundo
Com um pouco de paciência No fim da fila do fundo Da previdência
Ou ainda no eu lírico de Sabiá, que canta sem esperança:
Que fiz tantos planos
De me enganar Como fiz enganos De me encontrar Como fiz estradas De me perder Fiz de tudo e nada De te esquecer
Tudo isso tem a ver com Netuno na 1. Mas não é qualquer Netuno.
Seis planetas em torno do Meio do Céu: o grande espelho do coletivo
Chico tinha 19 anos quando João Goulart foi deposto por um levante militar. Já era uma figura nacional quando o regime atingiu seu máximo fechamento com a decretação do AI-5, em 1968. Nos anos de chumbo, que se estenderam por todo o governo Médici, foi a voz mais conhecida da resistência cultural no âmbito da MPB.
Com seis planetas em torno do Meio do Céu, três na casa 9 e três na 10, seria muito difícil que Chico não se interessasse pelas grandes questões coletivas. Com uma conjunção Sol-Saturno na casa 10, quase impossível que não se posicionasse de alguma forma em relação à autoridade e ao poder constituído. E com o sutil e evasivo Netuno na casa 1 em quadratura com a conjunção Sol-Saturno, inevitável que a relação com o poder trouxesse uma boa dose de problemas.
Netuno é significador das várias formas de encantamento pelo ritmo — entre as quais música e poesia, as especialidades de Chico — e também de um forte desejo de transcendência, da proposição da utopia em lugar da feia realidade, do apelo ao imaginário como antídoto contra a estreiteza de perspectivas. Netuno é a marca do cruzado, do combatente pela causa impossível, especialmente quando em aspecto com Saturno, quando pode levar ao fanatismo extremista ou à disciplina ascética mortificante.
A Ordem dos Templários, que foi uma poderosa confraria de monges-guerreiros na Idade Média, surgiu e desapareceu sob contatos tensos Netuno-Saturno. Aspectos desta natureza costumam estar presentes em mapas de pessoas que colocam seus princípios ideológicos, ou sua arte, em rota de colisão com o poder vigente. É o aspecto do paladino ou do mártir — e eventualmente também do repressor ou do inquisidor.
Chico Buarque de Hollanda teve de lidar com sua quadratura Netuno-Saturno durante os longos embates com a Censura Federal. Para enganar censores, adotou, durante algum tempo, o pseudônimo Julinho da Adelaide — certamente um personagem netuniano. Aliás, Netuno na casa 1 conjugado ao regente do Ascendente em conjunção com a Lua explicam Chico como um grande criador de personagens, já que suas antenas de conexão com o coletivo colocam-no facilmente em sintonia com tipos os mais diversos, cada um com sua história de vida.
Camaleão Buarque de Hollanda
Entra aí em ação o mimetismo de Gêmeos, um signo mutável, portanto adaptável, curioso, mental, capaz de entender rapidamente o “mecanismo” do outro e imitá-lo. Chico é como um camaleão. Não precisa viver a vida do outro, basta compreendê-lo. São, no total, sete planetas no elemento Ar (seis em Gêmeos e um em Libra), o que lhe dá a privilegiada condição de conseguir extrair o essencial de qualquer situação sem perder a amplitude de perspectiva, o distanciamento crítico e a capacidade conceitual.
Os muitas personagens com que ele povoou a MPB — Carolina, Geni, as Mulheres de Atenas, Pedro Pedreiro, o operário de Construção — são abstrações mercuriais, como grandes balões que pairam sobre o país carregando imagens em que muitos se podem reconhecer. Aliás, eis aí mais um sentido da Lua no Meio do Céu: espelho.
Chico deu à MPB o melhor espelho poético de comportamentos e de tipos humanos dos últimos sessenta. Ao lado de Caetano Veloso, Chico Buarque de Hollanda é o melhor exemplo que vêm à mente quando um astrólogo se pergunta a que alturas uma Lua em Gêmeos pode chegar.
Leia também: Todas as mulheres de Vênus em Chico Buarque de Hollanda
Patrícia diz
Diante de sua magnífica interpretação, cabe-me aplaudi-lo de pé. Depois de ter tirado o chapéu do dia, sou uma mulher de Vênus em Touro, com muita satisfação.
Ana Maria diz
Muito bem escrito este perfil astrológico do Chico Buarque. me encantou mesmo. Gostaria de saber do curso. custo e duração. se quem não tem conhecimento anterior pode fazer
Redação Constelar diz
Oi Ana Maria, obrigado pelo feedback. se você se refere ao curso Astrocartografia, Usos Avançados, o ideal é que seja feito por estudantes que já fizeram o primeiro curso de Astrocartografia e/ou tenham boas noções de Cálculo Astrológico e Cartografia. Todas as informações sobre este curso, assim como sobre todos os demais de Astroletiva, estão em https://astroletiva.com.br/astrologia/
Luis Reyes Gil diz
Cada vez melhor, Fernando. Parabéns.
Redação Constelar diz
Obrigado!
Glaucia Arruda diz
Adorei a análise sobre nosso gigante Chico Buarque! Acompanho seu ótimo trabalho e sinto falta qdo vc não grava no YouTube hehehe… sucesso!
Redação Constelar diz
Pois é, Glaucia, parece contraditório, mas acho mais fácil gravar uma aula de duas horas ou mais por videoconferência, diante de uma turma – faço várias por semana -, do que um vídeo de dez minutos, para o Youtube, onde não vejo ninguém. Mas vou gravar algunns videos novos em breve!