A Nona Sinfonia sempre atraiu minha curiosidade e eu me perguntava como teria sido a época em que ela foi composta, do ponto de vista astrológico. Essa é a proposta deste artigo.
Começarei por algumas indicações da vida de Beethoven e de alguns aspectos de seu mapa natal. Talvez não seja difícil, a partir daí, entender como e por que a Nona Sinfonia foi composta, ou seja, o que ela significava na vida de Beethoven.
Mas não sei se tais reflexões poderão aplacar esta sensação que não se afasta de mim em relação à beleza que ela nos oferece. Também não poderão explicar o sucesso que ela tem feito desde sempre. Não foi por acaso que seu quarto movimento foi escolhido como Hino da Comunidade Europeia. Ser tocada em tantas ocasiões não dilui o clima de grandiosidade e alegria que expressa, por mais que ela seja repetida. É popular e não se esgota, mantendo o mistério de seu valor. Quais planetas estão em ação nesse contexto?
I – A vida e o mapa astrológico
O dia do nascimento de Beethoven, na cidade de Bonn, Alemanha, é impreciso: dezesseis ou dezessete de dezembro de 1770? Temos somente a certeza de sua certidão de batismo no dia 17. Há informações de que tal documento seria elaborado, de acordo com as normas daquela época, dois ou três dias depois do nascimento. Mas, segundo André Barbault, astrólogo francês, ela substituiria a data de nascimento, ocorrida no mesmo dia ou no dia anterior.
Além dessa dúvida em relação ao dia de nascimento, há também a questão do horário. Três retificações astrológicas, feitas por Robert Jansky, Noel Tyl e Marion March, nos oferecem três diferentes horários. Ou seja, as retificações não nos ajudam muito, justamente por terem autoria de profissionais competentes e abalizados. Como escolher entre elas?
Tomarei o dia 16 de dezembro e a hora provável (14h) como o de seu nascimento levando em conta a informação de Barbault (2004, p. 256). Observarei apenas alguns aspectos que não sejam comprometidos com essa falta de precisão. Como desejo verificar a época da composição da Nona Sinfonia, irei analisar apenas os trânsitos de planetas lentos, que serão adequados para os objetivos deste artigo, embora não tenham a mesma valia técnica que as direções e progressões.
O mapa natal apresenta quatro planetas em signo de Fogo (Sagitário e Leão), o que explicaria a força da personalidade de Beethoven. Esse composto ígneo lhe emprestaria uma disposição enérgica, vibrante e até egoísta, o que justificaria seu desdém por posição social e por autoridades (Saturno em Leo). Independência de comportamento não lhe faltava. Ele exigia total atenção nas audições que fazia, o que estava de acordo com esse feitio individualista.
A ênfase de planetas no signo de Sagitário (Sol, Mercúrio e Lua), o terceiro signo de Fogo, lhe daria a compleição forte e um caráter liberal no convívio social e em relação às normas da corte. Ele foi conhecido pela rudeza de suas posturas, o que lhe valeu a imagem de homem de temperamento difícil e arrogante. Apesar disso, era aceito por seus companheiros. Não era adepto da Igreja, embora tivesse um tipo de espiritualidade especial. Nessa sinfonia e nos versos de Schiller que escolheu, essa característica é presente, estando de acordo com o signo de Sagitário.
Marte no signo de Gêmeos lhe daria motivação mental e racional para sua mobilização na vida. E a oposição marciana aos planetas no signo de Sagitário, por sua vez, seriam responsáveis pela pouca paciência, irritabilidade e disposição ao confronto. Os dissabores com a família se associam a outros afetivos, possivelmente por esse comportamento pouco compassivo.
Mas, o impaciente, arrebatado e apaixonado Beethoven também foi agraciado pela natureza com o elemento Terra, o que lhe teria impulsionado à realização de sua obra. Cinco planetas em signos de Terra (Urano em Touro; Netuno em Virgem; Plutão, Júpiter e Vênus em Capricórnio). A ênfase no signo de Capricórnio justificaria seu grande empenho e compromisso com a vocação profissional. Construtor, antes de tudo, esse elemento Terra lhe teria dado a capacidade de efetivar seus impulsos de inspiração (Fogo).
