Os ingleses da estrada de ferro
Tudo começou com um certo Charles Miller, que, apesar do nome, era paulistano nascido no Brás, descendente de ingleses e escoceses. Foi ele que, em 1894, retornando de estudos na Inglaterra, trouxe na bagagem as primeiras bolas de futebol e os primeiros jogos de camisas, além de um bom conhecimento teórico e prático do novo esporte, adquirido quando jogava na equipe britânica do Southampton Football Club.
Antes de poder jogar futebol em São Paulo, Miller teve de convencer amigos e colegas de trabalho a organizar um clube, além de ensinar-lhe as regras. Assim surgiu o São Paulo Athletic Club, que reunia altos funcionários da companhia do gás, do Banco de Londres e da estrada de ferro São Paulo Railway (depois Santos-Jundiaí) – na maioria membros da colônia britânica radicada na capital paulista.
Em 1900 surge uma agremiação rival, o Club Athletico Paulistano, logo seguida por outras, como o Mackenzie. E é no velho Paulistano que podemos encontrar a origem mais remota do processo que levou ao surgimento do São Paulo Futebol Clube. Tudo porque, nos primórdios, o futebol era considerado um lazer das elites, sem nenhum espaço para a profissionalização. Em 1902 é disputado o primeiro campeonato oficial, e daí até o final dos anos 20 sempre predominará o espírito amador.
Entretanto, na virada dos anos 30 o profissionalismo acaba se afirmando, de forma irreversível. O Paulistano, por não admitir que o futebol deixasse de ser um esporte amador, resolve extinguir seu time, gerando forte insatisfação entre os aficcionados.
Em resposta um grupo de sessenta sócios endinheirados e inconformados resolve criar um novo clube, denominado São Paulo, que logo adota as cores branca e vermelha. Contudo, a falta de um bom time e de um campo de jogo logo leva o recém-fundado São Paulo a uma fusão com a Associação Atlética Palmeiras, um clube sem dinheiro mas que contava com o mais importante: um time e um local de treinamento.
Surge o São Paulo da Floresta
A assembleia de fundação acontece no dia 27 de janeiro de 1930, num prédio da praça da República, e foi nessa ocasião que o clube adotou as cores vermelha, branca e negra que o definem até hoje como o tricolor (o preto veio do antigo uniforme da Atlética Palmeiras — clube que, diga-se de passagem, nenhuma relação tinha com o Palmeiras de hoje, que na época ainda se chamava Palestra Itália).
É da mesma fase o escudo adotado até hoje pelo clube, um triângulo tricolor encimado pelas iniciais SPFC. Em 9 de março o São Paulo jogou sua primeira partida no estádio antes pertencente ao Palmeiras, localizado na chamada Chácara da Floresta, junto ao Rio Tietê (daí o clube ser chamado de “São Paulo da Floresta”).
Naquele ano o São Paulo terminou o campeonato em segundo lugar, mas o primeiro título chegaria no ano seguinte, em 1931. Consolidando-se como um clube bem sucedido e apoiado por uma torcida crescente, o São Paulo decide ousar e, em 1934, adquire uma sede luxuosa, conhecida como mansão Trocadero. O resultado foi uma colossal dívida de 190 contos de réis.
A carta foi calculada para as 20h, um horário bastante provável, por deixar Júpiter no Meio do Céu, Netuno na 1 (a dissolução do clube poucos anos depois, motivada por dívidas) e o Ascendente em Leão, tal como no mapa de 1935.
Para fugir à falência, a diretoria do São Paulo foi compelida a acertar uma fusão com o C. R. Tietê, agremiação que assumiu o patrimônio e as dívidas do São Paulo da Floresta à custa da descaracterização do nome e dos símbolos do clube. Em outros termos: o São Paulo deixou de existir. Os associados, revoltados, chegaram a promover uma passeata para tentar depredar a mansão Trocadero e, na sequência, tentaram reconstituir o clube de sua paixão fundando uma nova entidade chamada Grêmio Tricolor, que não foi adiante.
Novos acertos e reuniões levaram a fundação de outra entidade esportiva, desta vez com o nome de Clube Atlético São Paulo, nascido em assembleia acontecida em 4 de junho de 1935. A ata de fundação foi assinada por 235 pessoas. Mas ainda não era este o nome definitivo: em 16 de dezembro de 1935, por volta das 22h, após 4 horas de reunião, ressurgia o São Paulo Futebol Clube, agora com a denominação que porta até os dias de hoje. A estreia oficial aconteceu em 25 de janeiro de 1936, data do aniversário da cidade, num jogo contra a Portuguesa Santista.
Este é o horário admitido pela tradição do clube. Contudo, se admitíssemos o horário do início da assembleia, o Ascendente passaria para 13° de Gêmeos, com Mercúrio e Sol na casa 7.
Até aqui temos, portanto, três datas que poderiam ser tomadas como a da fundação do clube. Afinal, qual delas considerar?
- 27 de Janeiro de 1930 — quando surgiu o primeiro São Paulo F.C. (o São Paulo da Floresta)
- 4 de Junho de 1935 — quando surgiu o Clube Atlético São Paulo
- 16 de Dezembro de 1935 — quando ressurgiu em definitivo o São Paulo F.C. atual
A data considerada oficial pelo clube e pela Federação Paulista de Futebol é a de 16 de dezembro de 1935, mas um forte argumento em favor do mapa de 1930 é o próprio estatuto do clube, que afirma num de seus parágrafos: “O SPFC, preservador das glórias e tradições do São Paulo da Floresta, fundado em 25 [sic] de janeiro de 1930…”
Além disso, o São Paulo — já com este nome e com as cores e símbolos que adota até hoje — foi o campeão paulista de 1931, sendo este título fundamental, inclusive, para a consolidação de sua torcida. Não fosse isso, talvez não houvesse o grupo de pioneiros que, inconformados com a fusão com o Tietê, lutou para que o clube ressurgisse tal qual era antes em dezembro de 1935.
Outro dado: a direção do São Paulo Futebol Clube, no site oficial, computa entre outras conquistas o título estadual de 1931, mesmo considerando 1935 como o ano de sua fundação. Tratamento semelhante dá a Federação Paulista de Futebol, que, em seu quadro de estatísticas, dá como campeão de 1931 o mesmo clube que ganharia tantos títulos posteriormente.
Sobre esta curiosa contradição, assim se manifesta o economista Fábio José Paulo, um dos proprietários do site SPNet:
Um atento leitor da história do São Paulo vai perceber que os mesmos homens que fundaram o São Paulo em 1930 fizeram ressurgir o Tricolor em 1935. A torcida do São Paulo era a mesma que acompanhava o Clube Atlético Paulistano e o São Paulo da Floresta. As cores, o escudo, a camisa, eram os mesmos do São Paulo da Floresta, campeão paulista de 1931.
Por que afinal o São Paulo ainda não reconhece isso em seu Estatuto? Por que na parede da Sala do Conselho Deliberativo está colocado o título de 1931 ao lado dos títulos do São Paulo pós 1935? Por que o troféu de 1931 é mantido no Memorial do Tricolor? Por que o São Paulo comemora a data magna do clube como sendo o dia 25/01? Por que em várias seleções e estatísticas, o nome de Friedenreich é colocado?
O que não entendo é que já pesquisei esse assunto com diversos conselheiros que conheço (…). Todos eles concordaram que a data de fundação tem que ser 25/01/1930. (…) Está na hora do São Paulo definir em que dia foi fundado de fato, e não proclamar que foi fundado em um dia e ter um título de quase 4 anos atrás no currículo, como todas as correspondências e materiais do São Paulo mostram.
À primeira vista, esta citação complica mais do que esclarece. Por que 25, e não 27 de janeiro, que foi o verdadeiro dia da assembleia de fundação do São Paulo da Floresta? O motivo é o desejo de coincidir a data de fundação do clube com o aniversário da cidade, nascida em 25 de janeiro de 1554, por iniciativa dos jesuítas.
Neste sentido, a postura dos defensores dessa data é semelhante à dos dirigentes do Flamengo que fizeram retroagir a data de fundação do clube para 15 de novembro apenas para que coincidisse com o feriado da Proclamação da República. Mas é a data real — a da assembleia acontecida na segunda-feira — que precisamos analisar.