Boa complementação para um artista que teria tido a sua disposição o fogo criador e a força concretizadora da matéria. O Grande Trígono oferece-lhe inspiração, intuição e visão (Tirney, p.73), os planetas lentos nele implicados (Urano, Netuno e Plutão) em signos de Terra dão-lhe força de realização e, por serem geracionais, possibilitam ao compositor uma ação através de impulsos com ressonância dentro da coletividade, atingindo um amplo universo de significados além daqueles próprios ao pequeno mundo em que normalmente vivemos.
II – Gestação da obra-prima
Como era o contexto em que a Nona Sinfonia surgiu? Como eram as condições astrológicas em que ela foi concebida e finalizada?
Há informações de que essa obra de Schiller o havia encantado pela primeira vez, ainda na mocidade. Sinais de seus versos podem ser percebidos em outras obras anteriores de Beethoven, às vezes com pequenas adaptações. Assim também os acordes de sua melodia – já querendo se expressar – teriam sido anunciados em algumas peças, acompanhados por cerca de trinta anos. Portanto, longo caminho se encerrou em fevereiro de 1824, quando ela ficou pronta.
Essa peça musical é a última de uma série de nove sinfonias e apareceu depois de um intervalo de mais de uma década após a sétima e a oitava sinfonias, escritas em 1812. O convite para nova sinfonia fora feito ao compositor em 1817, mas ainda demoraria alguns anos para que tal realização se efetivasse. Ela foi apresentada pela primeira vez no dia 7 de maio de 1824, em Viena, três anos antes de sua morte. E talvez o compositor já estivesse totalmente surdo na época em que a compôs.
É obra da maturidade de um compositor que fez a passagem do classicismo ao romantismo. A Nona Sinfonia nos lembra tanto tons românticos como o rigor clássico, e também as inversões e retomadas do tema típicas da fuga de Bach. Beethoven retorna a um tom cívico e nacionalista, abandonado por ele há muito tempo.
Quando recordada pela memória, nos lembramos apenas do tema entoado pelo coro com versos de Schiller, a Ode à Alegria, como se todos os outros movimentos não merecessem senão o lugar de uma introdução meio longa a esse quarto movimento. E ela é assim conhecida pela maioria dos seus ouvintes, uma arrastada espera até que cheguem os acordes e coro do quarto movimento. A análise técnica dessa composição indicaria que os temas de seus três primeiros movimentos teriam sido delicadamente retomados e negados no início do quarto, como a mostrar que não eram esses os tons desejados. Depois dessa caminhada por tons indesejados, seriam tocados os sons que os versos do coro prometem, com a nova promessa de alegria e de melodia.
Nessa passagem por temas e tons indicados e negados, há o desenvolvimento de uma narrativa. Esse rodeio musical é um preparo para o tema principal do quarto movimento, que é o arranjo que nos motiva e que teria sido o grande desejo do compositor.
Qual teria sido o pano de fundo astrológico dessa busca e desse encontro? Ela tem uma função demonstrada na composição técnica musical e também nas intenções de alma do compositor, em que já há tempo moravam sinais de sua presença. Na linguagem astrológica, talvez encontremos argumentos para a compreensão da grandeza dessa composição, de que passo a descrever os trânsitos de planetas lentos (portanto de grande intensidade e espectro) no mapa de Beethoven naqueles anos.
Nessa época, o planeta Júpiter e o Grande Trígono em Terra (Urano, Netuno e Plutão) estavam bastante ativados por trânsitos. Júpiter recebeu uma quadratura de Plutão (período de 1823 a 1827), uma conjunção de Urano (de outubro de 1820 a fevereiro de 1823 e de junho a novembro de 1823, ativando o Grande Trígono) e uma conjunção de Netuno (de outubro de 1819 a final de 1823, sendo o ano de 1822 o pico desse trânsito).
Esses trânsitos sobre o planeta Júpiter em Capricórnio e regente do signo de Sagitário (Sol, Lua e Mercúrio) podem ter muitas interpretações. Movimentos provocativos nas crenças e ideais antigos (Plutão) instigando inspirações (Netuno) dentro do espírito idealista de Sagitário. Será época para o compositor retornar ao que ficou em sua alma e memória (Plutão), dando voz à turbulência de seus infernos pessoais que lhe chamam ao exterior? Resgatar o que ficou retido como bruma sem explicação ao longo dos anos (Netuno), abrindo as asas de sua imaginação e sonhando com a liberdade e a fraternidade entre os homens (versos de Schiller)? Compreender e ganhar liberdade para fazer o que tinha que ser feito (trânsito de Urano um pouco antes)?