Os problemas no mapa de 1930
O mapa de 27 de janeiro de 1930 mostra um belo trígono Sol-Júpiter entre os signos de Aquário e Gêmeos. Contudo, o planeta mais enfatizado é Saturno, por ser o dispositor final da carta. O aspecto mais forte deste Saturno é uma quadratura com Urano em Áries.
Tal quadratura costuma indicar um conflito entre a necessidade de segurança, que leva a atitudes conservadoras (Saturno), e o impulso para o risco e para a independência (Urano). A consequência é uma dificuldade para manter um ritmo estável de vida, com alternância entre momentos de contestação e de acomodação ao que há de mais retrógrado. É um aspecto que mostra problemas com a hierarquia e com a autoridade, mas que leva às vezes a uma rebeldia estéril com posterior retratação e anulação do impulso reformista.
Esta parece ser uma descrição adequada dos problemas que levaram à extinção do São Paulo da Floresta: surgido em decorrência de uma revolta contra a conservadora decisão da direção do Paulistano, que não admitia o profissionalismo no futebol, bastaram cinco anos para que decisões precipitadas da nova diretoria levassem a uma situação de risco e obrigassem o clube a aceitar a completa descaracterização ao entregar-se nas mãos do Tietê.
Em 14 de maio de 1935, data da extinção do São Paulo da Floresta, Marte e Lua em Libra formavam oposição a Urano e quadratura a Saturno do mapa de fundação. Esta configuração, chamada de quadratura T, curiosamente está prefigurada no próprio escudo do clube, que, além de conter dois triângulos retângulos simétricos (a mesma forma geométrica da quadratura T), apresenta ainda um grande T, claramente visível.
A compra do Trocadero, que foi o pivô da crise, parece simbolizar um momento jupiteriano na vida do São Paulo. Júpiter, quando mal posicionado no mapa, responde pelo exagero, pela suntuosidade, pelo gosto por demonstrações ostensivas de riqueza e pelo desperdício. No mapa do São Paulo da Floresta, Júpiter aparece em Gêmeos, seu signo de exílio, em trígono com o Sol (era um clube originário dos melhores estratos sociais) mas também em quadratura com Netuno (um aspecto que pode expressar a atração pela aparência sem substância).
Júpiter e Netuno regem gases, e foi exatamente isso que o São Paulo conseguiu ao adquirir a mansão do Trocadero: uma grande bolha gasosa que evaporou ao primeiro contato com a realidade.
Já o mapa da refundação, em dezembro de 1935, corresponde a uma repolarização das funções jupiteriana e saturnina do São Paulo Futebol Clube. Júpiter agora está em Sagitário, seu signo de domicílio, e exercendo a função de dispositor final, em substituição ao Saturno de 1930; e, não menos importante, Saturno agora se apresenta não mais em quadratura, mas sim em sextil com Urano, indicando, finalmente, a possibilidade de conciliar segurança e ousadia.
Por outro lado, os dois protagonistas das duas fundações — Saturno e Júpiter — encontram-se agora em quadratura, sinalizando uma tensão que até hoje não se resolveu, pois o São Paulo, enquanto estrutura jurídico-administrativa, ainda não decidiu se integra totalmente ou se rejeita os primeiros cinco anos de sua história.
O maior link entre os dois mapas é exatamente a oposição entre os dois posicionamentos de Júpiter, em 1930 e 1935. Esta transição de Júpiter de uma situação de exílio para outra, de domicílio e domínio sobre toda a carta, revela a característica mais forte deste clube que, oriundo da burguesia paulistana, precisou de um verdadeiro processo de iniciação (uma morte seguida de um renascimento) para assumir sua identidade própria.
Um clube nascido para crescer
A história mostra o São Paulo como um clube essencialmente jupiteriano. Basta lembrar que, a partir de 1937, por causa de um artigo publicado na Gazeta Esportiva, o São Paulo começou a ser chamado de “clube da fé”. Mas a fase de crescimento só começaria realmente após uma nova fusão (mais uma!), que desta vez só trouxe vantagens ao tricolor.
Para entendê-la é preciso voltar ao início de 1935: enquanto o São Paulo da Floresta se debatia na crise financeira decorrente da compra da mansão Trocadero, um grupo de jogadores e diretores fundava um novo clube chamado Estudantes, que seguia o modelo do Estudiantes de La Plata, da Argentina.