Os ideais de Beethoven (Júpiter) reclamam colocação concreta de uma forma intensa, representados por aquele repertório guardado na memória. Eles pedem espaço e Beethoven precisa colocá-los no ar, para serem ouvidos, já que explodem dentro de si mesmo. Era um grito essencial para dizer que não havia dúvidas em relação à necessidade da alegria e de um novo som. O tempo era agora.
Ainda temos Saturno em conjunção a Urano em Touro (em meados de 1822, e de fevereiro a junho de 1823, e dezembro de1823 a fevereiro de 1824) e, pouco depois, ele fez também uma quadratura com ele mesmo (maio e junho de 1823, e novembro de 1823 a março de 1824). Ainda que pelo senso comum haja desconfiança e medo em relação a Saturno, sabemos que ele é responsável por muita efetivação de esforços e de materialização de obras. Sua passagem em conjunção a Urano ativa o Grande Trígono (as outras pontas em Netuno e Plutão) deflagrando possivelmente grande introversão (leia-se, cobrança interna) e um ritmo de trabalho adequada ao signos de Terra. Essa cobrança à sua porta, de forma mais intensa, o instiga aos compromissos assumidos por seu mapa natal.
Júpiter coloca-se em conjunção a Marte entre junho e julho de 1823. São ativadas as energias mentais e da oposição (ao conjunto planetário em Sagitário) que impele ao confronto. Hora de provar-se. Hora de fazer aquilo que deve ser feito.
Há uma importante montagem de significados, e o idealismo generoso de Sagitário gera este momento musical. É hora de trabalho. Hora de construir a obra-prima.
III – Momento de alegria
O poeta, historiador e filósofo Friedrich Schiller, nascido em 10.11.1759, foi um dos grandes intelectuais alemães do século XVIII. Sua obra, especialmente no teatro e na poesia, teve forte influência na definição do Romantismo. O Plutão natal de Schiller, em Sagitário, formava uma estreita conjunção com o Sol de Beethoven.
Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!
São estes versos no início do quarto movimento que nos avisam que novo som está a chegar. Logo depois, com os versos romanticamente motivadores de Schiller, o coro descreve essa promessa, cantando com o calor e impulso do elemento Fogo os versos que vêm a seguir:
Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
E nesse momento único de trânsitos astrológicos raros e de longa duração manifesta-se a grande obra. Uma configuração astrológica de grande espectro promete algo também grande (Grande Trígono em Terra, planetas geracionais). E expressa o desejo do compositor de proclamar a promessa de alegria e de felicidade, um chamado á irmandade contra a solidão, como nos dizem os versos a seguir:
A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se conosco!
Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!
Vem também com a fé e crença de que os deuses estão acessíveis. Com certeza, Beethoven falava com o plano divino dentro de si mesmo (Sagitário). Ele sabia que havia atingido esse diálogo a partir ou apesar da imensa solidão e surdez. E nos deixou um convite para esse diálogo com a imagem que ele tem de Deus:
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.
/…/
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar.
É um momento de grandeza do ser humano e de seu encontro com o Pai e com a resposta e solução para o sofrimento da vida material.
A força da natureza humana possibilita a construção de uma obra dessa grandeza. A junção da possibilidade humana em relação aos movimentos dos céus. Momento de congraçamento e realização de uma promessa de destino humano.
Fico muda perante essa obra genial. Silenciam as minhas palavras e pensamento. Permaneçam nos espaços os sons e a alegria de Beethoven.
Bibliografia
ARROYO, Stephen. Astrologia, Psicologia e os quatro elementos. São Paulo: Editora Pensamento, 1984.
Barbault, André. O universo astrológico dos quatro elementos. Rio de janeiro: Espaço do Céu, 2004.
Grandes compositores da música clássica. Vol. 1. São Paulo, Abril Coleções, 2009.
MEDAGLIA, Júlio. Música, maestro! Do canto gregoriano ao sintetizador.São Paulo, Edit Globo, 2008.
TIERNEY, Bil. Dynamics of Aspects Analysis.Reno, CRCS Publications, 1980.
TITAN JR, Samuel. Memória e antecipação , a Nona Sinfonia de Beethoven.