Como o Estudantes não tinha estádio, acabou por fundir-se com o C. A Paulista, clube que utilizava um campo no bairro da Moóca. Com a fusão surgiu o Estudante Paulista — que quase desapareceu por causa de uma malfadada excursão ao Chile, em que um empresário desonesto fugiu como todo o dinheiro.
Em 1938, o Estudante Paulista tinha estádio e bons jogadores, mas pouca torcida; o São Paulo da época já era popular, mas com um time fraco e sem estádio fixo. Não é preciso dizer que os dois clubes acabaram optando pela fusão. Como o Estudante estava muito mais bem colocado na tabela do campeonato daquele ano, exigiu que seu nome prevalecesse na nova agremiação, mas a maior popularidade do São Paulo pesou mais decisivamente para a manutenção do nome e dos símbolos do clube tricolor.
Assim, esta fusão, apesar de importante, pode ser considerada como um incidente na história de um clube já existente desde… desde quando mesmo?
Nesta época, e na maior parte do tempo durante os vinte anos subsequentes, o grande técnico do São Paulo foi um homem gorducho e bonachão chamado Vicente Ítalo Feola. O mesmo Feola que dirigiu a seleção brasileira de 1958 e conquistou na Suécia a primeira Copa do Mundo para o Brasil. Gorducho e bonachão? Eis aí, mais uma vez, o arquétipo de Júpiter.
Durante os anos 40 o São Paulo ganhou diversos títulos estaduais e viu sua torcida crescer. Já os anos 50 assistiram ao esforço do clube para construir seu próprio estádio. Iniciado em 1952, o Morumbi foi durante muito tempo o maior estádio particular de futebol do mundo (este posto foi perdido posteriormente para o Camp Nou, do Barcelona).
O Morumbi foi parcialmente inaugurado em 2 de outubro 1960 e totalmente concluído dez anos depois. Chegou a abrigar, num evento evangélico de 1985, um público de mais de 162 mil pessoas.
Gigantismo é, sabidamente, atributo jupiteriano. O mapa do dia da inauguração mostra apenas dois planetas em domicílio — Júpiter e Saturno outra vez — sendo que Júpiter dispõe direta ou indiretamente de todos os demais planetas, exceto Saturno.
Toda a saga sampaulina da construção do maior estádio particular do mundo, que exigiu anos de investimento e de negociação com bancos e fornecedores, tematiza de forma ampla o embate de forças da quadratura Júpiter-Saturno de 1935. É o próprio retrato do clube que se sacrifica e posterga algumas alegrias (Saturno) para crescer (Júpiter).
Depois de treze anos sem ganhar um título, o São Paulo iniciou, em 1970, sua melhor fase. Em 1977 foi campeão brasileiro pela primeira vez, feito repetido em 1986. Bem administrado, com um supertime onde despontava a figura de Raí e sob a liderança do carismático técnico Telê Santana, o tricolor chegou ao auge no início dos anos 90, quando foi sucessivamente campeão brasileiro, bicampeão da Taça Libertadores de América e bicampeão mundial de clubes, derrotando nas finais os poderosos Barcelona, em 1992, e Milan, em 1993. No Brasil, apenas o Santos de Pelé conseguiu um feito semelhante.
Voltando ao mapa da fundação
Mas afinal, qual mapa considerar? A análise da trajetória do clube leva-nos a descartar outras hipóteses e a ficarmos entre os dois mapas que efetivamente marcam a vida do clube: o de 27 de janeiro de 1930 e o de 16 de dezembro de 1935. O primeiro define — digamos assim — a alma do São Paulo, enquanto o segundo determina uma estrutura administrativa capaz de dar sustentação à mística tricolor.
Não temos o horário da assembléia de 1930, mas, considerando o horário em que normalmente as assembleias eram iniciadas naquela época, podemos imaginar um horário entre 19h e 20h, o que deixará Leão no Ascendente.
Quanto ao mapa de 1935, o Ascendente é outra vez Leão, o que destaca um forte fator solar na imagem do clube. Não é por acaso que o técnico que mais se identificou com a mística do São Paulo e que levou mais longe este clube nascido para ser grande foi o também leonino Telê Santana. E esta história de sucesso internacional iniciada por Telê ainda tem muitos capítulos para ser escrita.
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